Como diagnosticar a anorexia nervosa?

Postado em 31 de julho de 2024 | Autor: Camila Garcia Marques

Aprenda a diagnosticar a anorexia nervosa, seus subtipos e avaliar sua gravidade.

A anorexia nervosa é um transtorno alimentar com altos riscos para a saúde, que afeta em sua maioria as mulheres. Entretanto, muitos ainda acreditam que a anorexia é definida apenas pelo baixo peso severo, quando, na verdade, existem mais critérios que caracterizam esse distúrbio.

anorexia nervosa

Fonte: Canva.com

Afinal, você sabe como diagnosticar a anorexia nervosa? Quais são os critérios que realmente a definem? Confira a resposta para essas e outras perguntas a seguir.

O que é uma anorexia nervosa?

A anorexia nervosa (AN) é um transtorno alimentar definido pela preocupação generalizada e patológica com o peso e a forma corporal, levando à restrição da ingestão oral, e peso significativamente baixo. Pacientes com AN nutrem um medo excessivo de ganhar peso, uma auto imagem distorcida, e a incapacidade de compreender a gravidade da condição.

Geralmente, a AN inicia-se na adolescência ou início da vida adulta, afetando cerca de 3,6% das mulheres, ou 0,3 a 4% da população geral. 

Os fatores de risco para a anorexia nervosa incluem:

  • Obesidade infantil
  • Sexo feminino
  • Transtornos de humor
  • Traços de personalidade (impulsividade e perfeccionismo)
  • Abuso sexual 
  • Influências familiares ou de colegas em relação ao peso

A etiologia da anorexia nervosa é complexa e multifatorial. Embora haja um claro fator de risco genético, outros fatores ambientais e biológicos também influenciam seu desenvolvimento. 

Por exemplo,  pacientes com AN têm função e estrutura cerebral alteradas, com déficits nos neurotransmissores dopamina e serotonina, ativação diferencial do sistema corticolímbico e atividade diminuída entre os circuitos frontoestriatais.

Avaliação clínica na investigação da anorexia nervosa

Para avaliar a existência de um quadro de anorexia nervosa, recomenda-se um histórico médico completo, incluindo presença de fatores de risco, sintomas e exames físicos e laboratoriais.

Durante a anamnese, o profissional de saúde deve questionar ao paciente quanto:

  • Comportamentos restritivos relacionados à comida (ingestão muito abaixo das necessidades, contagem de calorias, controle de porções)
  • Comportamentos compulsórios (jejum, vômito autoinduzido, uso de laxantes ou diuréticos)
  • Histórico menstrual e presença de amenorreia
  • Sintomas físicos de baixo peso (intolerância ao frio, fadiga, tontura ou desmaio, dor no peito e palpitações)
  • Hábitos de exercício físicos (geralmente compulsórios e por longos períodos)

Já durante o exame físico, sinais a serem observados incluem palidez, pelos lanugos, desidratação (membranas mucosas, turgor da pele), dentição ruim e aumento da glândula parótida. O exame também deve incluir a aferição do peso e da altura. 

Ademais, exames de sangue podem ser usados ​​para avaliar o risco físico de baixo peso quanto outros possíveis diagnósticos médicos, embora não sejam mandatórios. São exemplos:

  • Hemograma completo (anemia, trombocitopenia e baixa contagem de glóbulos brancos são comuns, representando uma resposta da medula à fome)
  • Ureia e eletrólitos (os níveis de potássio e sódio podem estar desequilibrados e o risco de desequilíbrio eletrolítico e efeitos colaterais cardíacos pode ser agravado pelo vômito; os níveis de ureia são frequentemente elevados)
  • Testes de função hepática (elevação da alanina aminotransferase é comum na fome)

Finalmente, recomenda-se a realização de um eletrocardiograma para avaliar bradicardia, QTc prolongado e outras arritmias com risco de vida.

Como diagnosticar anorexia nervosa?

O diagnóstico da anorexia nervosa é ditado pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana, atualmente em sua 5ª edição (DSM-5). 

Deste modo, os critérios diagnósticos da AN são:

  1. Restrição da ingestão de energia em relação às necessidades, levando a um peso corporal significativamente baixo no contexto de idade, sexo, trajetória de desenvolvimento e saúde física.
  2. Medo intenso de ganhar peso ou de engordar, ou comportamento persistente que interfere no ganho de peso, mesmo com um peso significativamente baixo.
  3. Perturbação na maneira como o peso ou a forma corporal são vivenciados, influência indevida do peso ou da forma corporal na autoavaliação, ou persistente falta de reconhecimento da seriedade do baixo peso corporal atual.

