Ovos, leite, amendoim… muitas vezes, alimentos comuns na dieta da maioria das pessoas são verdadeiros gatilhos para aqueles que enfrentam alergias alimentares. Nestes pacientes, o simples ato de comer se transforma em um campo minado de incertezas, que podem desencadear reações até mesmo fatais.
Por trás dessas reações, existem mecanismos imunológicos multifacetados. Nesse sentido, compreender estes mecanismos é fundamental para promover a prevenção e o manejo das alergias alimentares.
A seguir, você irá entender o que são as alergias alimentares, seus principais tipos e os mecanismos por trás destas condições.
O que são as alergias alimentares?
A alergia alimentar é uma resposta imunológica adversa a substâncias presentes em determinados alimentos, tais como:
- Leite de vaca
- Ovo
- Amendoim
- Soja
- Trigo
- Peixe e frutos do mar
- Nozes
Essa condição é mais comum em crianças, presente em cerca de 6% da população menor de 3 anos. Menos de 10% dos casos persistem até a vida adulta. Entretanto, estima-se que 3.5% dos adultos também sejam afetados.
Quais são os principais fatores de risco para alergia alimentar?
Além do fator genético, uma série de outros fatores podem aumentar as chances de um indivíduo possuir uma alergia alimentar. São eles:
- Ser lactente do sexo masculino
- Etnia asiática e africana
- Desmame precoce
- Insuficiência de vitamina D
- Redução do consumo dietético de ômega- 3 e antioxidantes
- Uso de antiácidos
- Obesidade
- Época e via de exposição aos potenciais alérgenos alimentares
Quais são os mecanismos imunológicos de alergia alimentar?
Todas as alergias alimentares envolvem um mecanismo imunológico. Porém, eles diferem entre si de acordo com a classificação da alergia alimentar. Veja a seguir.
1) Alergias mediadas por IgE
As imunoglobulinas “IgE” são uma classe de anticorpos produzidos pelo sistema imunológico em resposta a substâncias estranhas.
Nas alergias mediadas por IgE, o contato inicial com o alimento promove a produção excessiva destes anticorpos, sem sintomas clínicos evidentes. Em seguida, as IgE produzidas se fixam a receptores de mastócitos e basófilos (células do sistema imunológico encontradas em tecidos como a pele, pulmões e trato gastrointestinal).
Com uma nova exposição ao mesmo alimento, a ligação do alérgeno alimentar aos anticorpos IgE fixados em mastócitos e basófilos irá desencadear a liberação de mediadores químicos (histamina, prostaglandinas e leucotrienos).
São estes mediadores os responsáveis pelos sintomas das reações alérgicas, que geralmente ocorrem em minutos e podem ser potencialmente fatais.
2) Alergias mediadas por IgE e hipersensibilidade celular (reações mistas)
As alergias alimentares de reações mistas combinam componentes de duas formas distintas de resposta imune: a resposta mediada por IgE, já descrita anteriormente, e a hipersensibilidade celular, mediadas por linfócitos T.
Os linfócitos T são glóbulos brancos responsáveis por coordenar e executar respostas imunes específicas, especialmente contra agentes patogênicos intracelulares.
Inicialmente, ao identificar um componente alimentar como um alérgeno, os linfócitos T iniciam uma resposta imunológica adaptativa. Na exposição subsequente ao mesmo alérgeno, as células T sensibilizadas resultam na liberação de citocinas pró-inflamatórias e outros mediadores químicos.
Por sua vez, estas substâncias recrutam outras células imunológicas, como macrófagos e neutrófilos, desencadeando uma resposta inflamatória tardia, que ocorre várias horas ou até mesmo dias após a exposição ao alérgeno.
3) Alergias não mediadas por IgE
Por fim, as alergias não mediadas por IgE não se relacionam com os mecanismos dos anticorpos IgE.
Embora pareçam ser mediadas pelos linfócitos T, os processos envolvidos são menos conhecidos e possivelmente envolvem uma variedade de mecanismos dependentes da dose do alérgeno, da via de exposição e do tecido envolvido.
Assim como as alergias de reações mistas, as alergias não mediadas por IgE podem demorar de horas ou até dias para apresentar sintomas. Além disso, a maioria delas afetam principalmente o trato gastrointestinal, e não a pele e o trato respiratório.
Mas afinal…
Quais são os sintomas das alergias alimentares?
Assim como ocorre para os mecanismos imunológicos, os sintomas das alergias alimentares irão depender do subtipo de alergia. Na tabela abaixo, são descritas as principais manifestações clínicas de acordo com as classificações.
Manifestações | Mediadas por IgE | Mediadas por IgE e hipersensibilidade celular | Não mediada por IgE |
Cutâneas | Urticária, angioedema, rash eritematoso morbiliforme, rubor | Dermatite atópica | Dermatite herpetiforme, dermatite de contato |
Respiratórias | Rinoconjuntivite alérgica, broncoespasmo agudo | Asma | Hemossiderose induzida por alimento (Síndrome de Heiner) |
Gastrointestinais | Síndrome de alergia oral, espasmo intestinal agudo | Esofagite eosinofílica (EoE), gastrite eosinofílica, gastroenterite eosinofílica | Síndrome da enterocolite induzida por proteína alimentar (FPIES), síndrome de proctocolite induzido por proteína alimentar (FPIPS), síndrome de enteropatia induzida por proteína alimentar |
Cardiovasculares | Tontura e desmaio | – | – |
Miscelâneas | Cólicas e contrações uterinas, sentimento de “morte iminente” | – | – |
Sistêmicas | Anafilaxia, anafilaxia por exercício dependente de alimento | – | – |
Na prática clínica, as reações alérgicas mediadas por IgE são mais facilmente detectáveis, pois se caracterizam pela rápida manifestação dos sintomas clínicos. Geralmente, elas são tratadas com a exclusão do alimento desencadeador e medicamentos de emergências.
Já as reações mistas ou não mediadas por IgE apresentam manifestações clínicas mais tardias, tornando mais difícil correlacionar a ingestão do alimento e o diagnóstico da alergia alimentar. Nestes casos, são utilizadas estratégias diagnósticas como teste cutâneo de puntura, desafio alimentar oral e biópsia gastrointestinal.
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Referências:
Solé D, Silva LR, Cocco RR, Ferreira CT, Sarni RO, Oliveira LC, et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018 – Parte 1 – Etiopatogenia, clínica e diagnóstico. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Arq Asma Alerg Imunol. 2018;2(1):7-38
Yu, W., Freeland, D. M. H., & Nadeau, K. C. (2016). Food allergy: immune mechanisms, diagnosis and immunotherapy. Nature Reviews Immunology, 16(12), 751-765.
Food allergy. British Society Of Allergy & Clinical Immunology.
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