O transplante renal é uma opção viável para restaurar a qualidade de vida de pacientes renais em estágios avançados. Neste procedimento, um rim saudável de um doador vivo ou falecido é transplantado para o paciente, que, com ajuda de medicamentos imunossupressores, evita a rejeição do órgão.
Além da terapia farmacológica, outros cuidados específicos garantem o sucesso do transplante. Nesse sentido, a nutrição exerce um papel fundamental. A seguir, confira quais devem ser os objetivos da conduta nutricional no transplante renal, desde o pré até o pós operatório.
Nutrição no pré-transplante renal
O objetivo no pré-transplante renal é preparar o paciente para a cirurgia, otimizando seu estado nutricional e saúde geral. Para isso, a avaliação do estado nutricional é um componente importante, embora frequentemente subestimado.
Os pacientes desnutridos contam com um maior risco de complicações perioperatórias, incluindo ruptura da ferida, infecção e mortalidade precoce. Assim, adequar o aporte energético e proteico é uma prioridade, e o uso de suplementos para reposição de peso pode ser uma opção.
Já os pacientes com obesidade devem passar por um programa nutricional visando a perda de peso.
Por fim, antes do transplante, é importante rastrear a corrigir as deficiências nutricionais presentes, além de controlar condições médicas pré-existentes, como diabetes e hipertensão.
Conduta nutricional no transplante renal durante a cirurgia
Ao longo da cirurgia de transplante renal, o objetivo nutricional é garantir uma hidratação adequada e manter os níveis de eletrólitos dentro de limites normais (como potássio, sódio e cálcio), considerando as alterações na perfusão renal e na excreção urinária durante o procedimento.
Nesse contexto, a administração de soluções intravenosas pode ser empregada, com composição ajustada conforme a monitorização da estabilidade metabólica ao longo da cirurgia. Isso irá apoiar a recuperação e prevenir complicações posteriores.
Pós-transplante renal precoce: quais as recomendações nutricionais?
Cerca de 1 a 2 meses após o transplante renal, temos o período de pós-transplante renal precoce ou agudo. Nessa fase, a conduta nutricional orienta-se em torno da recuperação pós-cirúrgica.
Aqui, a equipe de saúde pode introduzir a nutrição oral de 2 a 3 dias após o procedimento. Caso náuseas e vômitos persistam por mais de 5 dias, a nutrição enteral ou parenteral são estratégias consideráveis.
Nos primeiros meses, o hipercatabolismo proteico resulta em atraso na cicatrização de feridas, perda da massa muscular e comprometimento da imunidade. Sendo assim, para evitar o balanço negativo de nitrogênio, tem-se como metas:
- Proteína: 1.2 a 2.0 g/kg/peso ideal;
- Energia: 30 a 35 kcal/kg/dia;
- Carboidratos: 50 a 70% das calorias.
Por diversos motivos, podem-se haver desequilíbrios nos níveis de certos eletrólitos. A tabela abaixo conta com alguns destes desequilíbrios, sua etiologia, manifestações e estratégia terapêutica.
Desequilíbrio | Etiologia | Manifestações | Conduta nutricional |
---|---|---|---|
Hipomagnesemia | Absorção tubular reduzida | Confusão, fraqueza muscular, tremor, disfagia, tetania e convulsões | Dieta rica em magnésio
Suplementação oral |
Hipocalemia | Maior clearance | Miopatia | Dieta rica em potássio |
Hipercalemia | Função de enxerto retardada
Efeito colateral de medicamentos |
Alterações no ECG
Arritmias cardíacas |
Redução da ingestão de potássio em 3 g/dia |
Hipofosfatemia | Absorção tubular reduzida
Alto PTH Diarréia Má ingestão oral |
Fraqueza | Dieta rica em fosfato
Suplementação oral |
A disglicemia também é um problema comum nas primeiras semanas pós-transplante, com comprometimento da produção de insulina. Desse modo, além da administração de insulina e do monitoramento da glicemia, recomenda-se o favorecimento de carboidratos complexos, com baixo índice glicêmico, ao invés de açúcares simples.
Por fim, o desconforto gastrointestinal é frequente no período agudo. Quando presente, deve-se excluir os produtos à base de leite e ricos em fibras, priorizando uma dieta de fácil digestão.
Conduta nutricional no transplante renal a longo prazo
No pós-transplante renal tardio, ou “fase de manutenção”, o objetivo da conduta nutricional irá depender da demanda de cada paciente, mas se espera garantir o sucesso da cirurgia a longo prazo.
De modo geral, pacientes com função do enxerto boa e estável devem seguir as mesmas recomendações básicas da população em geral.
Aqui, as metas nutricionais são diferentes do pós-transplante precoce. São elas:
- Proteína: 0.6 a 0.8 g/kg/d; ou 0.8 a 0.9 g/kg/d em pacientes diabéticos;
- Energia: 25 a 35 kcal/kg/dia;
- Carboidratos: 45 a 50% das calorias.
Além disso, outras condições específicas podem se desenvolver. Confira-as a seguir.
Obesidade
O ganho de peso é comum após o transplante, com estudos relatando um ganho médio de 10 a 20% no primeiro ano. A melhor forma de gerir a obesidade no pós-transplante ainda não está elucidada, mas acredita-se que estratégias para a população geral sejam eficazes.
Diabetes
Cerca de 10 a 45% dos pacientes transplantados podem desenvolver diabetes mellitus pós-transplante (DMPT). Nesses casos, orienta-se:
- Preferência por carboidratos complexas
- Ingestão diária de fibras (25 a 35 g/dia)
- Baixa ingestão de sal
- Adesão à dieta mediterrânea
Dislipidemias e hipertensão arterial
As dislipidemias e a hipertensão arterial são problemas prevalentes no pós-transplante renal. Por isso, estratégias que visem diminuir o risco cardiovascular são bem-vindas, e incluem:
- Dieta com baixo teor de gordura (30 a 35%), principalmente saturada e trans
- Limitar consumo colesterol, bebidas alcóolicas e sódio (2 a 3 g/dia)
- Adesão à dieta mediterrânea
- Consumo de fitoesteróis
Conclusão
Em cada uma de suas fases, a conduta nutricional no transplante renal possui diferentes objetivos, mas todos eles se juntam por um bem comum: o bem-estar e a qualidade de vida dos pacientes.
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Referências:
Cook, M. (2023). What to know about kidney transplant nutrition. Journal of Renal Nutrition, 33(1), e1-e4.
Górska, M., & Kurnatowska, I. (2022). Nutrition Disturbances and Metabolic Complications in Kidney Transplant Recipients: Etiology, Methods of Assessment and Prevention—A Review. Nutrients, 14(23), 4996.
Kidney Transplant Diet. National Kidney Foundation.
Stoler, S. T., Chan, M., & Chadban, S. J. (2023). Nutrition in the management of kidney transplant recipients. Journal of Renal Nutrition, 33(6), S67-S72.
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