Diretriz brasileira para manejo da obesidade e prevenção de doenças cardiovasculares

Postado em 21 de outubro de 2025

Diretriz nacional reúne cinco sociedades médicas e propõe abordagem integrada para o manejo da obesidade e prevenção de doenças cardiovasculares.

Nas últimas quatro décadas, a prevalência da obesidade mais que dobrou. Atualmente, a condição afeta mais de um bilhão de pessoas ao redor do mundo, e 31% da população adulta brasileira.

Embora muitas pessoas associem a obesidade principalmente a questões estéticas, é na saúde que seus impactos se tornam mais profundos e preocupantes. 

Particularmente, na saúde cardiovascular, a obesidade aumenta fatores de risco tradicionais – como diabetes, dislipidemias e hipertensão arterial – além de influenciar o estado inflamatório, induzido pela adiposidade na estrutura e funções cardíacas. Evidências cumulativas indicam a obesidade abdominal como maior ponto de atenção.

Obesidade e Prevenção de Doenças Cardiovasculares

Fonte: Canva

Nesse cenário alarmante, urge a necessidade de diretrizes atualizadas para o tratamento da obesidade, levando em consideração sua íntima relação com as doenças cardiovasculares. Em nova declaração de posicionamento, cinco sociedades médicas brasileiras (ABESO, SBD, SBEM, SBC e ABS) tiveram essa missão.

 A seguir, confira as principais recomendações dos especialistas.

Definindo o risco cardiovascular 

Em primeiro lugar, os autores estabelecem que todos os indivíduos adultos com sobrepeso ou obesidade devem ser avaliados e categorizados quanto ao risco de Doença Aterosclerótica Cardiovascular (DASCV) e à Insuficiência Cardíaca (IC).

Indica-se o escore de risco PREVENT para avaliação do risco CV em pessoas com IMC < 40 kg/m² e idade entre 30 e 79 anos, que estejam em prevenção primária. O escore deve ser utilizado no modo que inclui o valor da HbA1c, utilizando o risco DASCV total e o risco IC (insuficiência cardiovascular) em 10 anos.

Ademais, recomenda-se categorizar o risco cardiovascular dos indivíduos com obesidade e sobrepeso conforme a tabela abaixo.

Risco DASCVDefinição
BAIXO 

<5% em 10 anos

– Pessoas com sobrepeso ou obesidade com IMC < 40 kg/m² e idade menor que 30 anos, que não apresentem nenhum fator de risco CV.

– Indivíduos com sobrepeso ou obesidade com idade ≥ 30 anos, com risco CV total pelo escore PREVENT menor que 5% em 10 anos.

MODERADO 

5 a 20% em 10 anos

– Pessoas com sobrepeso ou obesidade, com IMC < 40 kg/m² que nunca tiveram eventos CV, com 1 ou mais fatores de risco (hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes tipo 2). 

– Pessoas com sobrepeso ou obesidade com IMC ≥ 40 kg/m² em prevenção primária, sem doença CV total pelo escore PREVENT entre 5% e < 20% em 10 anos.

ALTO 

> 20% em 10 anos

– Doença coronariana crônica confirmada, angina estável, infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico ou acidente isquêmico transitório (AIT), doença arterial obstrutiva periférica (DAOP), revascularização ou angina estável com hipertensão arterial. 

– Prevenção primária, com risco CV total pelo escore PREVENT maior ou igual a 20% em 10 anos. 

– Diabetes tipo 2 há mais de 10 anos. 

– Doença renal crônica 3a.

– Escore de cálcio coronário (CAC) ≥ 100 Ag (sem diabetes) e CAC > 10 Ag (com diabetes), Lp (a) ≥ 50 mg/dL ou Lp(a) ≥ 125 nmol/L, HDL ou LDL > 190 mg/dL.

RISCO ALTO IC 

> 20% em 10 anos

– IMC > 40 kg/m², mesmo assintomáticos. 

– Pessoas com obesidade, diabetes e hipertensão associadas. 

– Apneia obstrutiva do sono (AOS) grave. 

– Fibrilação atrial. 

– Doença renal crônica grau 3b.

– NTproBNP/BNP elevados. 

– Escore PREVENT para IC em 10 anos igual ou maior que 20%. 

– DASCV estabelecida.

– Sintomas sugestivos de IC.

Por fim, deve ser considerado o rastreamento para Insuficiência Cardíaca através da dosagem dos peptídeos atriais (NT-proBNP ou BNP) ou por método de imagem em pessoas com risco IC alto.

Metas de perda de peso

Para redução de fatores de risco: recomenda-se a redução sustentada de pelo menos 5% do peso, em indivíduos adultos com sobrepeso ou obesidade e risco DASCV moderado.

Para redução de eventos cardiovasculares: deve ser considerada a redução sustentada de pelo menos 10% do peso máximo já atingido na vida, em indivíduos adultos, com sobrepeso ou obesidade com risco DASCV moderado/alto.

