A disfunção do trato gastrointestinal (DFGI) é um problema complexo, com 60% de incidência em pacientes graves na UTI. Sua ocorrência gera desfechos clínicos desfavoráveis, como aumento de infecção, da internação hospitalar e da mortalidade.
Pensando nisso, a Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEN) publicou um novo posicionamento sobre a DFGI, incluindo informações a respeito de seu diagnóstico e manejo. Vamos conhecê-lo?
O que é disfunção gastrointestinal?
A disfunção do trato gastrointestinal (DFGI) é a condição decorrente da desregulação da função do TGI. Seus principais sintomas incluem retardo de esvaziamento gástrico, alterações na motilidade, gastroparesia, diarreia e constipação.
Em pacientes de UTI, a DFGI é muito comum. Durante a doença grave, a função intestinal é comprometida por diversos fatores, dentre eles a resposta fisiológica ao estresse, as mudanças no microbioma e o aumento da permeabilidade intestinal.
Algumas consequências da disfunção do TGI no paciente grave são:
- Falha em atingir metas calóricas e proteicas;
- Maior risco de desnutrição;
- Imunossupressão;
- Má cicatrização de feridas;
- Fraqueza muscular;
- Aumento da morbimortalidade.
Para contornar estes problemas, os profissionais de saúde devem estar atentos à monitorização rotineira e ao manejo adequado da disfunção gastrointestinal.
Como diagnosticar a disfunção gastrointestinal?
Para diagnosticar a DFGI, uma das estratégias apresentadas no documento é a Pontuação de Falência Gastrointestinal (GIF). Segundo os pesquisadores BRASPEN, sinais simples à beira leito tornam relativamente fácil a identificação da disfunção.
Neste método, a presença de 3 ou mais sintomas terá valor prognóstico. Os principais são:
- Volume do resíduo gástrico (VRG) acima de 500 ml ao menos uma vez;
- Ruídos intestinais ausentes;
- Vômito/regurgitação;
- Diarreia (fezes líquidas 3 ou mais vezes por dia);
- Distensão abdominal (suspeita ou confirmada radiologicamente);
- Sangramento gastrointestinal (sangue em vômitos, aspirado nasogástrica ou fezes).
Outras estratégias de avaliação, monitoramento e avaliação também estão disponíveis no posicionamento, tal como o escore de disfunção gastrointestinal (GIDS).
Manejo não nutricional da disfunção gastrointestinal
No paciente de UTI com disfunção gastrointestinal, alguns pontos chaves são colocados pelos autores para reduzir a intensidade dos sintomas. São eles:
- Elevação da cabeceira entre 30º e 45º (reduzir incidência de pneumonia e aspiração);
- Inserção endoscópica de sonda nasoduodenal ou nasojejunal (reduzir taxa de pneumonia);
- Uso de medicamentos procinéticos (melhorar esvaziamento gástrico e tolerância à NE);
- Correção de disglicemia (tratar a gastroparesia);
- Correção de distúrbios eletrolíticos (principalmente hipocalemia e hipomagnesemia, para cessar a interferência na função motora gástrica).
Manejo nutricional da disfunção gastrointestinal
No posicionamento, é destacada a importância de iniciar a nutrição enteral nas primeiras 24 a 48 horas após admissão na UTI, conforme recomendado por outras diretrizes e protocolos. Esta orientação está associada ao menor estresse oxidativo e inflamação, gerando melhores desfechos clínicos.
Entretanto, iniciar a nutrição enteral precoce é um desafio. Além disso, estima-se que a intolerância à TNE ocorra em um terço dos pacientes nas UTIs.
Sendo assim, os autores sugerem a monitorização rotineira e sistematizada da disfunção gastrointestinal por todos os profissionais envolvidos no cuidado com o paciente. Além disso, ressalta-se: não se deve suspender a TNE sem uma evidência clara de intolerância.
Nutrição Parenteral Suplementar vs Total: quando utilizar?
Segundo a BRASPEN, a nutrição parenteral deve ser ponderada quando o paciente não atingir a meta calórica total na primeira semana de UTI. Contudo, todas as estratégias para maximizar a tolerância gastrointestinal devem ter sido empregadas anteriormente.
A nutrição parenteral suplementar é indicada quando as necessidades energéticas fornecidas pela NE estão abaixo de 60%, por mais de três dias consecutivos. O objetivo é atingir 100%. Em relação ao momento de início, as recomendações da ESPEN e ASPEN variam entre o 4º ao 7º dia após admissão na UTI.
Para a nutrição parenteral total exclusiva, as recomendações variam de acordo com o risco nutricional:
- Paciente com baixo risco nutricional: quando a nutrição oral e enteral são inviáveis, deve-se iniciar a NPT no 7º dia.
- Paciente com alto risco nutricional ou gravemente desnutrido: quando a NE não for viável por intolerância gastrointestinal, recomenda-se iniciar NPT assim que possível.
Outras recomendações nutricionais
Além de recomendações gerais acerca de terapia nutricional, a diretriz também traz algumas recomendações mais específicas.
São citadas, por exemplo, as diferenças entre a administração de caseína e proteína do soro de leite. Os estudos levantados mostram que a combinação destes componentes trazem mais benefícios do que o caseinato isolado, como a maior velocidade do esvaziamento gástrico, e menor distensão e obstipação.
Já em relação à administração de fibras e probióticos, esta pode ser benéfica para casos de diarreia e disbiose, por exemplo. Porém, restam dúvidas acerca do tipo, dosagem e duração.
Diante das incertezas, a utilização destes recursos deve ser feita de modo programado, na forma de prova terapêutica, com avaliação diária em busca da melhora do quadro clínico.
Conclusão
Em pacientes de UTI, o reconhecimento precoce da disfunção gastrointestinal é imprescindível, bem como à implementação adequada de cuidados individualizados.
Para guiar a prática nutricional, o posicionamento BRASPEN reúne conhecimentos acerca da caracterização, sintomas, monitorização, avaliação e manejo da disfunção gastrointestinal.
Clique aqui para ter acesso à diretriz completa.
Referência
BARRETO, Priscilla et al. Posicionamento BRASPEN – Manejo da disfunção trato gastrointestinal na UTI. BRASPEN Journal, 2022.
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