O número de transtornos mentais, como a depressão e a ansiedade, já era considerado alarmante mesmo antes do início da pandemia de Covid-19. O relatório global da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou que em 2017, o número de pessoas deprimidas e/ou ansiosas ao redor do mundo havia crescido de forma exponencial, sendo o Brasil apontado como o quinto país com maior número de deprimidos (5,8% da população), e o primeiro país em número de ansiosos (OMS – Global Health Estimates, 2017).
Pesquisas nacionais e internacionais apontam que com o início da quarentena, o número de transtornos psiquiátricos aumentou ainda mais. Entre os norte-americanos adultos, foi observado aumento expressivo nos casos de depressão, sendo que o número passou de 8,5% antes da pandemia para 27,8% durante a pandemia. No Brasil, a situação não é diferente. Um estudo envolvendo a população adulta de 11 países (Brasil, Bulgária, China, Espanha, Estados Unidos, Índia, Irlanda do Norte, Macedônia, Malásia, Singapura e Turquia) observou na população brasileira os maiores índices de depressão e ansiedade durante o lockdown da Covid-19.
Apesar de a depressão e a ansiedade serem patologias conhecidas e muito estudadas, pela sua complexidade e íntima relação com nosso sistema nervoso central, as causas desses distúrbios mentais ainda não são completamente entendidas.
São muitos os fatores que podem influenciar nos distúrbios mentais, e estudos começam a confirmar a estreita relação da área da nutrição (incluindo fatores como o peso, resistência à insulina, ingestão alimentar e gasto energético) com a ansiedade e os distúrbios de humor.
Nutrição e humor
Em dois artigos do nosso grupo de pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM) publicados nas revistas Scientific Reports (2021) e Menopause (2019), constatamos que, além da obesidade total, outros fatores como a obesidade abdominal, o avanço da idade e a resistência à insulina influenciam de forma expressiva os distúrbios de humor. Nesse contexto, dois hormônios, a leptina e a grelina, se mostraram fortes preditores de ansiedade e depressão, respectivamente.
Ou seja, observamos que quanto maiores os índices de leptina, maiores os sintomas de ansiedade, e quanto maiores os níveis de grelina acilada (antes chamada de grelina ativa), maiores os sintomas de depressão em mulheres na pós-menopausa.
A leptina é um hormônio que tem como principal função a redução do apetite e o estímulo do gasto energético. Já a grelina apresenta funções antagônicas à leptina, no que se diz respeito à homeostase energética, sendo que uma de suas principais funções é o estímulo do apetite.
Pesquisadores já haviam localizado receptores de grelina e leptina em regiões do cérebro responsáveis pela regulação do humor, e esses achados do nosso grupo da Unifesp abrem caminho para uma nova linha de pesquisa.
Contudo, apesar de constatar essa relação dos hormônios da fome e saciedade com a depressão e a ansiedade, ainda não é possível concluir se esses efeitos são positivos ou negativos para o humor.
Essa associação pode refletir tanto uma resposta fisiológica do corpo tentando lutar contra a depressão e ansiedade (neste caso, os hormônios estariam atuando como antidepressivos ou ansiolíticos), quanto podem ser um fator causal dessas patologias.
Estudos experimentais levam a crer que esses hormônios auxiliam na melhora dos distúrbios de humor, contudo, mais pesquisas em humanos são necessárias para se chegar a uma conclusão final.
Inúmeras pesquisas apontam que a alimentação também influencia diretamente em nosso humor. Dessa forma, diante de inúmeras evidências, está cada vez mais clara a intensa relação entre a nutrição e os distúrbios psicológicos. Assim, o controle do peso, da ingestão calórica e a preferência por alimentos saudáveis e in natura devem fazer parte de nossa rotina para melhorar, dentre vários fatores, o humor.
Atenção à pós-menopausa
Para chegar à conclusão entre a relação dos hormônios do apetite com os distúrbios de humor, estudamos mulheres na pós-menopausa. O enfoque foi nessa população devido à alta incidência do binômio obesidade/depressão em mulheres no climatério.
Apesar de fazer parte de um ciclo vital feminino, a pós-menopausa torna-se singular diante da especificidade dos sintomas vivenciados e suas consequências físicas, psíquicas e sociais.
É certo que quadros de ansiedade e depressão se manifestam com maior frequência em mulheres nessa fase. Parte dos transtornos de humor da pós-menopausa estão relacionados com a redução nos níveis de estrógeno, já que esse hormônio apresenta inúmeras ações nas funções neurais. Além da influência hormonal, os sintomas menopausais não tratados (como fogachos, insônia, ganho de peso) e o envelhecimento também são considerados fatores de risco importantes.
Outros resultados observados por nossos estudos incluem o fato de mulheres na pós-menopausa apresentarem maior prevalência de obesidade total e obesidade abdominal, quando comparadas a mulheres na pré-menopausa.
Com o aumento da expectativa de vida nas últimas décadas, é esperado que as mulheres vivam um terço ou mais de suas vidas no período da pós-menopausa, o que torna imperativo a investigação e tratamento dos sintomas climatéricos, como a depressão, a ansiedade e a obesidade. Assim, é de suma importância monitorar o ganho de peso e alterações de humor em mulheres na pós-menopausa, para um diagnóstico e tratamento precoces, preservando a qualidade e expectativa de vida.
*Maria Fernanda Naufel é nutricionista graduada pela PUC-Campinas. É doutora e pós-doutoranda em nutrição, mestre em pediatria e especialista em nutrição e alimentação infantil pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM). Professora do curso “Coaching de Mindfulness e Mindful Eating-SP”, nutricionista no Centro de Especialistas do Sono. Hoje é pesquisadora pela Fisiologia da Nutrição da Unifesp, revisora de artigos científicos e membro do corpo editorial da revista científica internacional Nutrition, Dietetics & Nutraceuticals.
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