A ferritina sérica é um dos exames laboratoriais mais solicitados na prática clínica, e funciona como um marcador do status de ferro. Frequentemente, os limites mínimos e máximos são ultrapassados, indicando que algo está errado. Neste artigo, vamos nos aprofundar na ferritina alta, e entender quando este parâmetro é preocupante para a saúde do paciente. Vamos lá?
O que é ferritina?
Em primeiro lugar, vamos entender o que é ferritina. Por definição, a ferritina é uma proteína citosólica encontrada em todas as células, com função de armazenamento do ferro.
No nosso organismo, o excesso de ferro aumenta os danos teciduais via processos oxidativos. Ao capturar o ferro livre, a ferritina transforma o ferro ferroso (Fe2+) em ferro férrico (Fe3+), seu estado menos tóxico. Nestes processos, a ferritina desempenha um importante papel de homeostase deste mineral.
Quando a ferritina é mensurada na corrente sanguínea, ela representa de forma indireta o estoque total de ferro do organismo.
Valores de referência para ferritina alta
Os valores de referência adequados para ferritina estão entre 20 a 100 μg/L. Este intervalo está associado à redução de risco de mortalidade e morbidade cardiovascular.
Já a hiperferritinemia (ferritina alta) é definida pelos seguintes parâmetros:
- > 200 μg/L em mulheres;
- > 300 μg/L em homens.
Não há valores consensuais para a hiperferritinemia extrema. Entretanto, os estudos sugerem taxas que ultrapassem os limites de 2.000 a 10.000 µg/L.
O que causa ferritina alta?
São diversas as causas capazes de elevar a ferritina. De modo geral, a ferritina pode estar ou não associada à sobrecarga de ferro, ou seja, ao excesso de ferro no corpo. Essa diferenciação é essencial, pois o manejo, o tratamento e o prognóstico diferem muito para as duas entidades.
Ferritina alta com sobrecarga de ferro
Quando a ferritina alta está associada ao aumento da saturação de transferrina (acima de 45%), é muito provável que esteja havendo uma sobrecarga de ferro no organismo do paciente.
As doenças de sobrecarga do ferro podem ser classificadas em:
- Primárias: causadas por um defeito hereditário na regulação do equilíbrio de ferro (Hemocromatose Hereditária);
- Secundárias: adquiridas como resultado de condições congênitas ou adquiridas subjacentes.
Nesta classificação, a Hemocromatose Hereditária (HH) é uma das causas mais comuns. Esta é uma doença genética, caracterizada pelo aumento da absorção intestinal e acúmulo progressivo do ferro em diferentes órgãos do organismo. Para a confirmação de seu diagnóstico, é necessário investigar mutações do gene HFE (C282Y, H63D e S65C).
Entretanto, de todas as causas possíveis capazes de aumentar a ferritina, a HH representa apenas 10% dos casos. De todo modo, outras condições associadas à hiperferritinemia com sobrecarga de ferro são descritas no quadro abaixo.
Ferritina alta com sobrecarga de ferro | Causas comuns
● Hemocromatose hereditária ● Síndrome de sobrecarga de ferro dismetabólica ● Anemias de carga de ferro (congênitas ou adquiridas) ● Sobrecarga iatrogênica de ferro (transfusão de hemácias, administração parenteral de ferro) ● Sobrecarga de ferro africana |
Causas raras
● Hemocromatose hereditária sem mutação HFE ● Doença ferroportina ● Aceruloplasminemia ● Atransferrinemia |
Ferritina alta sem sobrecarga de ferro
Outras causas para a ferritina alta não envolvem, necessariamente, o excesso de ferro no organismo. Neste caso, os valores de saturação de transferrina estão normais. Geralmente, quando a ferritina está alta sem sobrecarga de ferro, processos inflamatórios e alterações metabólicas estão presentes.
Além de armazenar o ferro intracelular, a ferritina é também um mediador pró-inflamatório. Assim, sempre que houver inflamação corporal, haverá elevação do nível de ferritina, sem aumentar o estoque corporal de ferro. Portanto, a avaliação laboratorial deve incluir a dosagem de marcadores inflamatórios específicos.
Cerca de 90% dos casos de hiperferritinemia se incluem nesta categoria, e estão relacionados à inflamação, doenças crônicas, síndrome metabólica, etilismo, dano celular ou malignidades.
As causas para a ferritina alta sem sobrecarga de ferro são elencadas no quadro abaixo.
Ferritina alta sem sobrecarga de ferro | Causas comuns
● Danos celulares ● Obesidade ● Síndrome metabólica ● Resistência à insulina ou diabetes ● Consumo excessivo de álcool ● Condições inflamatórias e infecciosas (choque séptico, COVID-19) ● Malignidade (sólida e hematológica) |
Causas raras
● Hiperferritinemia benigna/síndrome de catarata com hiperferritinemia hereditária ● Síndromes imunomediadas ● Doença de Gaucher |
Quando a ferritina é preocupante?
De modo geral, sempre que a ferritina ultrapassar seu limite (>200 μg/L em mulheres ou >300 μg/L em homens) é cabível investigação.
Entretanto, quando o excesso de ferro também é identificado, é preciso maior atenção. Por ser tóxico ao organismo, o tratamento deve ser rapidamente iniciado a fim de evitar maiores danos. Pacientes com hemocromatose hereditária precisam de acompanhamento por toda a vida.
Mesmo que o excesso de ferro não esteja presente, a ferritina alta não pode ser subestimada. Como visto, este exame pode estar relacionado à inflamação, associada desde a condições como obesidade, até problemas mais sérios como o câncer.
Como tratar ferritina alta?
A depender da causa da ferritina alta, diferentes tratamentos são recomendados.
Por exemplo, para a hemocromatose hereditária, pode haver indicação de flebotomia, procedimento de remoção do sangue a fim de reduzir os estoques de ferro e prevenir lesões aos órgãos. Neste sentido, a quelação do ferro e a redução da ingestão de alimentos fontes deste mineral também são opções viáveis.
Por outro lado, para o manejo de pacientes sem sobrecarga de ferro, o tratamento da condição primária deve ser preferencial. Ademais, orientações sobre estilo de vida são bem-vindas, tais como:
- Abstinência de álcool;
- Controle glicêmico;
- Redução do peso;
- Alimentação anti-inflamatória.
Conclusão
A ferritina alta é sugestiva para outras causas subjacentes. A investigação profunda destas causas é imprescindível para orientar o manejo dos pacientes e prevenir danos futuros.
Referências:
FAUTER, Maxime et al. Extreme Hyperferritinemia: Causes and Prognosis. Journal of Clinical Medicine, v. 11, n. 18, p. 5438, 2022.
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Guia de Nutrição Vegana para Adultos da União Vegetariana Internacional (IVU). Departamento de Medicina e Nutrição. 1ª edição, IVU, 2022.
SANDNES, Miriam et al. Hyperferritinemia — a clinical overview. Journal of Clinical Medicine, v. 10, n. 9, p. 2008, 2021.
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