Quais as recomendações atuais de hidratação venosa no pós-operatório?

Postado em 17 de fevereiro de 2012

A terapia de hidratação perioperatória é importante no controle do paciente cirúrgico. No entanto, a reposição exagerada de fluidos intravenosos no perioperatório está associada a graves complicações (1). Nesse contexto, protocolos multimodais como o ERAS (2) e o ACERTO (3), verificaram que a restrição de fluidos intravenosos pode acelerar a recuperação pós-operatória.

Um estudo randomizado multicêntrico realizado na Europa mostrou a importância do protocolo específico de restrição hídrica na diminuição da morbidade pós-operatória quando comparado a protocolo convencional de infusão intravenosa. No estudo, capitaneado por Brandstrup, o grupo com infusão liberal ganhou mais peso corpóreo e apresentou mais complicações que o grupo com restrição hídrica (4). Depreende-se que existe relação clara entre excesso de volume administrado por via intravenosa e aumento de peso corpóreo, maior tempo de internação, complicações pulmonares e sépticas (5,6).

A abreviação do jejum pré-operatório para duas horas diminui a necessidade de hidratação perioperatória. Esta recomendação está incluída no recente protocolo GIFTASUP, realizado em 2010. No referido protocolo, médicos intensivistas, cirurgiões, anestesistas, nefrologistas e nutrólogos ingleses estudaram o problema do excesso de fluidos intravenosos. Seu parecer aponta a importância de restrição hídrica venosa no perioperatório (7).

Na rotina de hidratação venosa perioperatória deve-se calcular, aproximadamente, o volume total a ser administrado diariamente nos pacientes. Em doentes submetidos a operações de grande porte e gravemente enfermos essa atenção é especialmente importante, pois o volume infundido costuma ser elevado. Classicamente, a orientação para hidratação do doente cirúrgico varia entre 30 a 50 ml/kg de peso corporal. Entretanto, sugerimos que essa hidratação não ultrapasse de 30 ml/kg de peso corpóreo. Adiciona-se que pacientes em uso de dieta oral ou enteral podem ficar sem hidratação venosa, salvo existir alguma explicação plausível para isso (8).

Em muitas intervenções cirúrgicas de médio porte podemos dispensar a hidratação venosa no pós-operatório, como nas herniorrafias, hemorroidectomias, dentre outras. Estas são situações onde logo após a operação o paciente pode alimentar-se e por isso, não precisa de fluidos intravenosos. No caso de necessidade de aplicação de medicamentos endovenosos, um acesso venoso periférico pode ser deixado por meio de um scalp bloqueado com solução salina ou heparina. Portanto, sem necessidade de prescrição de soros endovenosos (7).

Um estudo do nosso grupo mostrou que o volume total de hidratação pode aumentar em até 25% o volume prescrito sob a forma de soros, se for incluído o volume de diluentes e de medicações injetáveis (9). Portanto, precisa-se de mais esse cuidado durante a prescrição.

Em conclusão, a oferta em excesso de fluidos intravenosos em cirurgia leva a complicações. A administração endovenosa de soro fisiológico sem indicação ou necessidade pode ampliar as complicações. Pacientes com introdução precoce de alimentação por via oral ou enteral, teoricamente, não precisam receber “soro na veia”, salvo se existir uma boa explicação individualizada.

José Eduardo de Aguilar-Nascimento

Professor Titular do Departamento de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Responsável pelo grupo de pesquisa em Nutrição e Cirurgia da UFMT e autor do projeto ACERTO (Aceleração da Recuperação Total Pós-operatória)

Acesse os demais conteúdos do curso:

Rompendo Paradigmas em Nutrição Pré e pós-Operatória

Referências:

1. Varadhan KK, Lobo DN. A meta-analysis of randomized controlled trials of intravenous fluid therapy in major elective open abdominal surgery: Getting the balance right. Proc Nutr Soc 2010; 69:488-98.

2. Nygren J, Thorell A, Ljungqvist O. Are there any benefits from minimizing fasting and optimization of nutrition and fluid management for patients undergoing day surgery? Curr Opin Anaesthesiol. 2007; 20(6):540-4.

3. Aguilar-Nascimento JE, Bicudo – Salomão A, Caporossi C, Silva RM, Cardoso EA, Santos TP. Volume de fluído intravenoso e alta hospitalar precoce em colecistectomia aberta. Rev Col Bras Cir 2007; 34(6):381-4.

4. Brandstrup B, Tonnesen H, Beier-Holgersen R et al Effects of intravenous fluid restriction on postoperative complications: Comparison of two perioperative fluid regimens.A randomized assessor-blinded multicenter trial. Ann Surg 2003; 238(5):641-648.

5. Aguilar-Nascimento JE, Nadaf BD, do Carmo AV, Silveira EA, Silva. RM. Clinical benefits after the implementation of a protocol of restricted perioperative intravenous crystalloid fluids in major abdominal operations. World J Surg 2009; 33(5):925-30.

6. Chappell D, Jacob M, Hofmann-Kiefer K, Conzen P, Rehm M. A rational approach to perioperative fluid management. Anesthesiology 2008; 109(4):723-40.

7. British consensus guidelines on intravenous fluid therapy for adult surgical patients – Giftasup. http://www.bapen.org.uk/pdfs/bapen_pubs/giftasup.pdf

8. Bicudo-Salomão A, Oliveira S. Hidratação venosa perioperatoria. ACERTO 2ª Edição. 2011, Editora Rubio. Pg 99-114.

9. Aguilar-Nascimento JE, Diniz BD, Neves JS. [Difference between intravenous crystalloid fluids prescribed and infused in patients during early postoperative period]. Rev Col Bras Cir 2010; 37(1):6-9.

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