Para complicações associadas à fibrilação atrial: recomenda-se a redução sustentada de pelo menos 10% do peso em indivíduos com obesidade e fibrilação atrial (FA) paroxística ou permanente.

Para indivíduos com apneia obstrutiva do sono moderada a grave, a perda de peso pode melhorar ou até promover a remissão da apneia. Já para indivíduos com IC, o emagrecimento melhora a qualidade de vida, a função cardíaca e a capacidade para o exercício.

Mudanças de estilo de vida: reduzindo fatores de risco e eventos cardiovasculares

A adoção de mudanças de estilo de vida, incluindo dieta saudável e atividade física, é recomendada para todas as pessoas com sobrepeso ou obesidade, independentemente do risco CV. O objetivo é reduzir o peso, melhorar a saúde, a qualidade de vida e prevenir doenças. 

O aconselhamento nutricional deve focar em:

  • Redução do tamanho das porções
  • Aumento da ingestão de frutas, verduras e hortaliças
  • Redução de consumo de álcool e alimentos ultraprocessados
  • Déficit  energético inicial de 500-750 kcal/dia (a ser ajustado para o peso corporal e atividades individuais)
  • Consumo variado de macronutrientes, especialmente proteínas, para evitar a sarcopenia e as deficiências nutricionais

Estes objetivos podem ser alcançados com padrões alimentares ricos em alimentos in natura e minimamente processados, como as dietas mediterrânea e DASH. Entretanto, devem ser adaptadas às preferências alimentares, aspectos socioeconômicos e culturais brasileiros.

Manejo farmacoterápico na obesidade

Nem sempre mudanças no estilo de vida são suficientes para alcançar e manter uma perda de peso clinicamente significativa. Nesses casos, o tratamento farmacológico pode ser um importante aliado.

Segundo a nova diretriz, o uso de agonistas do receptor de GLP-1 (como liraglutida e semaglutida) e dos coagonistas dos receptores GLP-1/GIP (como tirzepatida) é recomendado para indivíduos adultos com sobrepeso ou obesidade e risco DASCV moderado ou alto.

Quando não for possível iniciar ou manter o tratamento com esses fármacos, podem ser consideradas outras medicações antiobesidade que apresentem eficácia e segurança cardiovascular comprovadas.

Entre as evidências, destacam-se:

– Semaglutida 2,4 mg (subcutânea): recomendada para pessoas com IMC ≥ 27 kg/m², sem diabetes, mas com doença cardiovascular estabelecida, reduzindo o risco de morte CV, infarto e AVC.

– Liraglutida, dulaglutida ou semaglutida (nas formas subcutânea ou oral): indicadas para indivíduos com diabetes tipo 2 e risco DASCV alto, para redução de eventos cardiovasculares.

– Semaglutida 1,0 mg: pode ser usada em pacientes com diabetes tipo 2 e doença renal crônica com taxa de filtração glomerular ≥ 25ml/min/1,73m², para reduzir eventos cardiorrenais.

– Tirzepatida ou liraglutida: podem ser consideradas para pessoas com obesidade e apneia obstrutiva do sono moderada ou grave, em combinação à mudanças de estilo de vida, contribuindo para a redução da gravidade ou até remissão da condição.

– Semaglutida (2,4 mg/semana) ou tirzepatida (5–15 mg/semana): recomendadas para pacientes com obesidade e insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada, ajudando na perda de peso e na melhora da qualidade de vida.

Por outro lado, o uso de sibutramina não é recomendado para pacientes com risco DASCV alto, devido ao aumento do risco de infarto, AVC, dentre outras complicações observadas em estudos.

Para conferir as recomendações completas, baixe o infográfico: 

Tratamento da obesidade e suas complicações baseado no risco cardiovascular

Quando indicar cirurgia bariátrica?

Indica-se cirurgia bariátrica para indivíduos com IMC ≥ 35 kg/m² e risco DASCV moderado/alto ou risco IC alto, quando o tratamento clínico disponível for insuficiente para perda de peso e melhora de fatores de risco CV de forma sustentada.

Pode-se considerar cirurgia bariátrica em pacientes com IMC ≥35 kg/m² e IC estabelecida para promoção de perda de peso, melhora de fatores de risco e sintomas relacionados à IC, devendo ser avaliada com cautela e de acordo com o risco cirúrgico do paciente.

Acesse a diretriz completa

Como visto, o guideline desenvolvido em colaboração entre cinco das principais sociedades médicas brasileiras aborda diversos fatores para o tratamento da obesidade e prevenção de doenças cardiovasculares.

Clique aqui para acessar o material completo.

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Referência:

Saraiva JFK, Valerio CM, Rached FH, van de Sande-Lee S, Giraldez VZR, Valente F, et al. Diretriz Brasileira Baseada em Evidências de 2025 para o Manejo da Obesidade e Prevenção de Doenças Cardiovasculares e Complicações Associadas à Obesidade: Uma Declaração de Posicionamento de Cinco Sociedades Médicas. Arq Bras Cardiol. 2025; 122(9):e20250621

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