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Guia Nutritotal: nutrição enteral em adultos hospitalizados

nutrição enteral

Fonte: Canva

Em adultos hospitalizados, a oferta adequada de nutrientes é um componente essencial do cuidado, com impacto direto na recuperação clínica, na resposta ao tratamento e na redução de complicações. 

A nutrição enteral, quando bem indicada e conduzida, torna-se uma aliada poderosa nesse processo. Este guia reúne as principais recomendações e evidências atualizadas para apoiar profissionais de saúde no uso seguro e eficaz da terapia enteral em pacientes adultos. Confira!

Fonte: Canva

O que é nutrição enteral?

A nutrição enteral (NE) é a administração de nutrientes por meio de uma sonda em pacientes que não conseguem consumir alimentos suficientes pela via oral.

É uma intervenção crucial para o cuidado de adultos hospitalizados, especialmente aqueles com risco de desnutrição ou já desnutridos.

Para a triagem de desnutrição na admissão hospitalar, indica-se ferramentas validadas como o MUST (Malnutrition Screening Tool) ou o NRS 2002 (Nutrition Risk Screening 2002). 

Em seguida, pacientes em risco devem ser avaliados por um profissional de nutrição, com base em critérios diagnósticos como GLIM (Global Leadership in Malnutrition) ou AAIM (Academy of Nutrition and Dietetics-American Society for Parenteral and Enteral Nutrition Indicators of Malnutrition).

A terapia nutricional, que inclui a nutrição enteral, reduz significativamente o risco de morte e readmissões hospitalares, além de melhorar a ingestão de proteínas e energia e aumentar o peso corporal.

Quando a nutrição enteral é indicada?

A nutrição enteral é indicada quando a ingestão oral é insuficiente, ou seja, menos de 60% das necessidades nutricionais diárias são atendidas, na ausência de contraindicações, na presença de trato gastrointestinal funcionante e estabilidade hemodinâmica.

A NE é frequentemente considerada em pacientes com condições como:

Quais são as contraindicações da nutrição enteral?

As contraindicações para a nutrição enteral incluem:

É importante ressaltar que a NE geralmente não é recomendada em pacientes com demência grave ou em fase terminal de vida.

Vias de acesso da nutrição enteral

A escolha da via de acesso enteral depende da doença, anatomia e função gastrointestinal e duração esperada da terapia. As opções incluem:

Sondas nasoentéricas (curto prazo): nasogástrica, nasoduodenal ou nasojejunal. A alimentação pós-pilórica (duodenal ou jejunal) pode ser benéfica para pacientes que não toleram a via gástrica, estando associada a menor incidência de aspiração pulmonar, refluxo gástrico e pneumonia.

Tubos de gastrostomia percutânea (longo prazo): gástrica, gastrojejunal ou jejunal.

A tabela abaixo detalha os tipos de acessos da nutrição enteral.

Via de acesso Duração esperada Localização da ponta Calibre e material do tubo Método de inserção
Nasogástrica, orogástrica Curto prazo Estômago 5–10 French, silicone ou poliuretano – Inserção à beira do leito por enfermeiro(a), nutricionista ou médico com confirmação radiológica
Nasojejunal, nasoduodenal Curto prazo Jejuno 5–10 French, silicone ou poliuretano – Inserção à beira do leito por enfermeiro(a), nutricionista ou médico com confirmação radiológica 

– Inserção à beira do leito guiada por eletromagnetismo 

– Sistema de imagem em tempo real para inserção 

– Endoscópica 

– Radiológica

Gástrica percutânea Longo prazo Estômago 18–24 French, silicone ou poliuretano – Endoscópica 

– Radiológica 

– Cirúrgica

Gastrojejunal percutânea Longo prazo Jejuno 12–24 French, silicone ou poliuretano – Endoscópica 

– Radiológica 

– Cirúrgica

Jejunal percutânea Longo prazo Jejuno 12–18 French, silicone ou poliuretano – Endoscópica 

– Radiológica 

– Cirúrgica

 

Saiba mais em: Indicação e vias de acesso da nutrição enteral

Início e timing da nutrição enteral

O início precoce da NE, geralmente dentro das primeiras 24-36 horas, tem demonstrado melhores resultados em comparação com a administração tardia, incluindo redução da morbidade infecciosa e da mortalidade. 

As diretrizes atuais recomendam iniciar a NE em adultos criticamente enfermos dentro de 24-48 horas da admissão na UTI, desde que não haja contraindicações. 

Dosagem da NE

Historicamente, as diretrizes de nutrição para cuidados críticos recomendavam atingir a dose total de nutrição enteral nas primeiras 72 horas de admissão na UTI. 

A dose plena de NE é definida como 80-100% das necessidades energéticas, medidas por calorimetria indireta ou calculadas por equações baseadas no peso ou com uso de fórmulas preditivas.

No entanto, ensaios clínicos randomizados contemporâneos indicam que a nutrição enteral em dose plena, comparada com doses restritivas durante a fase aguda da doença crítica, pode não oferecer benefícios adicionais e, em alguns casos, pode levar a piores desfechos devido a estresses iatrogênicos ao sistema.

Estratégias de dose restritiva de NE incluem:

  1. Dose hipocalórica: menos de 70% da energia com alta dose de proteína.
  2. Subalimentação permissiva: 40-60% da energia total.
  3. Dose trófica: 10-30 mL/hora de uma fórmula iso-osmótica, aproximadamente 20-25% das necessidades energéticas, que demonstrou apoiar as funções intestinais.

A entrega de NE em dose plena a pacientes críticos tem sido associada a:

Portanto, os dados atuais apoiam o uso de NE em dose restritiva durante a fase aguda da doença crítica.

