A dispepsia funcional é um distúrbio comum do eixo cérebro-intestino, com sintomas centrados no abdome superior. Neste artigo, saiba o que dizem as diretrizes a respeito do diagnóstico e do tratamento desta condição.
Em primeiro lugar, o que é a Dispepsia Funcional?
Segundo a definição atualizada da Sociedade Coreana de Neurogastrologia e Motilidade (KSNM), a dispepsia funcional (DF) é uma manifestação crônica e recorrente de sintomas gastrointestinais na ausência de doenças como úlcera péptica, refluxo gastroesofágico ou pancreatite.
Desse modo, quando há a presença de sintomas que não se explicam por uma outra enfermidade orgânica, sistêmica ou metabólica, indica-se um quadro de DF.
A Sociedade Britânica de Gastroenterologia (BSG) explica que a doença é causada por problemas na comunicação bidirecional entre o intestino superior e o cérebro. Problemas envolvendo os nervos que suprem o estômago e o duodeno podem causar, por exemplo, o prolongamento do tempo de esvaziamento estomacal.
Causas ambientais podem ainda piorar os sintomas, como o estresse, a alimentação e a infecção por H. pylori. Fatores de risco incluem também: sexo feminino, tagabismo e uso de anti-inflamatórios não esteroidais.
Como se dá seu diagnóstico?
Para a Sociedade Japonesa de Gastroenterologia (JSGE), a dispepsia funcional deve ser diagnosticada com base em uma avaliação abrangente dos sintomas, idade, histórico médico, presença de infecção por H. pylori e histórico laboratorial.
Os sintomas crônicos mais relatados pelas diretrizes, em consenso com a classificação ROMA IV, incluem:
- Dor epigástrica;
- Queimação epigástrica;
- Saciedade precoce: sensação anormalmente cheia no início de uma refeição;
- Plenitude pós-prandial: sensação de peso no abdômen que piora após comer.
Assim, quando esses sintomas permanecem após 8 semanas, tem-se o diagnóstico de dispepsia funcional. Alguns outros problemas que podem ser relacionados à enfermidade incluem: inchaço, distensão abdominal, azia, arrotos, náuseas e vômitos. Contudo, a inclusão destes sintomas para diagnosticar DF não é consensual.
Além disso, a maioria das diretrizes ocidentais e orientais concordam que a realização de uma endoscopia digestiva alta é obrigatória para estabelecer um diagnóstico de DF, principalmente na suspeita de outros distúrbios e em pacientes mais velhos.
A KSNM também recomenda o teste por infecção por H. pylori em pacientes dispépticos que não respondem a supressores de ácido ou procinéticos. Em concordância, a BSG recomenda testes não invasivos.
Como deve ser o tratamento?
O tratamento de dispepsia funcional pode se dar em três níveis: tratamento de primeira linha, tratamento de segunda linha e terapias complementares. Confira-as a seguir.
Tratamento de primeira linha
O uso de inibidores de bomba de prótons (IBPs) é o tratamento de primeira linha para a dispepsia funcional, recomendado pelas atuais diretrizes. Para pacientes positivos para H. pylori, a terapia de erradicação é o tratamento mais razoável.
As orientações de estilo de vida também fazem parte do tratamento de primeira linha. Em primeiro lugar, é recomendado que todos os pacientes com dispepsia funcional façam exercícios aeróbios regulares. Já em relação à modificações dietéticas, é desejável evitar alimentos que induzam ou exacerbem os sintomas, como os alimentos gordurosos. Isso acontece pois o lipídio intraduodenal aumenta a sensibilidade à distensão gástrica e induz plenitude e desconforto abdominal nestes pacientes.
Outros alimentos também relacionados a sintomas dispépticos em estudos anteriores incluem: leite, laticínios, trigo, condimentos, bebidas gaseificadas e café. No entanto, as diretrizes alertam para a falta de evidências suficientes em relação às terapias dietéticas. Além disso, restringir demais a dieta pode levar à desnutrição e hábitos alimentares anormais. Neste sentido, pesquisas mais bem delineadas ainda são necessárias.
Tratamento de segundo linha
Para outros fármacos além dos IBPs, as recomendações variam. Segundo a BSG e a KSNM, por exemplo, os antagonistas do receptor de histamina-2 podem ser um tratamento eficaz para DF, especialmente a curto prazo.
Outros medicamentos citados nas diretrizes como viáveis para DF incluem os procinéticos, os antidepressivos tricíclicos, e os antipsicóticos, sempre em doses seguras, e de forma cuidadosa com os efeitos colaterais.
Em relação à fitoterapia, a JSGE sugere o rikkunshito, um fitoterápico japonês.
Terapias complementares
Para a KSNM, as terapias psicológicas podem ser consideradas quando as terapias medicamentosas são ineficazes, tendo em vista a influência do cérebro nos nervos do intestino superior.
Neste sentido, a BSG recomenda a psicodinâmica interpessoal, a terapia cognitivo-comportamental (TCC), ou ainda a terapia metacognitiva. Além disso, afirmam que o gerenciamento do estresse e a hipnoterapia podem ser um tratamento eficaz.
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Referências
BLACK, Christopher J. et al. British Society of Gastroenterology guidelines on the management of functional dyspepsia. Gut, 2022.
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