Guia Nutritotal: Desnutrição no Adulto

Postado em 8 de janeiro de 2025

Entenda os impactos da desnutrição em adultos e as estratégias eficazes para diagnóstico e tratamento nesse guia completo.

Nos últimos 50 anos, a desnutrição em adultos mais velhos passou a ser amplamente reconhecida como uma condição de grande relevância, devido aos seus efeitos prejudiciais à saúde e qualidade de vida. 

Entre as pessoas com mais de 65 anos, a prevalência da desnutrição varia conforme o contexto: atinge de 5 a 10% daqueles que vivem na comunidade, 20 a 40% dos pacientes hospitalizados e até 50% dos residentes em lares de idosos.

desnutrição no adulto

Fonte: Canva

Diante do impacto significativo dessa condição, este Guia Nutritotal foi elaborado para oferecer uma visão abrangente sobre a desnutrição. A seguir, entenda desde a sua definição e fisiopatologia até os métodos de diagnóstico e estratégias eficazes para seu tratamento. 

O que é a desnutrição?

Entende-se como desnutrição o desequilíbrio entre o crescimento e a quebra de tecidos corporais e reservas de nutrientes. Assim, suas consequências incluem:

  • Perda de massa muscular 
  • Diminuição da força muscular
  • Aumento do risco de sarcopenia, fragilidade, imunodeficiências e infecções
  • Diminuição das funções físicas e mentais
  • Comprometimento dos resultados clínicos, em geral
  • Entre outros

Qual é a fisiopatologia da desnutrição?

Com base na causa da desnutrição, três subtipos são reconhecidos, com diferentes patologias: 

  • Desnutrição devido à falta de acesso adequado a alimentos (insegurança alimentar) 
  • Desnutrição relacionada à doença na ausência de inflamação subjacente
  • Desnutrição relacionada à doença com inflamação subjacente

Vias relacionadas à ingestão inadequada

Quando a desnutrição é relacionada à insegurança alimentar ou doença na ausência de inflamação, a diminuição da ingestão ou absorção de alimentos e nutrientes é o fator causador. 

A disfagia após acidente vascular cerebral e a síndrome do intestino curto são exemplos dessa via não inflamatória. 

Nessas condições, o metabolismo humano se adapta diminuindo o gasto energético em repouso, a frequência cardíaca, a temperatura corporal e a atividade física espontânea. Essa adaptação contribui para a sobrevivência na condição de fome.

As reservas de glicogênio no fígado e nos músculos são esgotadas em 1 a 2 dias, e substituídas por gordura corporal como principal fonte de energia. 

Já as reservas de proteínas são parcialmente protegidas, mas os músculos ainda são degradados para garantir o fornecimento de aminoácidos para a síntese de proteínas e a oxidação para produção de energia. 

Observações históricas indicam que é possível sobreviver por até 60 dias em um estado de fome completa, se houver disponibilidade de líquidos.

Via relacionada à inflamação

Em doenças relacionadas à inflamação, o metabolismo torna-se mais complexo e mal adaptativo. 

Aqui, o gasto energético em repouso aumenta com a privação de alimentos e inflamação, assim como a frequência cardíaca em repouso, a temperatura corporal, e a quebra de proteínas no músculo esquelético. O resultado é a perda de massa muscular. 

Muitas doenças crônicas estão associadas à inflamação de baixo grau, tais como:

A erosão lenta e contínua dos tecidos e a resposta atenuada aos tratamentos nutricionais são consequências bem conhecidas destas doenças.

Como são realizados a triagem e o diagnóstico da desnutrição?

Em hospitais e casas de repouso, recomenda-se a triagem para possível desnutrição dentro de 24 a 48 horas após a admissão. Nesse sentido, existem diversas ferramentas de triagem.

Para pacientes hospitalizados, as seguintes ferramentas fornecem avaliações rápidas do risco nutricional:

  • Nutritional Risk Screening 2002
  • Malnutrition Universal Screening Tool
  • Short Nutritional Assessment Questionnaire
  • Malnutrition Screening Tool  
  • Mini Nutritional Assessment–Short Form (adaptado para avaliar o risco de desnutrição em pessoas idosas)

Para pacientes em unidades de terapia intensiva (UTI), que geralmente requerem cuidados nutricionais imediatos, ferramentas convencionais de triagem não são aplicáveis. No entanto, o escore Nutrition Risk in the Critically Ill tem demonstrado bom valor prognóstico.

Abordagens diagnósticas geralmente são mais complexas e combinam mais medidas do que as ferramentas de triagem. Exemplos incluem a Subjective Global Assessment (SGA), a Patient-Generated SGA (para pacientes com câncer) e os indicadores da Academy of Nutrition and Dietetics–American Society for Parenteral and Enteral Nutrition para Diagnosticar Desnutrição. 

