Tanto a pancreatite aguda quanto a crônica são doenças frequentes do pâncreas que, apesar de sua natureza benigna, estão associadas a um risco significativo de desnutrição, e podem requerer suporte da terapia nutricional. Mas afinal, quais devem ser os cuidados nutricionais em pancreatites?
Para responder essa pergunta, a Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN) publicou uma recente diretriz com 42 recomendações e 6 declarações acerca do suporte nutricional em doenças pancreáticas.
A seguir, confira os principais pontos abordados neste novo material.
Recomendações para pancreatite aguda
A pancreatite aguda (PA) é a doença gastrointestinal aguda mais comum que requer internação hospitalar, sendo o desfecho favorável na maioria dos casos (80%).
No entanto, a pancreatite necrosante aguda (PNA) pode se desenvolver em até 20% dos pacientes e está associada a taxas significativas de falência orgânica precoce, necessidade de intervenção e mortalidade.
Segundo os especialistas, pacientes com pancreatite aguda devem ser considerados em risco nutricional moderado a alto, devido à natureza catabólica da doença e ao impacto do estado nutricional no desenvolvimento da doença.
Pancreatite aguda leve a moderada
Todos os pacientes com previsão de pancreatite aguda leve a moderada devem ser triados usando métodos validados, como a NRS-2002. No entanto, pacientes com previsão de pancreatite aguda grave devem sempre ser considerados em risco nutricional.
A alimentação oral deve ser oferecida assim que clinicamente tolerada, independentemente das concentrações séricas de lipase em pacientes com previsão de pancreatite aguda leve. Nesse sentido, deve-se optar por uma dieta macia e pobre em gordura.
Em pacientes com pancreatite aguda e incapacidade de se alimentar por via oral, a nutrição enteral deve ser preferida à nutrição parenteral. Assim, ela deve ser iniciada precocemente, dentro de 24 a 72 horas após a admissão.
Uma dieta polimérica padrão, administrada por sonda nasogástrica, é a recomendação. Para casos de intolerância digestiva, como dor e vômitos, indica-se a sonda nasojejunal.
Pancreatite aguda grave
Na pancreatite aguda grave, a nutrição parenteral deve ser administrada em pacientes que não toleram a nutrição enteral, ou se houver contraindicações. Nestes casos, a glutamina parenteral deve ser suplementada a 0,20 g/kg por dia de L-glutamina. Caso contrário, não há papel para imunonutrição na pancreatite aguda grave.
Os especialistas deixam claro que não recomendam determinadas substâncias, como probióticos e enzimas pancreáticas (exceto em pacientes com insuficiência pancreática exócrina evidente).
Pancreatite crônica
A pancreatite crônica (PC) é uma doença em que episódios inflamatórios recorrentes levam à substituição do parênquima pancreático por tecido conjuntivo fibroso. A principal consequência da PC é a perda de função exócrina e endócrina do tecido pancreático, resultando em insuficiências exócrina e endócrina.
O risco de desnutrição em pancreatite crônica é alto, sendo as principais causas: insuficiência pancreática, dor abdominal, abuso de álcool, menor ingestão alimentar, diabetes mellitus e tabagismo.
Na PC, o estado nutricional deve ser avaliado de acordo com os sintomas, funções orgânicas, antropometria e valores bioquímicos. Apenas o índice de massa corporal não é indicado.
Além disso, os pacientes devem ser submetidos à triagem de deficiências de micro e macronutrientes pelo menos a cada 12 meses, podendo ser necessária maior frequência em caso de doença grave ou má absorção descontrolada.
Terapia de reposição enzimática
Quando a insuficiência pancreática exócrina é diagnosticada por sinais e sintomas clínicos e/ou testes laboratoriais de má absorção, a terapia de reposição enzimática pancreática deve ser iniciada. Uma avaliação nutricional precisa é obrigatória para detectar sinais de má absorção.
As enzimas pancreáticas orais devem ser distribuídas junto com as refeições e lanches. Na prática, uma dose mínima de lipase de 20.000 a 50.000 PhU (com base na preparação) deve ser tomada com as principais refeições, e metade dessa dose com lanches.
A eficácia da terapia de reposição enzimática pancreática deve ser avaliada pelo alívio dos sintomas gastrointestinais e pela melhora dos parâmetros nutricionais (antropométricos e bioquímicos).
Cuidado nutricional na pancreatite crônica
Pacientes com pancreatite crônica não precisam seguir uma dieta restritiva, mas devem evitar um consumo muito alto de fibras. Ao contrário da pancreatite aguda, não há necessidade de restringir gordura, a menos que os sintomas de esteatorreia não possam ser controlados.
Micronutrientes devem ser monitorados, e administrados em caso de concentrações baixas ou se ocorrerem sinais clínicos de deficiência. São esses:
- Vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K)
- Vitaminas hidrossolúveis (vitamina B12, ácido fólico, tiamina)
- Minerais como magnésio, ferro, selênio e zinco
Vale ressaltar que pacientes com PC têm risco para osteoporose e osteopatia. Assim, medidas preventivas básicas devem ser recomendadas a todos os pacientes com pancreatite crônica, incluindo ingestão adequada de cálcio e vitamina D.
Se a nutrição oral for insuficiente para atingir as metas de calorias e proteínas, recomenda-se os suplementos nutricionais orais. Além disso, os SNO com triglicerídeos de cadeia média podem ser indicados se a suplementação enzimática e a exclusão de supercrescimento bacteriano não resultarem no alívio da má absorção.
Terapia nutricional na pancreatite crônica
A nutrição enteral deve ser administrada em pacientes com desnutrição que não respondem ao suporte nutricional oral. Nesse sentido, fórmulas semi-elementares com triglicerídeos de cadeia média podem ser usadas se as fórmulas padrão não forem toleradas.
Em relação à via, a via nasojejunal é indicada para pacientes com dor, esvaziamento gástrico retardado, náusea ou vômito persistente, e síndrome da saída gástrica. Além disso, o acesso a jejunostomia a longo prazo pode ser utilizado em pacientes que necessitem de nutrição enteral por mais de 30 dias.
A nutrição parenteral pode ser indicada em pacientes com obstrução da saída gástrica e naqueles com doença fistulante complexa, ou em caso de intolerância à nutrição enteral. A via preferencial é o acesso venoso central.
Demais recomendações
Na diretriz completa, os autores esmiuciam cada uma das recomendações, e abordam outros tópicos como diagnóstico de doenças ósseas e recomendações para pancreatite aguda com necrosectomia.
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Referência:
Arvanitakis, M., Ockenga, J., Bezmarevic, M., Gianotti, L., Krznarić, Ž., Lobo, D. N., … & Bischoff, S. C. (2024). ESPEN practical guideline on clinical nutrition in acute and chronic pancreatitis. Clinical Nutrition, 43(2), 395-412.