A síndrome de realimentação (SR) representa um grupo de sinais e sintomas clínicos comumente observados em pacientes gravemente desnutridos. Esta síndrome foi inicialmente descrita após a segunda guerra mundial, em que indivíduos que passaram por longos períodos de jejum apresentaram precipitação de falência cardíaca quando realimentados. A partir de então tem sido amplamente reconhecida em pacientes com privação alimentar prolongada (sobreviventes de guerra, refugiados, grevistas de fome) e em desnutridos com e sem estresse fisiológico.
Dessa maneira, os sintomas da SR ocorrem a partir de desequilíbrios de fluidos e eletrólitos resultantes da suplementação nutricional via oral, enteral ou parenteral após um período de jejum prolongado ou desnutrição. Caracteriza-se clinicamente por alterações neurológicas, sintomas respiratórios, arritmias e falência cardíaca, poucos dias após a realimentação. Sua causa é decorrente da sobrecarga na ingestão calórica e reduzida capacidade do sistema cardiovascular.
A causa mais comum de morte é a arritmia cardíaca, sendo as alterações mais observadas relacionadas com o consumo intracelular de eletrólitos e minerais, como o potássio, magnésio e principalmente o fósforo, devido ao intenso anabolismo associado a depleção longa e excessiva administração de carboidratos, que favorece a entrada de potássio e fósforo na célula, resultando em hipofosfatemia grave e letal.
Embora a característica principal seja a hipofosfatemia, outras alterações bioquímicas vêm sendo consideradas importantes, incluindo as mudanças no metabolismo da glicose, proteína e lipídios e deficiência de tiamina, hipocalemia (deficiência de potássio) e hipomagnesemia (deficiência de magnésio).
Os sintomas variam de leve a grave, dependendo do tempo de jejum ou grau da desnutrição e da terapia nutricional instituída. Assim, quando não prevenida, esta condição pode levar a graves alterações, sendo fundamental detectar os pacientes de risco precocemente, evitando as alterações relacionadas com esta condição clínica.
Primeiramente, deve-se identificar o pacientes em alto risco para o desenvolvimento da SR, como demonstrado a seguir:
– Pacientes oncológicos;
– Alcoolismo crônico;
– Pacientes no pós-operatório;
– Anorexia nervosa;
– Idosos (com comorbidades associadas);
– Diabetes mellitus descompensada (depleção de eletrólitos, diurese);
-Desnutrição crônica: marasmo, jejum/dieta hipocalórica prolongada, obesidade grave com perda de peso profunda, síndromes de má absorção (doença inflamatória intestinal, pancreatite crônica, fibrose cística, síndrome do intestino curto);
– Usuários crônicos de antiácidos;
– Usuários crônicos de diuréticos.
Após a identificação do risco, o paciente deve passar por uma avaliação criteriosa, incluindo um histórico completo com foco na ingestão nutricional detalhada, uso de álcool, mudança de peso recente, conforme recomendado pelas diretrizes do The National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE):
Paciente apresenta um ou mais das seguintes características:
– IMC (índice de massa corporal) inferior a 16 kg/m2
– Perda de peso involuntária superior a 15% dentro dos últimos 3-6 meses
– Pouca ou nenhuma ingestão nutricional para mais de 10 dias
– Níveis baixos de potássio, fósforo ou magnésio antes da alimentação.
Ou o paciente apresenta dois ou mais das seguintes características:
– IMC inferior a 18,5 kg/m2
– Perda de peso involuntária superior a 10% dentro dos últimos 3-6 meses
– Pouca ou nenhuma ingestão nutricional para mais de 5 dias
– História de abuso de álcool ou drogas, bem como o uso de insulina, quimioterapia, antiácidos ou diuréticos.
Portanto, antes da realimentação, os distúrbios eletrolíticos devem ser corrigidos e o volume circulatório cuidadosamente restabelecido. Na prática clínica, estas medidas podem retardar o início da realimentação, mas geralmente podem ser completadas nas primeiras 12 a 24 horas.
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