Emulsões lipídicas (EL) parenterais compostas exclusivamente por óleo de peixe ou pela mistura de óleo de peixe com outros óleos são ricas em ácidos graxos ômega-3 e encontram-se comercialmente disponíveis para uso clínico na Europa, Ásia e América do Sul (1).
O potencial benefício da infusão de ELs com óleo de peixe em pediatria tem sido explorado no tratamento e prevenção da doença hepática associada à colestase (DHAC), uma grave complicação que pode ocorrer em recém-nascidos sob nutrição parenteral total (NPT) em longo prazo. A colestase é caracterizada por uma diminuição ou interrupção do fluxo de bílis, causando um acúmulo de bilirrubina no sangue, ou hiperbilirrubinemia. Cerca de 15% dos pacientes pediátricos que recebem NPT por longos períodos desenvolvem o estágio final de doença do fígado que, muitas vezes, culmina no transplante combinado do fígado e do intestino (2).
Estudos abordando a segurança e a tolerância da infusão de ELs com óleo de peixe em pediatria ainda são escassos, mas os existentes têm encontrado resultados animadores.
Por exemplo, a infusão de EL composta exclusivamente por óleo de peixe (LOP) como monoterapia em crianças dependentes de nutrição parenteral (NP) foi associada com a melhora do perfil dos principais lipídios no sangue e de hiperbilirrubinemia, comparado com seus valores iniciais (2). A infusão de EL composta por 50% de triglicérides de cadeia média (TCM), 40% de óleo de soja e 10% de óleo de peixe (LMOP) em prematuros foi bem tolerada e melhorou o perfil lipídico plasmático e o conteúdo de ácidos graxos ômega-3, em relação à emulsão lipídica convencional, contendo 50% de óleo de soja e 50% de TCM (TCM/LCT) (3).
Já a infusão da EL composta por 30% de óleo de soja, 30% de TCM, 25% de óleo de oliva e 15% de óleo de peixe (SMOOP) foi segura e bem tolerada, pois diminuiu os níveis sanguíneos de bilirrubina e aumentou a concentração de ácidos graxos ômega-3 e de tocoferol no plasma. Além disso, esta EL diminuiu o estresse oxidativo e indicou possível benefício na prevenção de colestase, por reduzir níveis de gama-glutamil transferase, em relação à EL convencional de óleo de soja (TCL) (4-6).
A substituição parcial ou total de TCL por LOP tem demonstrado sua segurança e eficiência para reverter a DHAC preexistente, com reversão de colestase, redução de taxas de mortalidade e de transplante de órgãos em crianças com síndrome do intestino curto, e não foi associada com deficiência de ácidos graxos essenciais (7-11).
Além do tratamento da DHAC já instalada, a capacidade de ELs contendo óleo de peixe em prevenir essa doença também está sob investigação. Nessa área, os benefícios relatados também incluem SMOOP, que demonstrou preservar a integridade hepática em pacientes com indicação de NPT, em relação à TCL (12).
Embora o mecanismo ainda não tenha sido totalmente compreendido, as vantagens de LOP sobre TCL observados até o momento sugerem que esta seria mais adequada para o uso prolongado de nutrição parenteral (2). No entanto, não há estudos controlados que permitam confirmar a eficácia e segurança de LOP, LMOP e SMOOP em DHAC. Há ainda preocupação com a possível deficiência de ácidos graxos essenciais ômega-6 pela infusão exclusiva de LOP (13).
Portanto, existe uma clara necessidade do desenvolvimento de estudos controlados para que a segurança e tolerância da infusão de ELs com óleo de peixe em pediatria possam ser adequadamente estabelecidas, bem como seu uso considerado como tratamento padrão para DHAC.