Nos sistemas alimentares atuais e na dieta de muitas pessoas, os ultraprocessados se tornaram atores principais. E, falar de síndrome metabólica (SM) e consumo de ultraprocessados passa a ser uma discussão necessária quando pensamos na carga de responsabilidade que tem sido apontada sobre a saúde.
Estudos transversais demonstraram que esses produtos estão associados positivamente ao desenvolvimento de SM ou de algumas das condições associadas a ela. Mas, até o momento, nenhum estudo tinha avaliado o papel dos ultraprocessados a longo prazo no risco de SM.
Pensando nisso, a partir do Estudo Brasileiro Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), pesquisadores avaliaram a associação do consumo de alimentos e bebidas ultraprocessadas com a incidência de SM e seus componentes, levando em consideração múltiplos fatores potenciais. Entenda mais sobre a pesquisa a seguir:
ELSA-Brasil
O ELSA é uma coorte multicêntrica, prospectiva e ocupacional que incluiu 15.105 adultos, entre 2008 e 2010, para serem avaliados sobre o desenvolvimento e progressão de condições crônicas, particularmente doenças cardiovasculares e diabetes.
Os participantes são servidores públicos ativos ou aposentados de instituições de ensino superior e pesquisa de seis capitais brasileiras (Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Vitória e Porto Alegre). Não havia nenhuma gestante no grupo e a faixa etária incluída era de 35 a 74 anos.
Medições e análises
Após o recrutamento, os participantes fizeram duas visitas de acompanhamento, entre 2012 e 2014 e entre 2017 e 2019. Nesses acompanhamentos foram aplicados questionários padronizados, feitas avaliações antropométricas e da pressão arterial.
Também obtiveram uma amostra de sangue em jejum para medir a glicose plasmática e os níveis de colesterol HDL e triglicérides. Para a dieta, foi usado um questionário semi-quantitativo de frequência alimentar (QFA), validado com 114 alimentos.
A quantidade de cada alimento em gramas por dia foi calculada, multiplicando o número de porções pelas gramas por porção e a frequência de consumo. Foi utilizado um software para estimar a composição nutricional e a energia dos alimentos.
Os alimentos foram divididos em três grupos, de acordo com a classificação NOVA:
- alimentos in natura ou minimamente processados e ingredientes culinários
- Alimentos processados
- Ultraprocessados
Alimentos in natura ou minimamente processados e ingredientes culinários são separados na classificação, mas no estudo eles foram agregados a um grupo só porque o QFA geralmente não separava alimentos minimamente processados e ingredientes culinários.
Ultraprocessados e síndrome metabólica
A síndrome metabólica foi definida pela presença de pelo menos três dos cinco componentes a seguir:
- Glicemia de jejum elevada (≥100 mg/dL ou uso de medicação hipoglicemiante)
- Níveis elevados de triglicerídeos (≥150 mg/dL ou uso de fibratos e/ou drogas nicotínicas ácido)
- Baixo nível de colesterol HDL (<40 mg/dL para homens e <50 mg/dL para mulheres, ou uso de fibratos e/ou ácido nicotínico)
- Hipertensão arterial (pressão arterial sistólica ≥130 mmHg e/ou sangue diastólico pressão ≥85 mmHg ou uso confirmado de medicação anti-hipertensiva)
- Obesidade abdominal (circunferência da cintura ≥94 cm para homens e ≥80 cm para mulheres)
Veja: Quais exames podem ser solicitados pelo nutricionista?
O consumo de ultraprocessados foi expresso no início do estudo de duas formas: primeira, como um aumento absoluto de 150 g/dia (uma faixa de aproximadamente 10% do consumo de alimentos ultraprocessados); a segunda, categorizada em quartis de gramas consumidos por dia. O consumo não foi expresso em calorias porque as bebidas adoçadas artificialmente, por exemplo, não têm conteúdo energético.
Após as devidas exclusões, entre os 8.065 participantes, a mediana de idade foi de 49 anos e IMC de 24,8 kg/m². A maioria dos participantes eram mulheres (58,7%), com ensino superior completo (58,8%) e que nunca fumaram (62,0%).
O consumo médio de ultraprocessados foi de 366 g/dia. Comparando o quartil mais alto (>552 g/dia) com o mais baixo (<234 g/dia), sobre o consumo de ultraprocessados, aqueles no quartil mais alto tiveram maior ingestão total de energia e maior ganho de peso, mas idade mais baixa e níveis mais baixos de atividade física, além disso, no quartil mais alto eram mais pessoas brancas e do sexo masculino.
Depois de aproximadamente 7 anos de acompanhamento, 2.508 participantes (31,1%) desenvolveram SM. Os pesquisadores pontuaram que para cada aumento de 150 g/dia no consumo de alimentos ultraprocessados, o risco de desenvolver síndrome metabólica, aumentava 5%.
Maior consumo de alimentos e bebidas ultraprocessadas (>552 g/dia) em comparação com menor consumo (<234 g/dia) aumentou o risco de síndrome metabólica em 19%, o que, segundo os pesquisadores, pode representar 6,6% dos casos incidentes de SM acima do primeiro quartil de sua distribuição, sendo atribuível ao consumo de ultraprocessados.
Conclusão
Considerando que a síndrome metabólica é o estágio inicial de diversas doenças e observando a associação demonstrada com o consumo de ultraprocessados, é plausível continuar reforçando o consumo reduzido ou o não consumo de alimentos dessa classe. Apesar de ouvirmos muito que a alimentação americana é rica em ultraprocessados e a brasileira nem tanto, nossa população também corre riscos por consumir esses alimentos.
Outras observações válidas a partir desse estudo são as características dos maiores consumidores de ultraprocessados: pessoas brancas, jovens, do sexo masculino e não-praticantes de atividade física, apontando para grupos que merecem um olhar mais holístico do nutricionista e de toda a equipe de saúde que os acompanha.
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Referência
Scheine Leite Canhada, Álvaro Vigo, Vivian Cristine Luft, Renata Bertazzi Levy, Sheila Maria Alvim Matos, Maria del Carmen Molina, Luana Giatti, Sandhi Barreto, Bruce Bartholow Duncan, Maria Inês Schmidt; Ultra-Processed Food Consumption and Increased Risk of Metabolic Syndrome in Adults: The ELSA-Brasil. Diabetes Care 1 February 2023; 46 (2): 369–376. https://doi.org/10.2337/dc22-1505