Resultados de um estudo publicado na revista Aging Cell sugerem que uma redução de 40% nas calorias da dieta aumenta a capacidade da mitocôndria de captar cálcio em algumas situações nas quais o nível desse mineral no meio celular encontra-se patologicamente elevado. No cérebro, isso pode ajudar a evitar a morte de neurônios associada a doenças como Alzheimer, Parkinson, epilepsia e acidente vascular cerebral (AVC), entre outras.
Doenças como essas podem causar uma superativação dos receptores para o neurotransmissor glutamato nos neurônios, resultando em uma entrada excessiva de íons de cálcio na célula. Tal condição é conhecida como excitotoxicidade e pode causar danos e até morte de neurônios.
Com o objetivo de verificar o efeito da restrição calórica em uma condição de excitotoxicidade, pesquisadores do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) compararam dois grupos de camundongos. O controle recebeu ração à vontade durante 14 semanas e, no final do experimento, estava com excesso de peso. O outro grupo experimental, durante o mesmo período, recebeu uma quantidade de ração controlada, com redução de 40% nas calorias ingeridas. Os pesquisadores então injetaram nos animais uma substância chamada ácido kaínico, molécula análoga ao neurotransmissor glutamato e com efeito semelhante (induzir a entrada de cálcio nos neurônios), porém mais persistente.
De acordo com os resultados, todos os roedores do grupo controle tiveram convulsões. Já os camundongos submetidos à restrição calórica ficaram bem.
A partir desses resultados, os pesquisadores realizaram uma segunda etapa do projeto, com o objetivo de observar o que acontecia ao tratar as mitocôndrias isoladas de ambos os grupos com a droga ciclosporina. O alvo da ciclosporina na mitocôndria é bem conhecido: a droga inibe a ação de uma proteína chamada ciclofilina D e, quando isso acontece, a organela passa a captar mais cálcio.
Os resultados demonstraram que enquanto as organelas do grupo controle de fato passaram a captar maior quantidade do mineral, aquelas do grupo submetido à restrição permaneceram iguais, ou seja, a diferença observada no teste anterior desapareceu.
A restrição calórica induziu um aumento nos níveis de uma proteína chamada SIRT3, que é capaz de modificar a estrutura da ciclofilina D, inibindo sua atividade e fazendo as mitocôndrias captarem mais cálcio, tornando-as insensíveis à ciclosporina.
Além disso, notou-se que nas mitocôndrias do grupo submetido à restrição houve aumento de algumas enzimas antioxidantes, como glutationa peroxidase e glutationa redutase, e aumento da atividade da enzima superóxido dismutase (SOD). Segundo os autores, tais resultados sugerem um aumento na capacidade cerebral de lidar com o estresse oxidativo – condição que participa da gênese de várias doenças degenerativas.
“Nossos resultados indicam que a capacidade de retenção de cálcio mitocondrial aumentada, embasa os efeitos benéficos da restrição calórica contra condições de excitotoxicidade”, concluem os autores. “A mudança no transporte de cálcio mitocondrial induzida pela restrição calórica pode acontecer também em outros tecidos, além do cerebral, com diferentes repercussões. Parece ser algo importante e pretendemos investigar melhor”, afirmam.