A hipoglicemia em crianças gravemente enfermas pode estar ligada a maior mortalidade e a danos cerebrais em recém-nascidos, embora ainda seja debatido se a hipoglicemia breve em doenças graves, pode causar danos por si só.
Casos como desnutrição prolongada, falência hepática e estadias prolongadas em UTIs pediátricas (UTIPs)ampliam a exposição a estratégias de controle glicêmico, aumentando a probabilidade de hipoglicemia. Além disso, a hiperglicemia e a variabilidade elevada da glicose também podem impactar negativamente em crianças gravemente enfermas, causando danos neuronais.
Em um ensaio clínico randomizado, o controle rigoroso da glicose não apenas reduziu a morbidade e mortalidade a curto prazo, mas também melhorou o desfecho neurodesenvolvimental a longo prazo. Evidências sugerem que hipoglicemia iatrogênica breve é menos prejudicial que hiperglicemia prolongada, entretanto, essa associação pode variar conforme o contexto clínico.
O estudo investigou a associação da hipoglicemia com mortalidade, desfechos em até 4 anos e impacto da estratégia nutricional e controle glicêmico em crianças gravemente enfermas na UTIP. Além de avaliar se a hipoglicemia única ou recorrente/espontânea pode afetar os desfechos.
Estudo randomizado com crianças gravemente enfermas em UTIPs
O estudo randomizado envolveu 1440 crianças gravemente enfermas admitidas em UTIPs, recebendo Nutrição Parenteral precoce quando a nutrição enteral foi contraindicada/insuficiente para atingir a meta calórica ou Nutrição Parenteral tardia, até uma semana após a admissão na UTIP.
Nos diferentes centros de tratamento, foram coletadas as informações de insulina intravenosa contínua, concentrações de glicose no sangue, potássio e meta de glicose no sangue.
O estudo avaliou:
- Neurologia clínica: incluindo avaliação geral das habilidades de interação e linguagem, função motora geral, movimentos involuntários, reflexos, coordenação e equilíbrio, função motora fina, nervos cranianos e sentidos especiais (funções sensoriais, visuais e auditivas).
- Funções executivas: através de questionário do Inventário de Avaliação do Comportamento Executivo (BRIEF), permitindo análise do controle inibitório, flexibilidade cognitiva, controle emocional, memória de trabalho, planejamento e organização, metacognição e funcionamento executivo total.
- Problemas comportamentais e emocionais: através de questionários do Child Behavior Checklist (CBCL) para analisar problemas internalizantes, externalizantes e totais.
- Habilidade intelectual geral: através de versão apropriada para a idade da escala de Quocientes de Inteligência (QI).
Os fatores de risco basais incluíam idade, sexo, centro de tratamento, randomização para NP Precoce ou NP Tardia, gravidade da doença na admissão na UTIP, risco de desnutrição, categoria de diagnóstico na admissão, histórico de malignidade, diabetes e síndrome predefinida.
Desfechos associados à hipoglicemia
Associação independente e significativa com a hipoglicemia:
Foi repetido as análises de regressão ajustadas para duração da estadia na UTIP, glicose média matinal e variabilidade da glicose.
Associação independente e persistente com a hipoglicemia:
Foi estudado se a associação pode ser afetada pela estratégia nutricional randomizada ou pelo protocolo de controle glicêmico específico do centro de tratamento.
Associação independente, significativa e consistente com a hipoglicemia:
Foram realizadas análises de sensibilidade para investigar se um episódio de hipoglicemia iatrogênica (se desenvolve sob tratamento com insulina ou dentro de 2 horas após a interrupção da insulina) se associa de forma diferenciada com a hipoglicemia espontânea/recorrente.
A hipoglicemia demonstrou associação ao risco de mortalidade a curto e longo prazo
O estudo mostrou que crianças gravemente enfermas que desenvolveram hipoglicemia na UTI Pediátrica, principalmente aquelas com hipoglicemia espontânea/recorrente em vez de um único evento de hipoglicemia iatrogênica, apresentaram maior risco de mortalidade a curto e longo prazo, além de pontuações inferiores em funções executivas após 4 anos, em comparação àquelas sem hipoglicemia.
A hipoglicemia foi mais comum em pacientes mais jovens e com maior gravidade da doença, e a permanência na UTI foi mais prolongada para esses pacientes, com menor glicose matinal e maior variabilidade glicêmica.
Observou-se que mesmo após ajustes, a hipoglicemia manteve associação com funções executivas mais fracas, mas não com aumento de mortalidade. A estratégia nutricional e controle glicêmico também influenciaram a associação da hipoglicemia com os resultados: a hipoglicemia sob controle rigoroso e NP Tardia mostraram menos impacto enquanto a hipoglicemia espontânea/recorrente mostrou associação a piores desfechos neurodesenvolvimentais.
Embora a hipoglicemia grave possa causar dano neuronal, o pequeno número de crianças com diabetes impede conclusões sobre sua vulnerabilidade à hipoglicemia e a extensão do prejuízo por um episódio breve de hipoglicemia iatrogênica em crianças gravemente enfermas ainda é debatida.
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Referência:
Gunst, J., De Bruyn, A., Jacobs, A. et al. The association of hypoglycemia with outcome of critically ill children in relation to nutritional and blood glucose control strategies. Crit Care 27, 251 (2023).
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