Complementaridade de Nutrição Enteral com Parenteral: O que sabemos hoje?

Postado em 30 de março de 2012

Segundo a ESPEN, European Society of Enteral and Parenteral Nutrition, a terapia de nutrição parenteral (TNP) pode ser utilizada em associação a via enteral quando não se consegue atingir as necessidades energéticas dos pacientes e esta associação deve ser feita de maneira precoce. A última diretriz desta sociedade recomenda que todos os pacientes críticos incapazes de receber o alvo energético por via enteral depois de 2 dias da internação devem complementar com TNP (1). A justificativa para essa recomendação é que a oferta insuficiente de nutrientes, para o doente crítico nos primeiros 8 a 12 dias, resultaria em piora do estado nutricional, que poderia acarretar um maior número de complicações associadas à desnutrição.

Já a ASPEN, American Society of Enteral and Parenteral Nutrition, recomenda aguardar 7 dias após a admissão na unidade de terapia intensiva (UTI) antes de indicar o uso de nutrição parenteral associada ou exclusiva para doentes críticos sem evidências de desnutrição. Apenas para os enfermos desnutridos que não possam receber nutrição enteral é que a TNP deve ser iniciada de maneira mais precoce. Esta recomendação foi baseada no efeito negativo do uso de TNP precoce (utilizada na primeira semana) em duas metanálises (2).

O estudo belga EPaNIC, multicêntrico, randomizado e controlado comparou a iniciação precoce da nutrição parenteral, conforme as diretrizes europeias, com seu início tardio, conforme diretrizes americanas e canadenses. O estudo foi realizado em adultos em UTI para complementar a nutrição enteral insuficiente.

Neste estudo, em 2312 pacientes a nutrição parenteral foi iniciada dentro de 48 horas após a internação na UTI, enquanto que em 2328 pacientes a nutrição parenteral foi iniciada apenas após o sétimo dia. Um protocolo para o início precoceda nutrição enteral foi aplicado aos dois grupos, assim como um protocolo para normalização glicêmica.

Observou-se que nos pacientes do grupo tardio houve aumento relativo de 6,3% na probabilidade de receber alta da UTI (p=0,04) e do hospital (p=0,04), portanto mais precocemente, sem evidência de diminuição do estado funcional (como dificuldade de deambular, redução de forca, dificuldade em realizar tarefas cotidianas como tomar banho, escovar os dentes, etc) na alta hospitalar. As taxas de mortalidade na UTI e no hospital e as taxas de sobrevivência em 90 dias foram semelhantes nos dois grupos. Os pacientes do grupo que utilizou a nutrição parenteral tardia (NPT), quando comparados com o grupo que utilizou nutrição parenteral precoce, tiveram menos infecções durante a permanência na UTI (22,8% vs 26,2%, p=0,008) e uma menor incidência de colestase (p<0,001). Além disso, o grupo que utilizou NPT tardia teve uma redução relativa de 9,7% na proporção de doentes que necessitaram de ventilação mecânica por mais de dois dias (p=0,006), redução média de três dias na duração da terapia de substituição renal (p=0,008), e uma redução média de custos de cerca de R$ 2.600,00 (p=0,04). Sendo assim, a conclusão do estudo foi que o início tardio da nutrição parenteral foi associado com uma recuperação mais rápida e com menos complicações, em comparação com o início precoce.

Algumas críticas foram levantadas sobre a metodologia adotada no EPaNIC: a progressão muito lenta da alimentação enteral, a grande quantidade de calorias administradas por dia e o uso excessivo e inapropriado de TNP. Afinal, 62% dos pacientes avaliados estavam em pós-operatório de cirurgia cardíaca e permaneceram na UTI por menos de 4 dias e, portanto, não teriam indicação de receber terapia nutricional.

Estudos anteriores já demonstraram que pacientes que são hiperalimentados durante a primeira semana na UTI têm aumento da taxa de infecções, bem como maior permanência na UTI e hospitalar. A meta energética não foi avaliada por calorimetria indireta, mas sim, fornecendo 25 kcal/kg/dia para todos os pacientes, inclusive os obesos que receberam 1,2 vezes mais energia do que os pacientes com peso normal. Isto resultou em um subgrupo de pacientes superalimentados. Portanto, é provável que as complicações observadas estejam relacionadas à hiperalimentação.

Diferentemente do EPaNIC, um estudo Suíço, comparou pacientes que permaneceram na UTI por mais de 5 dias e que receberam nutrição enteral já no primeiro dia. No quarto dia, apenas os pacientes que não puderam tolerar mais de 60% de suas necessidades, medidas pela calorimetria indireta, foram randomizados para continuarem em nutrição enteral ou receberem suplementação por TPN para chegar a 100% das suas necessidades. Nos pacientes que receberam TNP suplementar houve redução significativa de novas infecções, da duração da ventilação mecânica, e da administração de antibiótico. Concluiu-se, portanto, que a associação de TNP com NE é benéfica em pacientes com falha na progressão de nutrição entérica durante os primeiros três dia na UTI (4).

Assim, o uso complementar de TNP ainda permanece controverso com base nas evidências atuais. Todavia, parece que os maus resultados do EPaNiC estão relacionados à indicação inadequada e ao uso inapropriado da TNP. Assim sendo, desde que bem indicada e conduzida, a terapia de nutrição parenteral associada à nutrição enteral insuficiente parece ser uma boa alternativa para o doente crítico. Porém, ainda não sabemos ao certo o melhor momento para sua indicação.

Melina Castro

Médica Nutróloga pela FMUSP. Doutoranda pelo departamento de Gastrocirurgia da FMUSP. Especialista em Medicina Esportiva pela UNIFESP.

Referências:

1. Singer P, Berger MM, Van den Berghe G, Biolo G, Calder P, Forbes A, Griffiths R, Kreyman G, Leverve X, Pichard C, ESPEN. ESPEN Guidelines on Parenteral Nutrition: intensive care. Clin Nutr. 2009 Aug;28(4):387-400.

2. McClave SA, Martindale RG, Vanek VW, McCarthy M, Roberts P, Taylor B, Ochoa JB, Napolitano L, Cresci G; A.S.P.E.N. Board of Directors; American College of Critical Care Medicine; Society of Critical Care Medicine. Guidelines for the Provision and Assessment of Nutrition Support Therapy in the Adult Critically Ill Patient: Society of Critical Care Medicine (SCCM) and American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (A.S.P.E.N.). JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2009 May-Jun;33(3):277-316.

3. Casaer MP, Mesotten D, Hermans G, Wouters PJ, Schetz M, Meyfroidt G, Van Cromphaut S, Ingels C, Meersseman P, Muller J, Vlasselaers D, Debaveye Y, Desmet L, Dubois J, Van Assche A, Vanderheyden S, Wilmer A, Van den Berghe G. Early versus late parenteral nutrition in critically ill adults. N Engl J Med. 2011 Aug 11;365(6):506-17.

4. Singer P, Pichard C. Parenteral nutrition is not the false route in ICU. Clin Nutr. 2011 Dec 19.

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