Os requerimentos humanos de aminoácidos (AA) e a capacidade dos alimentos de supri-los de uma forma metabolicamente disponível são aspectos interligados. Entretanto os métodos utilizados para estimar as necessidades de aminoácidos e sua biodisponibilidade ainda são assuntos de intenso debate nas pesquisas com humanos e animais (1).
A biodisponibilidade dos aminoácidos tem sido definida como a porcentagem de aminoácidos digeridos e absorvidos em uma forma disponível para utilização do organismo humano com o propósito de manutenção ou crescimento tissular. Entre os métodos utilizados para avaliar a biodisponibilidade dos aminoácidos destacam-se a digestibilidade, curvas de crescimento, utilização pós-prandial de proteínas e, mais recentemente, o indicador de oxidação de aminoácidos. Outros métodos são disponíveis para estimar a qualidade da proteína dos alimentos, cada qual com suas vantagens e desvantagens.
Nesse texto vamos analisar as evidências sobre a biodisponibilidade de aminoácidos como a arginina, aminoácidos de cadeia ramificada e glutamina: rotas de administração e cenários clínicos.
A arginina estimula a liberação do hormônio do crescimento, prolactina, insulina e aumenta o número e função dos linfócitos T (2). Esse aminoácido pode ser metabolizado através de uma família de enzimas óxido nítrico sintase até compostos nitrogenados como o óxido nítrico, ou pode ser metabolizado pela rota da enzima arginase até uréia e citrulina.
A arginina quando administrada por via enteral é absorvida, como pode ser demonstrado em estudos experimentais (3). Na medida em que aumenta a oferta de arginina enteral, seus níveis sérios se elevam bem como seus metabólitos, como citrulina e ornitina. Em humanos criticamente enfermos, a administração enteral de arginina eleva os níveis sérios de arginina e de ornitina, aparentemente sem elevar a concentração sérica de óxido nítrico (4). Tal fato sugere que em pacientes críticos a rota preferencial de metabolização da arginina é através da enzima arginase. A presença de infecções sistêmicas pode aumentar a atividade da enzima arginase, podendo resultar em diminuição do nível sério de arginina. Grasemann (5) demonstrou que em pacientes portadores de fibrosa cística um tratamento com antimicrobianos se traduziu em redução da atividade da arginase e consequente elevação dos níveis sérios de arginina.
Os aminoácidos de cadeia ramificada (AACR, como leucina, isoleucina e valina) possuem múltiplos efeitos no organismo humano, entre eles estimular a síntese protéica, inibir a proteólise, promover a síntese de glutamina e fazer a detoxificação de amônia. Os AACR têm sido estudados principalmente em pacientes com doença hepática e na síntese protéica.
Fukushima e cols (6) estudaram a administração de AACR em pacientes cirróticos em períodos variados do dia. Demonstraram que a administração de AACR promoveu melhora do balanço nitrogenado bem como da distribuição sérica de AA (taxa de Fischer), mas ambos os efeitos foram mais pronunciados com a administração noturna, sugerindo que a biodisponibilidade dos AACCR em pacientes cirróticos possui uma variação circadiana. Recentemente Tsuda e cols (7) demonstraram que a suplementação de AACR melhorou os níveis séricos de albumina, aumentou a atividade da protrombina e reduziu o escore de Child-Pugh, mesmo em pacientes assintomáticos.
O aminoácido glutamina tem muitas funções metabólicas essenciais. Possui um papel primordial no transporte de nitrogênio, é combustível para células de replicação rápida, é o mais importante substrato para amoniagênese renal e é precursor da síntese de glutationa. A glutamina protege a integridade estrutural e funcional da mucosa intestinal e aumenta funções imunes celulares (2). Durante situações de intenso estresse, os requerimentos de glutamina excedem a capacidade de síntese resultando em depleção dos níveis séricos.
A suplementação de glutamina em pacientes criticamente enfermos vem sendo estudada por décadas e, de modo consistente, a administração de glutamina enteral na forma de dipeptídeo de alanil-glutamina eleva seus níveis circulantes (8). Quando comparadas as formas de administração, enteral versus parenteral, para a mesma dose de glutamina, os níveis séricos são mais elevados com a forma parenteral sugerindo que exista uma forma de metabolização da glutamina no intestino quando administrada enteralmente. Tal efeito é corroborado pelos estudos que demonstram uma elevação do nível de citrulina quando realizada a administração enteral de glutamina (9,10). Lembramos que a citrulina é um aminoácido de metabolismo intestinal e seus níveis séricos se correlacionam com a massa celular intestinal.
