Antibióticos modificam a microbiota intestinal?

Postado em 27 de janeiro de 2021 | Autor: Dan L. Waitzberg

Ao longo dos anos, antibióticos têm sido muito usados. Por exemplo, na Inglaterra, de 2000 a 2014 houve aumento de 14,3 para 19,7 doses definidas por 1 mil habitantes por dia. Posteriormente, assim como no Brasil, implantou-se a necessidade da venda do medicamento somente perante prescrição, o que reduziu o volume de prescrições de antibióticos. Diminuir o consumo de antibióticos em medicina humana e veterinária, assim como em agricultura, é importante para evitar o desenvolvimento de resistência bacteriana e a capacidade de controlar infecções.

Dados do Health Improvement Network (THIN) apontam a taxa de 626 prescrições de antibióticos por 1 mil pacientes, sendo 69% delas associadas a alguma condição clínica ou sistema orgânico. Dessas prescrições, 46% foram para infecções do trato respiratório e aproximadamente 23% para o trato urológico e genital. A prescrição de penicilina corresponde a cerca de metade de todos os antibióticos prescritos, sendo 55% amoxilina, 13% macrolídeo e 12% tetraciclina.

No entanto, frequentemente, pacientes são tratados com antibióticos, mesmo quando a infecção não foi confirmada por exame microbiológico, ou em infecção por vírus, ou em dose e tempo inadequados.

O mau uso de antibióticos para condições não sérias ou quando o tratamento por antibiótico não é apropriado para uma doença em particular, leva à redução de sua efetividade e aparecimento de bactérias resistentes.

Antibióticos x microbiota

Adiciona-se que antibióticos atuam sobre as bactérias que causam infecções, mas também atuam sobre a microbiota residente.

A microbiota intestinal (MI) humana, em geral, consiste em torno de 1 mil espécies bacterianas diferentes e mais de 7 mil cepas distintas. No cólon, existe grande diversidade de espécies bacterianas, e os filos mais frequentes são Firmicutes e Bacteroidetes (mais de 90%), seguidos por Verrucomicrobia e Actinobacteria.

Uma microbiota adequada contribui beneficamente para nós, ao produzir vitaminas, participar do metabolismo de nutrientes e imunomodulação e proteger contra infecções patogênicas. A diversidade da MI se modifica com a idade, dieta, antibióticos, entre outros fatores.

Alterações da microbiota, conhecidas por disbiose, podem alterar funções imunológicas e sua capacidade de resistir à infecção além de estarem associadas a várias doenças como metabólicas, inflamatórias e malignas acometendo órgãos e sistemas diferentes.

Chama a atenção que a exposição a antibióticos na infância (nos primeiros dois anos de vida e cumulativa) se associa na idade adulta com várias enfermidades metabólicas, inflamatórias e autoimunes.

Experimentalmente, o uso de antibióticos em camundongos se associou com uma alteração da expressão de genes, com o número de células que regulam respostas imunológicas e no aumento da incidência de diabetes tipo 1.

Em crianças tratadas aos três meses de idade com antibióticos e que posteriormente desenvolveram asma, os gêneros Faecalibacterium, Lachnospira, Veillonella e Rothia mostraram-se reduzidos.

Na interrupção de antibioticoterapia (ou seja, no tratamento com antibióticos), a microbiota intestinal pode, na dependência de cada indivíduo, apresentar certo grau de resiliência, sendo capaz de retornar, parcialmente, em período de meses ou até anos, para uma composição muito parecida com a original.

Atenção às consequências

Existe pouca percepção nos profissionais de saúde sobre o impacto negativo dos antibióticos na MI. As consequências reais do uso dos antibióticos mais prescritos em cuidados primários de saúde devem ser muito bem entendidas, assim como as diferenças de impacto dos diferentes antibióticos sobre a microbiota.

Com antibioticoterapia, existe, no início, uma rápida diminuição da diversidade bacteriana e da riqueza taxonômica, aumento e diminuição da abundância relativa de certos gêneros e espécies que leva à disbiose da MI, com efeitos específicos em cada hospedeiro. A seguir, interrompida a antibioticoterapia, pode haver um retorno parcial, na maioria das pessoas, ao estado anterior. Mas nem todos os gêneros e espécies bacterianas retornam à situação.

Assim, a MI pode ser perturbada, de forma permanente, mesmo por antibioticoterapia de baixa dose e curto tempo. E essa disbiose pode ter efeitos prejudiciais para a saúde do indivíduo em longo prazo. Portanto, antibióticos apresentam riscos e cuidados devem ser tomados contra o seu uso desnecessário, particularmente em crianças e mulheres grávidas.

Alternativamente, intervenções com probióticos, simbióticos e mesmo transplante fecal têm sido considerados, com sucesso, para modificar o risco inerente ao uso de antibioticoterapia.

 

Referências bibliográficas:

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