O TEA (transtorno do espectro autista) é uma condição que tem se tornado cada vez mais prevalente nos últimos anos. E, embora o autismo seja principalmente reconhecido por seus aspectos relacionados ao desenvolvimento neurológico e comportamental, evidências têm mostrado uma associação entre a dieta e o autismo.
Então, será que é possível usar a alimentação a favor do cuidado no autismo? Para responder essa pergunta, convidamos a nutricionista Valéria Cabral* que nos ajudou a definir alguns mitos e verdades sobre a dieta e o autismo, confira a seguir:
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Seletividade alimentar no autismo
A seletividade é o desafio alimentar mais frequente no autismo. Um estudo com 46 crianças com TEA com idade entre 2 e 10 anos apontou que a seletividade alimentar foi observada em 84,8% das crianças e que, entre os mais novos, até 5 anos de idade, a recusa alimentar é algo persistente.
Segundo Valéria:
“Os alimentos têm diferentes cores, sabores, texturas e aromas que podem aflorar a hipersensibilidade tátil e olfativa no autismo, juntamente com a inflexibilidade comportamental. Por isso, pode levar a restrições alimentares e uma alimentação mais exigente e monótona.”
Saúde intestinal no autismo
Já está bem claro entre os cientistas e profissionais da saúde a relação entre cérebro e intestino. E no autismo, essa investigação é ainda mais interessante considerando tudo o que envolve o transtorno.
É comum relatos de que pessoas com autismo apresentam uma saúde intestinal deficiente, especialmente pela seletividade alimentar, fazendo com que sintomas como: diarreia, prisão de ventre e dores abdominais sejam frequentes. A nutricionista Valéria reforça a importância do cuidado alimentar com o intestino para a manutenção da saúde geral e sugere algumas estratégias:
- Observar as características dos alimentos que a pessoa com autismo aceita (como a cor e textura) e buscar por FLVs (frutas, legumes e verduras) parecidos;
- Ir fazendo pequenas aproximações com o alimento, deixando o alimento mais presente no campo visual da pessoa com autismo, depois trazendo para mais perto, para tocar, brincar, cheirar, encostar na boca e depois tentar comer. Esse é um processo gradual e pode levar semanas;
- Criar oportunidades de interação com o alimento. Para crianças, tentar envolver o alimento em brincadeiras, por exemplo;
- Permitir a participação na compra e no preparo da refeição sempre que possível;
- Comer junto para dar exemplo e gerar confiança;
- Oferecer um mesmo alimento em diferentes apresentações. Pode ser que a pessoa com autismo aceite uma das formas de preparo e apresentação;
- Buscar tornar o ambiente em que o indivíduo come mais tranquilo, caso perceba que existe algo que intensifica a dificuldade durante a refeição.
Suplementação para quem tem autismo
Dado que a seletividade alimentar leva à exclusão de muitos alimentos, é provável que a pessoa com autismo apresente deficiências nutricionais que podem, inclusive, afetar seu desenvolvimento. A suplementação não deve ser feita de modo indiscriminado, sem orientação e sem diagnóstico, sendo necessária a indicação de um nutricionista.
Valéria Cabral destaca alguns suplementos interessantes:
“Pensando em problemas gastrointestinais, prebióticos e probióticos podem auxiliar na melhora dos sintomas e em suas repercussões.
Em casos de dificuldades relacionadas ao sono, a suplementação de melatonina pode ser interessante, ela age no sistema nervoso induzindo o sono. Uma noite de sono melhor pode reduzir a irritação durante o dia e mostrar melhores comportamentos.”
Obesidade e autismo
Pesquisas apontam que a obesidade é uma doença de maior prevalência em crianças com autismo do que crianças que não apresentam o espectro. Essa relação se dá em muitos casos pela forma como os alimentos são consumidos, por exemplo, diante de outros estímulos que atrapalham a identificação da saciedade, como comer em frente à televisão.
Além disso, as crianças com autismo consomem poucos alimentos que apoiam a nutrição saudável, como frutas, legumes e verduras. A nutricionista Valéria explicou que, além da alimentação, existe uma dificuldade também sobre a prática de atividade física na criança com autismo devido à questões relacionadas a interações sociais e sensibilidades com alguns aspectos ambientais.
Nesse sentido, ela indica que:
“Para controle do peso, as estratégias nutricionais são bem semelhantes com as utilizadas para melhora da saúde intestinal. E quando se trata de uma criança, é muito difícil promover mudanças na alimentação sem pensar na alimentação dos pais ou cuidadores.
É importante que em casa haja disponibilidade de alimentos saudáveis e que eles façam parte da alimentação dos demais para que as chances de consumo pela criança sejam maiores.”
Dietas para tratamento do autismo
Apesar da íntima relação entre nutrição e cérebro, não existe uma dieta que possa reduzir os sintomas repetitivos característicos do autismo. A alimentação no autismo pode desempenhar outros papéis, como na redução de sintomas gastrointestinais que são comuns nessa condição.
Dieta mediterrânea, dieta cetogênica, dieta sem glúten, dieta sem caseína, dieta com leite de camelo e dieta com baixo teor de oxalato são algumas hipóteses nutricionais que já foram desenvolvidos estudos, mas que não apresentaram evidências suficientes para sua recomendação, por isso, até o momento é um mito dizer que existe dieta para o autismo.
Valéria ressalta que:
“É preciso muita cautela em aderir qualquer tipo de dieta para um público que pode apresentar seletividade e recusas alimentares, as quais podem levar a uma intolerância às mudanças dietéticas e dificuldade de adesão.”
A dieta no autismo deve considerar todas as especificidades do indivíduo, pois cada pessoa apresenta um tipo e grau de sensibilidade que deve ser acompanhado, buscando uma solução ou adaptação.
Não se conforme com as dificuldades, busque ajuda profissional para ajudar a pessoa com autismo a se alimentar melhor para ter uma boa qualidade de vida.
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Este conteúdo não substitui a orientação de um especialista. Agende uma consulta com o nutricionista de sua confiança.
*Valéria Cabral
Nutricionista pela Universidade de São Paulo (USP), com Revisão Narrativa da literatura sobre “Consumo de Alimentos Ultraprocessados e sua Relação com os Comportamentos Alimentares e o Estado Nutricional de Crianças com Transtorno do Espectro Autista”; Pós-graduanda em Nutrição e Atividade Física na Saúde e na Doença pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Leia também:
- Como a alimentação pode ajudar no diagnóstico de autismo?
- Alimentos que ajudam o intestino: o que solta e o que prende?
- Obesidade também é uma doença comportamental?
Referências
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