Em 2019, 25% de todas as mortes mundiais foram devido a infecções. Nesse sentido, pacientes hospitalizados por doenças infecciosas frequentemente apresentam perturbações intestinais, com menor abundância de anaeróbios intestinais e maiores quantidades de bactérias patogênicas.
Atualmente, não está claro se essas alterações são uma causa ou consequência da doença. Por outro lado, sabe-se que os efeitos benéficos da microbiota são frequentemente atribuídos aos metabólitos das bactérias anaeróbicas, como o butirato. Assim, uma depleção nestas bactérias poderia aumentar o risco de infecções, e o contrário também seria verdadeiro.
Para testar essa hipótese, uma nova pesquisa buscou descrever a associação entre a abundância de bactérias produtoras de butirato e o risco de admissão hospitalar por doenças infecciosas. A seguir, confira os detalhes deste estudo inovador.
Metodologia: mais de 10 mil participantes
Neste recente estudo observacional de microbioma, a microbiota intestinal foi caracterizada usando sequenciamento do gene 16S rRNA em coortes populacionais independentes da Holanda e Finlândia.
Em ambas as coortes, os participantes preencheram questionários, foram submetidos a um exame físico e forneceram uma amostra fecal na inclusão.
A microbiota intestinal de 10.699 participantes, 4.248 (39,7%) da Holanda e 6.451 (60,3%) da Finlândia, foram caracterizadas.
As variáveis preditoras primárias foram:
- Composição da microbiota
- Diversidade e abundância relativa de bactérias produtoras de butirato
O desfecho primário foi hospitalização ou mortalidade devido a qualquer doença infecciosa durante o acompanhamento de 5 a 7 anos após a coleta da amostra fecal.
Quanto mais bactérias produtoras de butirato, menos infecções
Em relação à composição microbiana, a microbiota intestinal consistia predominantemente de Firmicutes (abundância relativa média de 65,9% e 62,2%) e Bacteroidetes (abundância relativa média de 24,1% e 27,6%).
Dos 10.699 participantes, 602 (5,6%) foram hospitalizados ou morreram devido a infecções durante o acompanhamento. Infecções do trato respiratório inferior foram o motivo mais comum para hospitalizações relacionadas à infecção em ambas as coortes.
A composição da microbiota intestinal desses participantes diferiu daqueles sem hospitalização por infecções. Participantes hospitalizados por infecções tinham maiores abundâncias de Veillonella e Streptococcus, enquanto aqueles sem hospitalização apresentaram maiores níveis de bactérias anaeróbicas obrigatórias, como Butyrivibrio, produtoras de butirato.
Assim, a maior abundância relativa de bactérias produtoras de butirato foi associada a um risco reduzido de hospitalização por infecções, com um aumento de 10% na abundância dessas bactérias reduzindo em 25% o risco de hospitalização.
É digno de nota que a Veillonella é um gênero que inclui patógenos oportunistas associados a um risco aumentado de desenvolver sintomas graves durante infecções por SARS-CoV-2, e está enriquecido em pacientes hospitalizados com COVID-19.
Essas associações permaneceram inalteradas após o ajuste para dados demográficos, estilo de vida, exposição a antibióticos e comorbidades. No entanto, em participantes com obesidade, a associação entre bactérias produtoras de butirato e o risco de hospitalização por infecção foi menos evidente.
Por que a produção de butirato pode prevenir infecções?
Estudos pré-clínicos demonstram que o butirato desempenha um papel crucial na proteção contra infecções e na prevenção de doenças associadas ao sistema imunológico.
Isso ocorre pois esse metabólito promove a produção de peptídeos antimicrobianos e aumenta a resistência à colonização de patógenos.
Além disso, o butirato reduz o recrutamento excessivo de neutrófilos para as vias aéreas durante infecções, como a gripe, prevenindo danos teciduais.
Esses efeitos do butirato na imunidade sistêmica e mucosa foram amplamente observados em experimentos com animais. Além disso, em outras pesquisas, a redução de bactérias produtoras de butirato foi associada a um maior risco de infecção após acidente vascular cerebral, transplante renal e transplante de células-tronco hematopoiéticas.
Da mesma forma, durante a pandemia de COVID-19, indivíduos com uma microbiota rica em bactérias produtoras de butirato apresentaram sintomas menos graves.
Estudos recentes também indicam que o uso precoce de antibióticos que afetam bactérias anaeróbicas, incluindo as produtoras de butirato, pode reduzir a sobrevida e aumentar a vulnerabilidade a infecções, especialmente em pacientes graves.
A depleção da microbiota anaeróbica por esses antibióticos favorece a expansão de Enterobacteriaceae, um grupo de bactérias associado a piores desfechos clínicos, incluindo mortalidade.
O que podemos concluir?
Em conclusão, a colonização com bactérias anaeróbicas produtoras de butirato se associa a um risco reduzido de hospitalização por doenças infecciosas.
Essas descobertas reforçam a importância das bactérias produtoras de butirato na manutenção da saúde imunológica e na prevenção de infecções hospitalares. O uso de antibióticos antianaeróbicos, especialmente em pacientes de alto risco, deve ser revisado para preservar a integridade da microbiota protetora.
Por fim, a pesquisa abre portas para estudos que avaliem terapias direcionadas à microbiota intestinal (como administração direcionada de bactérias produtoras de butirato ou limitação da depleção de anaeróbios intestinais), visando diminuir a suscetibilidade a infecções no ambiente hospitalar.
Para ler a pesquisa completa, clique aqui.
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Referência:
Kullberg, R. F., Wikki, I., Haak, B. W., Kauko, A., Galenkamp, H., Peters-Sengers, H., … & Wiersinga, W. J. (2024). Association between butyrate-producing gut bacteria and the risk of infectious disease hospitalisation: results from two observational, population-based microbiome studies. The Lancet Microbe.
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