Diretriz ESPEN sobre cuidado nutricional em fibrose cística

Postado em 2 de outubro de 2024

Conheça algumas das recomendações das sociedades de saúde quanto ao manejo nutricional da fibrose cística.

A fibrose cística (FC) é uma doença genética grave, que resulta de mutações no gene CFTR, afetando o transporte de íons de sódio e cloreto e levando a secreções de muco espesso. Por sua vez, esse muco prejudica o funcionamento de órgãos como pulmões, pâncreas, fígado, vesícula biliar e intestinos. 

Em 2021, foi publicada a diretriz atualizada de cuidado nutricional em fibrose cística pela ESPEN (Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo), ESPGHAN (Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica) e ECFS (Sociedade Europeia de Fibrose Cística).

cuidado nutricional em fibrose

Fonte: Canva

Desde então, novos conhecimentos sobre o papel da nutrição na FC foram desvendados, e reunidos nas diretrizes recém lançadas pelo grupo de especialistas ESPEN/ESPGHAN/ECFS. A seguir, confira os pontos chaves deste material.

Avaliação e monitoramento nutricional na fibrose cística

Segundo os especialistas, a avaliação e o monitoramento do estado nutricional em pessoas com fibrose cística devem ser frequentes, incluindo (no mínimo):

  • Lactentes: escores-z para peso-por-idade, comprimento-por-idade e peso-por-comprimento, assim como circunferência craniana-por-idade a cada uma ou duas semanas, até que seja comprovado um estado nutricional adequado. Após isso, mensalmente durante o primeiro ano de vida.
  • Crianças > 1 e ≤ 2 anos: escores-z para peso-por-idade, comprimento-por-idade e peso-por-comprimento, além de circunferência craniana-por-idade a cada dois a três meses.
  • Crianças > 2 anos: escores-z para peso-por-idade, altura-por-idade e IMC-por-idade pelo menos a cada três meses.
  • Adultos: IMC pelo menos uma vez a cada três a seis meses.

Além disso, orienta-se uma avaliação longitudinal da composição corporal para obter estimativas de massa gorda (MG) e massa magra (MM). Isso porque a associação entre esses parâmetros e os resultados respiratórios na FC é mais forte do que para o IMC sozinho.

A escolha do método de avaliação da composição corporal depende da disponibilidade, recursos, fatores técnicos e fatores clínicos, mas as avaliações por por DXA e bioimpedância elétrica são consideradas.

Nutrição infantil na fibrose cística

Os profissionais recomendam que lactentes com fibrose cística sejam exclusivamente amamentados até a introdução adequada de alimentos complementares, na mesma idade recomendada para a população geral. Após essa introdução, eles devem continuar com a amamentação até os dois anos de idade.

Para recuperar o escore-z de peso ao nascer e atingir o crescimento normal para a idade, pode-se utilizar a complementação do leite materno ou suplementação com fórmula, durante o primeiro ano de vida.

Uma condição comum em pacientes com fibrose cística na infância é o íleo meconial (IM), quando o intestino fica bloqueado por mecônio, uma substância espessa e pegajosa que compõe as primeiras fezes do bebê. Pacientes com IM devem ser considerados de alto risco nutricional, com acompanhamento de uma equipe multidisciplinar de FC mais ampla. 

Cerca de 70% dos pacientes irão precisar de intervenção cirúrgica. Nesses casos, devem contar com o apoio da nutrição parenteral (NP) para promover o crescimento. A escolha da formulação deve favorecer um perfil lipídico anti-inflamatório, incluindo triglicerídeos de cadeia média (MCT) e óleo de peixe.

Após a resolução do IM, recomenda-se iniciar a nutrição enteral (NE) conforme tolerado. A escolha da alimentação para MI varia (incluindo leite materno, fórmula padrão ou fórmula especializada, como aminoácidos, hidrolisado proteico e TCM), de acordo com a prática clínica. 

Independentemente da escolha da alimentação, e mesmo na presença de enterostomias, uma dose adequada de enzimas pancreáticas deve ser fornecida.

Suplementação em fibrose cística

Os profissionais de saúde podem considerar o uso de suplementos nutricionais orais (SNO) para crianças e adultos que não conseguem atingir taxas de crescimento e estado nutricional ideais apenas com a ingestão alimentar oral e a terapia de reposição de enzimas pancreáticas. 

Entretanto, se a otimização da alimentação oral não for suficiente para manter o estado nutricional, a nutrição enteral pode ser considerada para aumentar a ingestão de nutrientes. Já quando a NE não for possível ou falhar, é o caso de indicação da nutrição parenteral.

Alguns micronutrientes merecem atenção na fibrose cística:

Vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K): para indivíduos com FC e insuficiência pancreática exócrina, as vitaminas lipossolúveis podem ser avaliadas anualmente usando níveis plasmáticos.

Especificamente para a vitamina D, os níveis-alvo de 25(OH) devem ser de 30 a 50 ng/mL, não excedendo 100 ng/mL. Caso haja necessidade, os suplementos vitamínicos devem ser tomados juntamente com alimentos ricos em gordura e suplementos de enzimas pancreáticas para melhorar a absorção. 

→ Cálcio: avaliar a ingestão pelo menos uma vez por ano. Em caso de ingestão inadequada, orienta-se priorizar alimentos ricos em cálcio ou aderir à suplementação.

Zinco: deve-se considerar a suplementação em caso de deficiência ou risco de insuficiência de zinco (crescimento subótimo, baixa ingestão alimentar, suscetibilidade aumentada a infecções, maturação sexual atrasada e acrodermatite).

Ferro: indica-se a monitoramento anual de ferro, ou com maior frequência na suspeita de deficiência. Caso haja deficiência, deve haver uma diferenciação entre anemia por deficiência de ferro e anemia da inflamação crônica para orientar o melhor tratamento.

Sódio: a necessidade de suplementação de sal/sódio pode ser avaliada medindo a fração de excreção de sódio (FENa) e mantendo um nível de FENa entre 0,5% e 1,5%. Para a prática rotineira, a razão sódio na urina é mais fácil de medir e correlaciona-se com a FENa.

Por fim, não há dados ou evidência suficientes para indicar a suplementação de selênio, glutationa, ácidos graxos essenciais, probióticos e simbióticos. 

Demais recomendações

Além das orientações expostas até aqui, os especialistas também realizaram recomendações e declarações acerca de outros tópicos:

  • Terapia de reposição enzimática pancreática
  • Nutrição e função pulmonar
  • Diabetes relacionada à fibrose cística
  • Doença hepática associada à FC
  • Entre outros

Para acessar a diretriz completa, clique aqui.

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Referência:

Wilschanski M, Munck A, Carrion E, Cipolli M, Collins S, Colombo C, Declercq D, Hatziagorou E, Hulst J, Kalnins D, Katsagoni CN, Mainz JG, Ribes-Koninckx C, Smith C, Smith T, Van Biervliet S, Chourdakis M. ESPEN-ESPGHAN-ECFS guideline on nutrition care for cystic fibrosis. Clin Nutr. 2024 Feb;43(2):413-445. doi: 10.1016/j.clnu.2023.12.017. Epub 2023 Dec 27. PMID: 38169175.

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