Todos os métodos diagnósticos utilizam uma combinação de critérios fenotípicos e etiológicos, com variações nas combinações de critérios e limites, o que leva a diferenças nas estimativas de prevalência.

Leia também: Qual a diferença entre triagem nutricional e avaliação nutricional?

Critérios GLIM

Em 2019, quatro grandes sociedades internacionais de nutrição clínica apresentaram os critérios da Global Leadership Initiative on Malnutrition (GLIM) para unificar ferramentas existentes de diagnóstico de desnutrição.

O procedimento em duas etapas envolve o uso inicial de uma ferramenta de triagem sensível para identificar pessoas em risco de desnutrição, seguido da confirmação do diagnóstico em pessoas com aparente desnutrição.

O GLIM recomenda a avaliação obrigatória de três critérios fenotípicos — perda de peso, baixo índice de massa corporal (IMC) e baixa massa muscular — e dois critérios etiológicos — redução na ingestão ou assimilação de alimentos e alta carga de doença, indicada pela presença de inflamação persistente ou recorrente. 

O cumprimento simultâneo de pelo menos um critério fenotípico e um etiológico confirma o diagnóstico. A desnutrição é classificada como moderada ou grave, dependendo do grau de alteração nos critérios fenotípicos.

Saiba mais: Nova Ferramenta para Diagnóstico da Desnutrição – GLIM

Como tratar a desnutrição?

Uma vez diagnosticada a desnutrição, seu tratamento deve ser voltado para a causa subjacente, com foco em restaurar o equilíbrio nutricional, prevenir complicações e melhorar a qualidade de vida. O tratamento pode envolver várias abordagens, que devem ser individualizadas para cada paciente.

Metas calóricas e proteicas

Com base no consenso de especialistas, o requisito energético estimado é de 30 kcal/kg/dia em pessoas com atividade física limitada e 25 kcal/kg/dia em pacientes acamados

Para pacientes hospitalizados e criticamente doentes, a recomendação baseada em consenso de especialistas é de 70 a 75% dos requisitos energéticos calculados (ou seja, 18 a 20 kcal/kg/dia), especialmente na primeira fase do tratamento.

Os requisitos de proteína são objeto de considerável debate na comunidade de nutrição.  Entretanto, são geralmente recomendados:

  • 0,8 a 1,2 g/kg/dia em adultos saudáveis
  • 1,2 a 1,5 g/kg/dia em pacientes agudamente doentes ou bem-nutridos após cirurgia
  • 1,5 a 2,0 g/kg/dia ou mais em pacientes com queimaduras ou trauma múltiplo 

Nutrição oral

No âmbito da nutrição oral, a ingestão alimentar pode se tornar mais fácil através do aconselhamento nutricional; assistência na alimentação para pessoas com deficiência; modificação da textura, especialmente para aqueles com disfagia; e fortificação proteica e calórica de alimentos.

A energia e a proteína também podem ser fornecidas em suplementos nutricionais orais, com quantidades típicas de 200 a 300 kcal e 10 a 20 g de proteína por 100 ml. 

Nutrição enteral e parenteral

A indicação geral para nutrição enteral ou parenteral é a ingestão inadequada de nutrientes por uma semana ou mais. Já em cuidados críticos, as necessidades nutricionais devem ser atendidas prontamente. 

De maneira geral, a escolha preferida é a nutrição enteral, que requer um intestino funcional. A nutrição enteral melhora as funções de barreira intestinal e está associada a menos complicações infecciosas e metabólicas do que a nutrição parenteral. Uma pequena proporção de pacientes requer nutrição parenteral total.

Síndrome de realimentação

A síndrome da realimentação pode se desenvolver, especialmente em pacientes gravemente desnutridos, no início da terapia nutricional. 

O tratamento e a prevenção da síndrome da realimentação consistem em reduzir a oferta de calorias e fluidos, corrigir baixos níveis sanguíneos de fosfato e outros eletrólitos e nutrientes (tiamina) e aumentar lentamente os nutrientes e fluidos para os níveis recomendados dentro de 4 a 7 dias.

Conclusão

A desnutrição em idosos é um problema de saúde pública de grande impacto. A implementação de triagens precoces, o uso de critérios padronizados para diagnóstico, como os do GLIM, e intervenções nutricionais individualizadas são essenciais para prevenir e tratar a desnutrição. 

O manejo adequado pode não apenas melhorar a saúde e a funcionalidade dos pacientes, mas também reduzir os custos associados aos cuidados de longo prazo, reforçando a importância de uma abordagem integrada e multidisciplinar.

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Referência:

Cederholm, T., & Bosaeus, I. (2024). Malnutrition in adults. New England Journal of Medicine, 391(2), 155-165.

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