A pandemia de Covid-19, entre tantas questões, chamou atenção para um assunto, até então, pouco discutido: saúde mental. Nos Estados Unidos, antes da pandemia, observavam-se sintomas de ansiedade em 8,1% da população e sintomas de transtorno depressivo em 6,5%. Esses números saltaram para 37% e 30%, respectivamente, no final de 2020.
Já no Brasil, após os primeiros meses dessa crise sanitária, a prevalência de depressão e ansiedade chegou a 61% e 44%, respectivamente. Infelizmente, negligenciada pela população e também por programas de saúde pública, a saúde mental custará à economia global cerca de 16 trilhões de dólares em 2030.
No contexto da pandemia, muitos fatores contribuíram para o aumento desses distúrbios psíquicos, como medo de contrair o vírus ou de perder um ente querido e a incerteza sobre questões econômicas. Mas há outra questão, talvez mais inusitada para uma porção de gente, que provavelmente fez diferença: a relação existente entre alimentação e saúde mental.
A influência da microbiota
O eixo intestino-cérebro pode ter grande importância causal para ansiedade e depressão. Nessa condição, o uso de probióticos – bactérias capazes de melhorar a saúde intestinal – teria o poder de minimizar os sintomas psíquicos.
Mas, se a microbiota intestinal é capaz influenciar a saúde mental, então todos os alimentos que a modificam poderiam também ter esse papel? A ciência indica que sim.
Diversos estudos que avaliam os hábitos de vida e a alimentação de indivíduos em diferentes partes do mundo têm observado que um padrão alimentar saudável, caracterizado pelo consumo adequado de frutas e vegetais, grãos integrais, fontes de proteína magra, oleaginosas, além de baixa ingestão de açúcares adicionados, pode reduzir o risco de transtornos de ansiedade.
Em contraste, uma dieta de estilo ocidental, caracterizada pela forte presença de alimentos doces e gordurosos, grãos refinados, itens fritos e processados, carne vermelha, laticínios com alto teor de gordura, além de baixa ingestão de frutas e vegetais, está associado a um maior risco de ansiedade.
Os pesquisadores, no entanto, ainda não chegaram a um consenso sobre o que vem primeiro nessa história. Isso porque, ao mesmo tempo que a alimentação desequilibrada favorece o surgimento de sintomas de ansiedade e depressão, observa-se que pessoas com transtornos mentais geralmente fazem escolhas alimentares ruins.
O que se sabe é que alguns padrões alimentares e nutrientes parecem contribuir para saúde mental. Veja exemplos:
Dieta mediterrânea
Conhecida por incentivar o consumo de vegetais, peixes, azeite e oleaginosas, esse menu é rico em nutrientes anti-inflamatórios e antioxidantes. Não à toa, é relacionado com a prevenção e o tratamento de diversas doenças crônicas.
E seus benefícios também têm sido ligados à saúde mental. Pesquisadores observaram que a adesão à dieta mediterrânea por três meses, somada à suplementação de óleo de peixe, melhorou a qualidade de vida e reduziu sintomas de depressão entre adultos com essa doença.
Ômega-3
Falando em óleo de peixe, seu grande diferencial é ser fonte de ômega-3. Sabe-se que esse tipo de gordura – sobretudo a versão DHA, uma fração dos ácidos graxos ômega-3 – se destaca na manutenção das funções cerebrais, evitando processos inflamatórios envolvidos no aparecimento da depressão.
No entanto, as evidências sobre o papel da suplementação de ômega-3 no desenvolvimento dos transtornos mentais ainda são fracas.
Outros tipos de gorduras também têm sido associados ao desenvolvimento de ansiedade e depressão.
Pesquisadores brasileiros observaram que consumir uma dieta típica de nosso país – caracterizada pelo consumo de alimentos saudáveis, como verduras, legumes, frutas frescas e alimentos minimamente processados – em combinação com a ingestão diária de 52 ml/dia de azeite de oliva extravirgem (cerca de 4 colheres de sopa), reduziu sintomas de ansiedade e depressão em pessoas com obesidade grave.
Os autores destacam que o azeite oferece gordura de boa qualidade, enquanto o consumo de frutas e vegetais favorece o consumo extra de nutrientes antioxidantes, considerados aliados contra a depressão.
Vitaminas e minerais
Sempre reforçamos que uma alimentação variada garante a ingestão de todos os nutrientes necessários para manutenção da saúde.
No entanto, a deficiência de nutrientes como zinco, magnésio, selênio, ferro, e as vitaminas D, B6, B12, E e ácido fólico têm sido associada a um maior risco de depressão, uma vez que esses compostos participam de caminhos importantes do nosso metabolismo, como a produção de serotonina – substância que promove o bem-estar e controle da inflamação.
Portanto, ter uma alimentação diversificada, rica em vegetais de folhas verde-escuras, grãos integrais, sementes, clara de ovo, produtos à base de soja, carnes magras, peixes, castanhas e frutas frescas é fundamental para quem quer prevenir ou tratar os transtornos mentais.
Referências bibliográficas:
Amy T. et al. Strengthening mental health responses to COVID-19 in the Americas: A health policy analysis and recommendations. The Lancet Regional Health – Americas, 2022.
Juliana A. et al. Early Psychological Impact of the COVID-19 Pandemic in Brazil: A National Survey. J. Clin. Med. 2020.
Penny M. et al. Nutrition and behavioral health disorders: depression and anxiety. Nutr Rev. 2021.
Tracey L. et al. The Role of the Gut Microbiota in Dietary Interventions for Depression and Anxiety. Adv Nutr. 2020.
Natalie P. et al. A Mediterranean-style dietary intervention supplemented with fish oil improves diet quality and mental health in people with depression: A randomized controlled trial (HELFIMED). Nutritional Neuroscience, 2019.
Katherine H. et al. Omega-3 and polyunsaturated fat for prevention of depression and anxiety symptoms: systematic review and meta-analysis of randomised trials. Br J Psychiatry, 2021.
Andrea B. et al. Traditional Brazilian diet and extra virgin olive oil reduce symptoms of anxiety and depression in individuals with severe obesity: Randomized clinical trial. Clin Nutr, 2021.
Leia também
Professor Associado do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP; Mestre, Doutor e Livre-Docente pela Universidade de São Paulo, USP; Especialista em Terapia Nutricional Enteral e Parenteral pela Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral – BRASPEN e Diretor do GANEP Nutrição Humana.