Como funciona o transplante de microbiota fecal e em que circunstâncias deve ser considerado?

Postado em 23 de abril de 2015 | Autor: Alweyd Tesser

Apesar de poucas pessoas conhecerem esta técnica, o transplante de microbiota fecal (TF) não é uma prática nova. Em 1958, foi descrito o primeiro TF em seres humanos, em um caso de colite pseudomembranosa. Atualmente esse tipo de terapia é utilizado por vários especialistas com sucesso no tratamento da diarreia recorrente associada ao Clostridium difficile.
 
Tecnicamente, o método para realização do TF é simples. Os doadores podem ser anônimos, mas frequentemente são escolhidos pelos doentes entre familiares e amigos. O doador deve ser saudável, com frequência de evacuação diária e deverá ser avaliado para excluir a presença de C. difficile, outras bactérias patogênicas intestinais, parasitas, além de outras doenças transmissíveis, incluindo sífilis, hepatite e HIV (vírus da imunodeficiência humana). 
 
As fezes do doador são colhidas e misturadas em solução salina, homogeneizadas e administradas imediatamente. Antes do transplante, o receptor recebe um tratamento com vancomicina (antibiótico) e preparação intestinal com polietilenoglicol (laxativo) e a administração pode ser realizada por três vias:
 
1. Enema: Também denominado enteroclisma ou clister, que é a introdução do material através de uma sonda retal. É de fácil aplicação, tem boa aceitação e é facilmente repetido. Com ajuda, pode ser realizada em casa pelo receptor. Contudo, nem todos os doentes toleram o aconselhamento de 6 horas de retenção. Por outro lado, os enemas não ultrapassam o angulo esplênico do cólon, sendo necessárias várias administrações para obter a alteração total da microbiota.
 
2. Colonoscopia: A aplicação inicial por colonoscopia permite distribuir o material por todo o cólon, podendo seguir de aplicações por enema. Com essa técnica obtêm-se resultados iniciais mais rápidos, mas é tecnicamente mais difícil e há o risco de perfuração do cólon.
 
3. Sonda nasojejunal: Exige menor volume do material que é introduzido em todo o intestino, mas a colocação da sonda exige sedação, e pode gerar maior relutância dos pacientes. 
 
O FDA (Food and Drug Administration) afirmou que considera o procedimento um produto biológico que, portanto, deve ser regulamentado pela agência. As novas regras obrigam os médicos a apresentar um pedido especial antes de serem autorizados a realizar o procedimento. As exigências têm como objetivo garantir que o procedimento seja seguro, que os doadores sejam bem selecionados e que os médicos não o realizem desnecessariamente.
 
São candidatos ao TF doentes com três ou mais recorrências de diarréia associada ao C. difficile em que falhou o tratamento convencional. Poderão, também, ser candidatos doentes com quadros clínicos particularmente graves. 
 
Um estudo realizado com 19 pacientes infectados por C. difficile foram submetidos a um transplante de fezes e permaneceram livres da doença por até quatro anos. Esse resultado sugere que esta terapia pode ser benéfica para o tratamento desta doença, e segundo outros trabalhos é eficaz no tratamento de outros tipos de gastroenterites. Já existem estudos que relatam que o uso progressivo de antibióticos contra C. difficile e outros microrganismos também é capaz de afetar negativamente a microbiota e sugerem que a recolonização do trato intestinal por uma nova microbiota pode ser empregada através do transplante.
 
Em outro estudo sobre o tema foram utilizadas técnicas moleculares a fim de reconhecer os grupos microbianos bioindicadores de uma microbiota saudável ou doente. Esse estudo descreve o efeito de uma bacterioterapia através de um transplante fecal em pacientes com diarreia a fim de restabelecer a microbiota do cólon. Os autores observaram que Firmicutes e Bacteriodetes não foram encontrados nos indivíduos doentes e dias após o transplante já foi possível observar o reestabelecimento da microbiota e a recuperação do quadro clínico.
 
Alguns estudos experimentais em ratos demonstraram que o transplante de microbiota de ratos estéreis magros através das fezes, ou seja, sem nenhuma contaminação de germes, em ratos obesos também estéreis fez total diferença no emagrecimento dos ratos obesos que, além do transplante, tiveram acompanhamento de dieta rica em fibras e pobre em gorduras, o que foi fundamental para a perda de peso. O mesmo estudo avaliou a implantação de microbiota dos ratos obesos nos ratos magros e estes não sofreram alteração de peso significativa.
 
O entendimento sobre o efeito da aplicação desta técnica parte de princípios ecológicos como interações entre hospedeiro e microrganismos. Portanto, estudos sobre a composição, a diversidade e a função de comunidades microbianas intestinais são importantes para elaborar estratégias para tratamentos futuros.

 

Bibliografia

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Instituto de Microbiologia Paulo de Góes. Transplante fecal: restaurando nosso ecossistema interno. Disponível em: http://www.microbiologia.ufrj.br/informativo/novidades-sobre-microbiologia/448-transplante-fecal-restaurando-nosso-ecossistema-interno. Acessado em: 23/04/2015

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