Fornecimento de proteínas na nutrição enteral

A proteólise e a perda de massa muscular são características da doença crítica, resultando em comprometimento da função física. Embora a oferta de proteína seja um preceito integral na terapia nutricional, a resistência anabólica em pacientes críticos limita a utilização da proteína para a síntese muscular.

A hipótese de que doses mais elevadas de proteína poderiam melhorar o balanço nitrogenado e estimular maior síntese muscular foi levantada. 

No entanto, grandes ensaios clínicos multicêntricos demonstraram que a proteína em alta dose (≥ 2 g/kg/dia) não foi superior à dose padrão (1,2 a 1,3 g/kg/dia) na melhoria dos desfechos clínicos.

Além disso, altas doses podem estar associadas a danos em subgrupos de pacientes críticos, especialmente aqueles com maior gravidade da doença e lesão renal aguda. Também se associam a mais síndrome de realimentação e intolerância gastrointestinal.

Intolerância à nutrição enteral

Não existem critérios padronizados para a intolerância à nutrição enteral (EFI), mas os achados comuns à beira do leito podem ser categorizados como de baixo e alto risco.

Em relação à diarreia, ela deve ser interpretada de forma independente, pois sua etiologia está mais comumente relacionada a medicamentos ou infecções, e representa intolerância à NE em menos de 20% dos casos.

Os achados de baixo risco devem ser interpretados no contexto da gravidade da doença. Em pacientes críticos com maior gravidade da doença, os sinais de baixo risco devem ser interpretados de forma diferente, pois podem ser precursores de achados clínicos de alto risco. Nesses casos, os médicos devem ter um limiar mais baixo para suspender ou reduzir a dose de NE.

A medição rotineira do volume residual gástrico (VRG) tem pouca correlação com a EFI e não demonstrou reduzir a pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV). No entanto, a prática de medir o VRG e suspender a NE com base nesses valores ainda é comum.

Complicações da NE

Algumas complicações podem ocorrer em pacientes sob uso da nutrição enteral. A tabela abaixo resume as principais dificuldades advindas da NE, e estratégias para solucioná-las.

Dano potencial Estratégias 
Metabólico
Controle glicêmico inadequado • Incorporar a NE no protocolo de insulina. 

• Reduzir a oferta de carboidratos. 

• Considerar fórmulas específicas para diabetes, fórmulas com fibras ou ambas.

Síndrome de realimentação • Monitorar e repor potássio, fósforo e magnésio. 

• Suplementar tiamina (mín. 100 mg/dia por 7–10 dias). 

• Restringir ingestão calórica inicial a 500 kcal/dia e aumentar gradualmente.

Gastrointestinal
Isquemia intestinal • Iniciar NE com cautela ou atrasar, observando sinais de intolerância. 

• Considerar alimentação trófica ou suspender NE em choque não controlado.

Disfunção de motilidade (ex.: pseudo-obstrução colônica aguda) • Utilizar agentes procinéticos. 

• Reduzir, substituir ou suspender fármacos que diminuem a motilidade (ex.: opióides). 

• Usar fórmulas de fácil digestão e absorção.

Náuseas ou vômitos • Prescrever antieméticos em esquema regular. 

• Utilizar estratégias para promover motilidade. 

• Priorizar controle glicêmico. 

• Considerar acesso enteral pós-pilórico.

Diarreia • Reduzir ou suspender medicamentos que causam diarreia. 

• Identificar e tratar causas infecciosas, médicas ou cirúrgicas. 

• Excluir causas como insuficiência pancreática exócrina.

Constipação • Ajustar medicamentos que reduzem a motilidade gastrointestinal. 

• Ajustar laxantes e/ou o esquema de fibras.

Infeccioso
Pneumonia aspirativa • Elevar a cabeceira do leito a 30–45°. 

• Usar medicamentos procinéticos. 

• Considerar alimentação pós-pilórica.

Mecânico
Obstrução do tubo de alimentação • Lavar o tubo após administração de medicamentos e durante a alimentação. 

• Evitar checagem frequente de volume residual gástrico.

Deslocamento do tubo • Considerar uso de dispositivo para fixação nasal (ex.: bridle). 

• Avaliar necessidade de contenções físicas conforme política institucional.

Considerações finais

A nutrição enteral é uma intervenção terapêutica de alto impacto em adultos hospitalizados. Sua indicação adequada, aliada à escolha criteriosa da via de acesso, monitoramento contínuo e manejo de complicações, é essencial para otimizar os desfechos clínicos e funcionais dos pacientes.

Para saber mais, leia também:

 

Referências

Gramlich L, Guenter P. Enteral Nutrition in Hospitalized Adults. N Engl J Med. 2025 Apr 17;392(15):1518-1530. doi: 10.1056/NEJMra2406954. PMID: 40239069.

Patel JJ, Martindale RG, McClave SA. Contemporary Rationale for Delivering Enteral Nutrition in Critically Ill Adults. Crit Care Med. 2025 Jul 1;53(7):e1481-e1490. doi: 10.1097/CCM.0000000000006711. Epub 2025 May 21. PMID: 40396870.

DELEGGE, Mark H. Enteral access and associated complications. Gastroenterology Clinics, v. 47, n. 1, p. 23-37, 2018.

Guia de nutrição enteral ambulatorial e domiciliar [recurso eletrônico] / Lúcia Leite Lais e Sancha Helena de Lima Vale (organizadoras). – Natal: Edição do Autor, 2018.

Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEN). Diretriz BRASPEN de Enfermagem em Terapia Nutricional Oral, Enteral e Parenteral. BRASPEN Journal, v.36, n. 3, 2021.

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