Qual é a influência que o ácido graxo ômega-3 tem sobre a atenção cognitiva e memória?

Postado em 4 de junho de 2012

Atualmente, cerca de 25% da população acima de 85 anos possui um significativo comprometimento da atenção cognitiva. Estima-se que a prevalência global de déficit cognitivo e demência, incluindo doença de Alzheimer, irá aumentar significativamente em proporção ao aumento da expectativa de vida. A deterioração da memória e atenção cognitiva, e por fim o estabelecimento da doença de Alzheimer debilita gravemente o indivíduo, comprometendo diretamente a qualidade de vida do paciente e dos familiares (1).

Diversas linhas de pesquisa têm focado em identificar meios de retardar o declínio cognitivo ou melhorar a memória em pacientes com doença de Alzheimer. Dentre estas linhas, destaca-se o ácido graxo ômega-3.

Ácidos graxos ômega-3 (AG n-3) constituem um fator dietético com potencial de influenciar o declínio cognitivo e perda de memória durante o envelhecimento. AG n-3 do tipo ácido eicosapentaenóico (EPA) e ácido docosahexaenóico (DHA) são cruciais para o desenvolvimento e a função normal cerebral (2). DHA é particularmente importante para a função cerebral devido a sua influência nas propriedades da membrana neuronal, responsável pela sinalização celular (3). A concentração de DHA no cérebro diminui com a idade, tanto em humanos quanto em ratos (4,5), consequência provavelmente relacionada à deterioração das funções do sistema nervoso central devido ao envelhecimento (4).

Diversos estudos encontraram que o consumo de peixe, principal fonte dietética de AG n-3, está associado com redução do risco de declínio cognitivo e demência (6-9). Outros estudos observaram que o consumo de DHA somente, e não de outros tipos de AG n-3, está associado com diminuição do risco de doença de Alzheimer (6). Estudos analisando a composição de acidos graxos no plasma confirmam os estudos dietéticos, ao encontrar direta associação entre AG n-3, especialmente DHA, e redução do risco de doença de Alzheimer (10,11). Maior proporção de acidos graxos saturados e AG ômega-6 na membrana de eritrócitos foram associados com maior risco de declínio cognitivo (10). Inversamente, uma maior proporção de AG n-3 foi diretamente relacionado com menor risco de declínio cognitivo (10).

Entretanto, os efeitos benéficos do AG n-3 são ainda inconclusivos em relação ao tipo de população beneficiada. Estudo duplo-cego, randomizado, avaliou o uso de suplemento de AG n-3 ou placebo na doença de Alzheimer em 32 participantes com comprometimento cognitivo leve a moderado e 23 participantes com declínio cognitivo leve. Os resultados mostraram que somente os participantes com comprometimento cognitivo leve se beneficiaram com a suplementação de AG n-3 (12).

Resultados similares foram encontrados em recente metanálise, onde avaliou-se estudos clínicos (somente duplo-cego, randomizado, placebo-controle) sobre desempenho cognitivo e uso de suplemento de AG n-3 em três populações distintas: adultos saudáveis, pacientes com doença de Alzheimer e indivíduos com comprometimento cognitivo sem demência (13). Dez estudos foram incluídos e os benefícios da suplementação foram estatisticamente significativos somente em indivíduos com comprometimento cognitivo sem demência. Nesta população observou-se melhora de atenção e velocidade de processamento de informações (13).

Estudo com 402 indivíduos com doença de Alzheimer de leve a moderada não encontrou nenhum benefício da suplementação com DHA para retardar a função cognitiva (14). Os autores alertam que apesar do resultado negativo, devido à evidências epidemiológicas apontarem para uma boa associação entre DHA e risco de doença de Alzheimer, possivelmente uma intervenção com AG n-3 seja mais
efetiva se iniciada precocemente no curso da doença, e não quando a demência já está instalada (14).

Desta maneira, pode-se concluir que o uso de AG n-3 para atenção cognitiva, memória e doença de Alzheimer ainda não possui uma indicação clara, visto que estudos clínicos apontaram benefícios e outros falharam na demonstração. Deve-se levar em conta também o tipo de população estudada.

Letícia De Nardi Campos

Nutricionista. Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Gastroenterologia da FMUSP. Pesquisadora do Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia (METANUTRI – LIM 35 – FMUSP). Especialista em Nutrição Clínica pelo GANEP.

Referências:

1. Itua I, Naderali EK. Review: omega-3 and memory function: to eat or not to eat. Am J Alzheimers Dis Other Demen. 2010;25(6):479-82.

2. Neuringer M, Anderson GJ, Connor WE. The essentiality of n-3 fatty acids for the development and function of the retina and brain. Annu Rev Nutr. 1988;8:517–541.

3. Uauy R, Dangour AD. Nutrition in brain development and aging: Role of essential fatty acids.Nutrition Reviews. 2006;64(5):S24–S33.

4. Soderberg M, Edlund C, Kristensson K, Dallner G. Fatty-Acid Composition of Brain Phospholipids in Aging and in Alzheimers-Disease. Lipids. 1991;26(6):421–425.

5. Suzuki H, Park SJ, Tamura M, Ando S. Effect of the long-term feeding of dietary lipids on the learning ability, fatty acid composition of brain stem phospholipids and synaptic membrane fluidity in adult mice: a comparison of sardine oil diet with palm oil diet. Mech Ageing Dev.1998;101(1-2):119–128.

6. Morris MC, Evans DA, Bienias JL, et al. Consumption of fish and n-3 fatty acids and risk of incident Alzheimer disease. Arch Neurol. 2003;60(7):940–946.

7. Barberger-Gateau P, Letenneur L, Deschamps V, Pérès K, Dartigues JF, Renaud S. Fish, meat, and risk of dementia: cohort study. BMJ. 2002;325(7370):932–933.

8. Lim WS, Gammack JK, Van Niekerk J, Dangour AD. Omega 3 fatty acid for the prevention of dementia. Cochrane Database Syst Rev. 2006;(1):CD005379.

9. Fotuhi M, Mohassel P, Yaffe K. Fish consumption, long-chain omega-3 fatty acids and risk of cognitive decline or Alzheimer disease: a complex association. Nat Clin Pract Neurol. 2009;5(3):140–152.

10. Heude B, Ducimetière P, Berr C. EVA Study. Cognitive decline and fatty acid composition of erythrocyte membranes: the EVA Study. Am J Clin Nutr. 2003;77(4):803–808.

11. Schaefer EJ, Bongard V, Beiser AS, et al. Plasma phosphatidylcholine docosahexaenoic acid content and risk of dementia and Alzheimer disease: the Framingham Heart Study. Arch Neurol. 2006;63(11):1545–1550.

12. Chiu CC, Su KP, Cheng TC, et al. The effects of omega-3 fatty acids monotherapy in Alzheimer’s disease and mild cognitive impairment: a preliminary randomised double-blind placebocontrolled study. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2008;32(6):1538-1544.

13. Mazereeuw G, Lanctôt KL, Chau SA, Swardfager W, Herrmann N. Effects of omega-3 fatty acids on cognitive performance: a meta-analysis. Neurobiol Aging. 2012 Feb 3. [Epub ahead of print].

14. Quinn JF, Raman R, Thomas RG, et al. Docosahexaenoic acid supplementation and cognitive decline in Alzheimer disease: a randomized trial. JAMA. 2010;304(17):1903-11.

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