Estudos indicam que a paralisia cerebral (PC) ocorre entre 1,5 a 2,5 a cada 1.000 nascidos vivos. Ao total, estima-se que 17 milhões de pessoas ao redor do mundo vivam com essa condição.
Por conta de diversos fatores, crianças e adolescentes com paralisia cerebral podem enfrentar graves comprometimentos do estado nutricional. Mas afinal, como realizar a avaliação nutricional nestes pacientes? Continue lendo para descobrir.
O que é paralisia cerebral (PC)?
Ao longo dos anos, as definições de paralisia cerebral evoluíram. Atualmente, a PC é caracterizada como um distúrbio do desenvolvimento neurológico, que afeta o tônus muscular, o movimento e as habilidades motoras de um indivíduo.
As características clínicas da paralisia cerebral abrangem uma ampla gama de anormalidades, mas os distúrbios de movimento são os mais predominantes. Tais distúrbios podem resultar em problemas secundários, incluindo dor ou luxação do quadril, problemas de equilíbrio, disfunção da mão e deformidade em equino.
Além disso, pacientes com paralisia cerebral frequentemente apresentam problemas não relacionados ao movimento, como dor, deficiência intelectual, incapacidade de andar, deslocamento do quadril, incapacidade de falar, epilepsia, incontinência, distúrbios comportamentais gastrointestinais ou do sono.
Os fatores de risco da PC incluem:
- Parto prematuro
- Infecção perinatal
- Restrição de crescimento intrauterino
- Uso de antibióticos prematuros antes da ruptura de membranas
- Acidose
- Asfixia
- Gestação múltipla
Apesar da identificação dos fatores de risco, 80% dos casos não têm causa clara, e são considerados idiopáticos.
Diagnóstico da paralisia cerebral
O diagnóstico de paralisia cerebral é clínico, com base na identificação das características definidoras. Nesse sentido, o paciente pode ser classificado com base na natureza do distúrbio do movimento:
-
- Espasticidade: músculos rígidos
- Discinesia: movimentos incontroláveis
- Ataxia: má coordenação
- Outros/misto
Se os estudos de imagem perinatal, como pesquisas de anatomia fetal ou ultrassonografia transcraniana de recém-nascidos, não mostrarem uma causa para os achados clínicos, a neuroimagem pode ser obtida. A ressonância magnética é a modalidade de imagem mais recomendada.
Paralisia cerebral: como realizar a avaliação nutricional?
A principal metodologia para avaliar o estado nutricional de crianças e adolescentes com paralisia cerebral é através das curvas elaboradas por Brooks (2011), que levam em consideração o nível de atividade motora presente, segundo os critérios do Gross Motor Function Classification System (GMFCS).
O GMFCS é uma ferramenta baseada na idade, que avalia a função motora bruta em diferentes domínios, incluindo mobilidade, postura e equilíbrio. A partir daí, o GMCS classifica a gravidade de cada um desses domínios em cinco níveis. Veja abaixo.
Estágio do GMFCS | Habilidades motoras do indivíduo |
I | Anda sem limitações |
II | Anda com limitações |
III | Anda usando um andador |
IV | Auto-mobilidade com limitações, pode utilizar a mobilidade motorizada |
V | Transportado em cadeira de rodas manual |
A partir da identificação do estágio de GMFCS do paciente, é possível identificar os percentis de Peso para Idade, Estatura para Idade e IMC para Idade.
A interpretação destes percentis deverá seguir a classificação do quadro abaixo.
Índice | Resultado | Interpretação |
Peso para Idade, Estatura para Idade e IMC para Idade | < P10 | Déficit nutricional |
≥ P10 e ≤ P50 | Eutrofia | |
> P50 e ≤ P90 | Risco de sobrepeso | |
> P90 | Sobrepeso |
Como é o estado nutricional de crianças e adolescentes com paralisia cerebral?
Portadores de paralisia cerebral enfrentam alguns desafios que prejudicam seu estado nutricional. Tais desafios incluem as limitações motoras orais, causando o comprometimento da autoalimentação e a obtenção inadequada de calorias e nutrientes.
Além disso, transtornos do trato gastrointestinal são achados frequentes neste grupo, e incluem contraturas articulares temporomandibulares, disfagia com risco para aspiração e infecção pulmonar, doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e obstipação. Novamente, tais condições agravam o estado nutricional e prejudicam o crescimento.
Em uma recente revisão sistemática da literatura, os autores encontraram uma prevalência global de desnutrição de 40% em crianças com paralisia cerebral, usando o índice antropométrico peso-idade.
Ademais, identificou-se a ocorrência de deficiências nutricionais, como hipocalcemia e redução nas concentrações séricas de zinco, cobre e vitamina D. Outras pesquisas também apontam para deficiências de vitaminas A, E, B6 e ácido fólico. Em contraste, excessos também podem estar presentes, tal como a hipervitaminose A.
Tratamento nutricional na paralisia cerebral
O tratamento de pacientes com paralisia cerebral varia dependendo dos sintomas específicos. Envolver uma equipe multidisciplinar para abordar os vários aspectos do tratamento é muito importante para adaptar o plano de tratamento às necessidades individuais de cada paciente.
No campo da nutrição, uma recente revisão sistemática com 658 pacientes de PC mostrou que a suplementação nutricional hipercalórica e hiperproteica pode levar ao ganho de peso e melhora do estado nutricional deste grupo.
Além disso, a modificação da textura dos alimentos, transformando-os em purês e/ou alimentos semissólidos, é essencial para melhorar o estado nutricional dessa população, adaptando seu consumo oral.
Contudo, quando as necessidades nutricionais não são atendidas pela dieta oral, especialmente no comprometimento das funções motoras orais, indica-se o uso de terapia nutricional enteral.
Conclusão
Considerando o impacto significativo que a paralisia cerebral pode ter no estado nutricional de crianças e adolescentes, é essencial realizar uma avaliação nutricional precisa e adequada para essa população. A utilização de ferramentas específicas permite uma avaliação detalhada e individualizada, fundamental para a elaboração de estratégias nutricionais eficazes.
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Referências:
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