Recentemente Koksal e cols (11) compararam a suplementação de glutamina por via enteral versus parenteral versus enteral e parenteral combinadas, em pacientes sépticos avaliando proteínas sérias e balanço nitrogenado (BN). Seus resultados demonstraram níveis de transferrina mais elevados no grupo com suplementação combinada em comparação com administração isolada enteral e parenteral, bem como BN menos negativo com a suplementação combinada em relação à administração isolada de glutamina.
Portanto, apesar de existirem muitos métodos para avaliar a biodisponibilidade dos aminoácidos, na prática o mais utilizado é o crescimento animal e em humanos doentes em terapia nutricional, seus substitutos como proteínas sérias e balanço nitrogenado. Os aminoácidos suplementados por via enteral apresentam boa biodisponibilidade sendo bem absorvidos e metabolizados, ainda que existam diferenças quando comparadas com a administração parenteral. Para quais pacientes, em que dose, em que momento e qual a combinação dessa suplementação seriam ideais ainda requerem mais estudos que avaliem desfechos primordiais para os doentes.
João Wilney Franco Filho
Médico intensivista (AMIB) especialista em nutrição enteral e parenteral (SBNPE), coordenador clínico das EMTNs do Instituto de Cardilogia de Porto Alegre e Viamão, Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre. MBA Gestão de Negócios em Saúde UNISINOS
1. Levesque CL, Moehn S, Pencharz PB, Ball RO. Review of advances in metabolic bioavailability of amino acids. Livestock Science 2010; 133: 4-9.
2. Jones NE, Heyland DK. Pharmaconutrition: a new emerging paradigm. Curr Opin Gastroenterol 2008; 24: 215-22.
3. Bonhomme S, Belabed L, Blanc M-C, Neveux N, Cynober L, Darquy S. Arginine-supplemented enteral nutrition in critically ill diabetic and obese rats: A dose-ranging study evaluating nutritional status and macrophage function. Nutrition 2013; 29: 305-12.
4. Preiser J-C, Berré J, Van Gossum A, Cynober L, Vray B, Carpentier Y, Vincent JL. Metabolic effect of arginine addition to the enteral feeding of critically ill patients. Journal of Parenteral and Enteral NUtrition, 2001; 25: 182-87.
5. Grasemann H, Schwiertz R, Grasemann C, Vester U, Racké K, Ratjen F. Deceased systemic bioavailability of L-arginine in patients with cystic fibrosis. Respiratory Research 2006; 7:87
6. Fukushima H, Miwa Y, Ida E, Kuriyama S, Toda K, Shimomura Y, et al. Nocturnal Branched-Chain Administration Improves Protein Metabolism in Patients With Liver Cirrhosis: Comparison With Day-Time Administration. Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, 2003; 27: 315-22.
7. Tsuda Y, Fukui H, Sujishi T, Ohama H, Tsuchimoto Y, Asai A, et al. Is Administrating branched-
chain amino acid-enriched nutrition achieved symptom-free in malnourished cirrothic patients? J Clin Biochem Nutr 2014; 54:51-54.
8. Zhou YP, Jiang ZM, Sun YH, Wang XR, Ma EL, Wilmore D. The effect of supplemental Enteral Glutamine on Plasma Levels, Gut Function, and Outcome in Severe Burns: a Randomized, Double-Blind, Controlled Clinical Trial. Journal of Parenteral and Enteral Nutrition. 2003; 27: 241-45.
9. Melis GC, Boelens PG, van der Sijp JRM, Popovic T, De Bandt JP, Cynober L, et al. British Journal of Nutrition 2005; 94: 19-26.
10. Lightart-Melis GC, van de Poll MCG, Dejong CHC, Boelens PG, Deutz NEP, van Leeuwen PAM. The Route of Administration (Enteral or Parenteral) Affects the Conversion of Isotopically Labeled L-[2-15N]Glutamine Into Citrulline and Arginine in Humans. Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, 2007; 31: 343-50.
11. Koksal GM, Erbabacan E, Tunali Y, Karaoren G, Vehid S, Oz Huseyin. Asia Pac J Clin Nutr 2014; 23(1): 34-40.