O trato gastrintestinal (TGI) é o maior órgão endócrino do organismo. Além das funções de digestão e absorção, o TGI desempenha importante papel no controle do balanço energético, através da regulação da ingestão alimentar. O balanço energético é determinado pela relação entre o consumo e o gasto de energia. Essa perfeita interação ocorre entre mecanismos fisiológicos e moleculares intestinais que atuam no sistema nervoso central (SNC), gerando o conceito eixo intestino-SNC.
Os componentes que interagem para formar esta comunicação intestino-SNC são complexos e bidirecionais. Estes mecanismos estão envolvidos na regulação da ingestão alimentar, modulação de infecções e doenças inflamatórias, tais como obesidade, diabetes melito tipo 2 e câncer.
Um dos mecanismos propostos para a interação do eixo intestino-SNC é por meio das células enteroendócrinas do epitélio de revestimento do TGI. Estas células produzem e secretam mais de cem polipeptídeos que podem desempenhar ações no controle alimentar e homeostase glicêmica através da ativação de circuitos neurais. Esses polipeptídeos atuam na regulação da ingestão alimentar desde o período em jejum (pré-prandial) até o período pós-consumo alimentar (pós-prandial), pela ação de hormônios orexígenos (estimulam a fome) e hormônios anorexígenos (estimulam o apetite).
No período pré prandial, ocorre aumento da liberação do hormônio orexígeno grelina pelo estômago que pode atuar no núcleo arqueado via nervo vago ou sinalizar diretamente o hipotálamo e ativar os neuropeptídeos AgRP e NPY, estimulando a fome. Durante a alimentação e no período pós prandial ocorre liberação de hormônios anorexígenos, tais como: peptídeo semelhante ao glucagon 1 (GLP-1), oxintomodulina (OXM), peptídeo YY (PYY), colecistoquinina (CCK) e polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP) que podem alcançar o núcleo arqueado via tronco cerebral e nervo vago ou ativar diretamente neuropeptídeos hipotalâmicos, tais como POMC e CART, levando a saciedade. O SNC ajusta o balanço energético de acordo com a necessidade de cada organismo.
O eixo intestino-SNC também desempenha importante papel na modulação energética através da microbiota intestinal, que favorece a captação de energia dos alimentos por influenciar no metabolismo de órgãos, além de exercer efeitos nutricionais de proteção no epitélio intestinal e no sistema imunológico.
Enquanto os micro-organismos intestinais têm sido extensamente usados para estudar os mecanismos subjacentes das doenças inflamatórias e resistência à insulina, numerosos pesquisadores têm postulado que componentes nutricionais poderiam ser usados como estratégias para combater a gravidade dessas anormalidades.
Entre os componentes nutricionais que suportam a microbiota intestinal saudável destacam-se as fibras alimentares, probióticos e prebióticos. Quando probióticos e prebióticos são consumidos, os efeitos para o intestino incluem redução da inflamação local e sistêmica, bem como diminuição da dor e desconforto intestinal. Outros estudos têm demonstrado uma inibição da translocação bacteriana e redução da permeabilidade intestinal com o uso desses nutrientes.
O uso do prebiótico oligofrutose, parece aumentar os níveis de Bifidobactérias spp., melhorar a sensibilidade à insulina e restaurar o estado inflamatório. Oligofrutoses e amidos resistentes podem estimular os peptídeos intestinais anorexígenos através do aumento da produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), da expressão de GLP-1, CCK, GIP, OXM e PYY e da redução da expressão de grelina.
Dieta enriquecida com prebiótico é capaz de reduzir níveis de Firmicutes (maléficas) e aumentar níveis de Bacteroidetes (benéficas), assim como melhorar a sensibilidade à insulina, e diminuição da gordura corporal, inflamação e estresse oxidativo. Além disso, AGCC provenientes das fibras dietéticas, tais como propionato e butirato, reduzem a ingestão alimentar pelo aumento da secreção de leptina e redução da expressão de citocinas pró-inflamatórias.
A utilização de probióticos é sugerida para a prevenção da progressão das infecções relacionadas ao HIV. Pacientes portadores do HIV apresentam infecções em tecidos linfóides, alterações da microbiota intestinal e comprometimento nos sintomas de síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS).
Os probióticos parecem atuar também na redução do risco de desenvolvimento de câncer por meio da diminuição das bactérias intestinais que induzem a carcinogênese via inflamação crônica, evasão do sistema imunológico e imunossupressão.
Em resumo, as descobertas na compreensão destes alimentos e nutrientes podem ajudar a regular o eixo do intestino-SNC, entretanto, ainda permanece um desafio para os nutricionistas e investigadores científicos. Pesquisas futuras devem focar nas alternativas para melhorar a eficácia das dietas na prevenção da inflamação bem como entender melhor os mecanismos responsáveis pela melhora dos parâmetros metabólicos que ainda não foram completamente elucidados, pois acredita-se que muitos outros hormônios possam estar envolvidos no controle energético (fome/saciedade), além da grande influência da microbiota intestinal que pode também ter papel importante nesse controle metabólico e energético.
Leia também: “Obesidade: causa ou consequência do desequilíbrio na microbiota intestinal?”
Lilian Mika Horie
Nutricionista. Especialista em Nutrição Hospitalar pelo HC-FMUSP, Mestre e Doutoranda em Ciências pelo Departamento de Gastroenterologia da FMUSP. Pesquisadora científica do LIM-35 da FMUSP.
Priscila Campos Sala
Nutricionista especialista em Nutrição nas Doenças Crônico-Degenerativas pelo Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein e especialista em Terapia Nutricional Parenteral e Enteral e Nutrição Clínica pelo GANEP. Doutoranda e pesquisadora científica do LIM35 da FMUSP.
Referência:
1. Pimentel GD, Micheletti TO, Pace F, Rosa JC, Santos RVT, Lira FS. Gut-central nervous system axis is a target for nutritional therapies. Nutr J. 2012 Apr 10;11:22.