Subtipos de anorexia nervosa

Além dos critérios diagnósticos, o DSM-5 também fornece a classificação da anorexia nervosa em dois subtipos:

AN de subtipo restritivo: quando, durante os últimos 3 meses, o indivíduo não teve episódios recorrentes de comportamentos compulsivos ou purgativos. A perda de peso é alcançada através de dietas, jejuns e/ou atividades físicas para perder peso.

AN de subtipo compulsivo-purgativo: quando, durante os últimos 3 meses, o indivíduo teve episódios recorrentes de comportamentos compulsivos ou purgativos (vômitos, abuso de laxantes e diuréticos ou enemas).

Gravidade da anorexia nervosa

Finalmente, podemos classificar a AN de acordo com sua gravidade:

  • AN Leve: IMC ≥ 17 kg/m²
  • AN Moderada: IMC 16 a 16,99 kg/m²
  • AN Grave: IMC 15 a 15,00 kg/m²
  • AN Extrema: IMC < 15 kg/m

Para crianças e adolescentes, recomenda-se usar o percentil de IMC.

Vale ressaltar a existência da anorexia nervosa atípica, onde todos os critérios para AN são preenchidos, mas o peso do indivíduo está dentro ou acima do padrão (mesmo com  perda de peso). 

Cuidados no diagnóstico da anorexia nervosa

Para o diagnóstico assertivo da anorexia nervosa, um olhar cuidadoso é sempre necessário. Além da perda de apetite por conta de medicamentos, outras condições que podem causar perda de peso excessiva ou redução da ingestão alimentar incluem:

– Problemas de saúde mental ou disfunção psicológica: depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de ingestão alimentar restritiva/evitativa. uso indevido de substâncias ilícitas.

– Patologias intestinais: doença inflamatória intestinal, doença celíaca, síndrome de má absorção.

– Doenças médicas sistêmicas: diabetes mellitus, doença de Addison, disfunção da tireoide, lúpus eritematoso sistêmico, doenças malignas, infecção.

Tratamento e prognóstico da anorexia nervosa

O tratamento para anorexia nervosa é centrado na reabilitação nutricional e na psicoterapia. Para aqueles que estão clinicamente estáveis, a terapia familiar é o tratamento de primeira linha para crianças e jovens, enfatizando o papel da família em ajudar o jovem a se recuperar. 

Pacientes que precisam de tratamento hospitalar podem ter as seguintes características:

  1. Transtornos psiquiátricos que exigem hospitalização
  2. Alto risco de suicídio (exemplo: tentativas anteriores)
  3. Falta de sistema de apoio 
  4. Acesso limitado à programas de tratamento
  5. Medicamente instável (bradicardia, desidratação, hipoglicemia ou diabetes mal controlado, hipocalemia ou outros desequilíbrios eletrolíticos indicativos de síndrome de realimentação, hipotermia, hipotensão, comprometimento de órgãos que exigem tratamento agudo)
  6. Pouca motivação para se recuperar 
  7. Comportamentos de purgação persistentes, graves e que ocorrem várias vezes ao dia
  8. Anorexia nervosa grave 
  9. Alimentação supervisionada e/ou alimentação especializada (sonda nasogástrica) necessária

Em termos de prognóstico, estima-se que 50% dos pacientes alcançam recuperação total, 30% melhoram e os 20% restantes permanecem cronicamente doentes.

Conclusão

Em resumo, a anorexia nervosa não é diagnosticada apenas pelo baixo peso. Com objetivo de obter um diagnóstico preciso, é essencial considerar outros critérios, incluindo restrição alimentar severa, medo intenso de ganhar peso e uma percepção distorcida do próprio corpo. 

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Referências

Christine A. Moore; Brooke R. Bokor. Anorexia Nervosa. National Library of Medicine, 2023.

Neale J, Hudson LD. Anorexia nervosa in adolescents. Br J Hosp Med (Lond). 2020 Jun 2;81(6):1-8. doi: 10.12968/hmed.2020.0099. Epub 2020 Jun 1. PMID: 32589532.

Timerman F, dos Santos JE. Critérios Diagnósticos para Transtornos Alimentares de acordo com o DSM-5 (APA, 2013).

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