Como reduzir o impacto do jejum pré-operatório e a importância de sua abreviação?

Postado em 3 de fevereiro de 2012

As evidências científicas sugerem que o jejum pré-operatório prolongado resulta em aumento significativo de resistência à insulina e seu agravamento está relacionado com maior tempo de permanência hospitalar (1).

Para reverter este quadro clínico pesquisadores vêm propondo protocolos com quebra de paradigmas, incluindo a abreviação do tempo de jejum pré-operatório.

Neste sentido, algumas sociedades, como a Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA) e a Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (Espen) recomendam a ingestão de líquidos claros até duas horas antes da cirurgia e anestesia (2,3). Entretanto, essa prática é pouco seguida, pois algumas equipes médicas ainda acreditam que o jejum da meia-noite (com duração de 10-16 horas) é mais seguro (1).

No Brasil, o projeto ACERTO (Aceleração da Recuperação Total Pós-Operatória), baseado no programa europeu ERAS (Enhanced Recovery After Surgery), vêm recebendo destaque, especialmente por preconizar a mudança do tempo de jejum pré-operatório tradicional para duas horas (1).

Inicialmente, este protocolo foi implementado no Hospital Universitário Julio Muller, da Universidade Federal de Mato Grosso, no qual antes da implantação do projeto, os pacientes permaneciam em média 16 horas de jejum pré-operatório. O grupo realizou um programa de educação por meio de um seminário com a presença de anestesistas, cirurgiões, residentes, enfermeiros e nutricionistas, para discutir a importância da abreviação do jejum pré-operatório. Em uma de suas publicações, o grupo demonstra que após a implantação do protocolo ACERTO houve uma queda significativa do jejum pré-operatório, com menores complicações pós-operatórias e menor tempo de permanência hospitalar (1).

Em uma revisão sistemática que envolveu 22 estudos, foi observado que a ingestão de líquidos de duas a três horas antes da cirurgia é segura e não está relacionada com risco de aspiração, regurgitação e de mortalidade em relação a pacientes submetidos a protocolos tradicionais de jejum (4).

Assim, para abreviar o jejum pré-operatório, bebidas contendo carboidratos têm sido utilizadas e recomendadas, devido ao rápido esvaziamento gástrico e melhora da resistência à insulina relacionada com o trauma cirúrgico. Embora esteja indicado o uso de líquidos claros (água, chás, café e sucos sem resíduo) no pré-operatório, as pesquisas indicam que os suplementos desenhados para esta finalidade são mais eficazes na redução da resposta catabólica ao estresse cirúrgico, com consequente melhora da recuperação pós-operatória.

No estudo randomizado publicado por Aguilar-Nascimento e colaboradores, os pesquisadores ofertaram bebida contendo carboidratos duas horas antes da colescistectomia. Os pacientes apresentaram menor ocorrência de complicações gastrintestinais, além de um dia a menos de internação hospitalar quando comparados ao grupo controle (5).

Outro estudo clínico mostrou que esse mesmo protocolo de abreviação de jejum pré-operatório em pacientes que passariam por vídeo-colecistectomia reduziu a resistência insulínica e a resposta metabólica ao trauma (6).

Estudos mais recentes têm investigado fórmulas contendo proteínas ou aminoácidos específicos nas bebidas enriquecidas de carboidratos. O grupo de Dock-Nascimento avaliou a segurança da abreviação do jejum pré-operatório com a ingestão de bebida rica em carboidrato e L-glutamina em 56 mulheres submetidas à colecistectomia laparoscópica. Os pesquisadores concluíram que a inclusão de glutamina foi segura e não esteve associada a complicações durante a indução da anestesia. Além disso, segundo os autores, o uso de aminoácidos ou proteínas associadas com carboidratos pode acelerar a recuperação pós-operatória, através da melhora do metabolismo da glicose e da insulina, contribuindo para a redução das complicações pós-operatórias e mortalidade (7).

Em conclusão, os estudos sugerem que o impacto do jejum pré-operatório na resposta metabólica ao trauma pode ser atenuado por meio da abreviação em duas horas antes da cirurgia e com a oferta de bebida contendo carboidrato, juntamente com outros nutrientes, como as proteínas ou aminoácidos associados. Entretanto, é necessário o trabalho de uma equipe multiprofissional, juntamente com uma educação continuada para que haja mudança de paradigmas em relação aos benefícios da redução do jejum pré-operatório.

Rita de Cássia Borges de Castro

Nutricionista. Pesquisadora do Laboratório de Nutrição e Cirurgia Metabólica do Aparelho Digestivo (Metanutri – LIM 35) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Especialista em Terapia Nutricional e Nutrição Clínica pelo GANEP. Graduada em Nutrição pela Universidade Potiguar (Natal-RN).

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Rompendo Paradigmas em Nutrição Pré e pós-Operatória

Referências

1. de Aguilar-Nascimento JE, Dock-Nascimento DB. Reducing preoperative fasting time: A trend based on evidence. World J Gastrointest Surg. 2010;2(3):57-60.

2. Practice guidelines for preoperative fasting and the use of pharmacological agents to reduce the risk of pulmonary aspiration: application to healthy patients undergoing elective procedures: a report by the American Society of Anaesthesiologists Task Force on Preoperative Fasting. Anesthesiology. 1999;90(3):896-905.

3. Weimann A, Braga M, Harsanyi L, Laviano A, Ljungqvist O, Soeters P, et al. ESPEN Guidelines on Enteral Nutrition: Surgery including organ transplantation. Clin Nutr. 2006;25(2):224-44.

4. Brady M, Kinn S, Stuart P. Preoperative fasting for adults to prevent preoperative complications. Cochrane Database Syst Rev. 2003;(4):CD004423.

5. Aguilar-Nascimento JE, Dock-Nascimento DB, Faria MSM, et al. Ingestão pré-operatória de carboidratos diminui a ocorrência de sintomas gastrointestinais pós-operatórios em pacientes submetidos à colecistectomia. ABCD Arq Bras Cir Dig 2007;20(2):77-80.

6. Faria MSF, Aguilar-Nascimento JE, Dock-Nascimento DB, et al. Preoperative fasting of 2 hours minimizes insulin resistance and organic response to trauma after video-cholecystectomy: a randomized, controlled, clinical trial. World J Surg, 2009;33(6):1158-64.

7. Dock-nascimento DB, Aguilar-nascimento JED, Caporossi C, Faria MSM, Bragagnolo R, Waitzberg DL. Safety of oral glutamine in the abbreviation of preoperative fasting; a double-blind, controlled, randomized clinical trial. Nutr Hosp. 2011;26(1):86-90.

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