Obtêm-se maior oferta parenteral de ácidos graxos ômega-3 com a infusão de emulsões lipídicas (EL) contendo óleo de peixe (OP). Estas emulsões são comercialmente disponíveis para uso clínico na Europa, Ásia e América do Sul e podem ser compostas por OP puro ou misturadas com outros óleos como óleo de soja (OS) e de oliva (OO) e enriquecida com triglicérides de cadeia média (TCM) (1).
Apenas uma emulsão é composta exclusivamente por OP. Esta é tradicionalmente administrada na forma de suplemento, totalizando 10% da gordura total. As outras duas EL contendo OP são misturadas com outros óleos em diferentes proporções, sendo: 1) composta por 30% de OS, 30% de TCM, 25% de OO e 15% de OP, na concentração de 20% de gordura; e 2) composta por 50% de TCM, 40% de OS e 10% de OP, também na concentração de 20% de gordura total (2-4).
A fórmula de OP misturada com TCM, OS e OO foi bem tolerada e metabolizada em estudo clínico com voluntários saudáveis. Outros achados indicaram melhor eliminação de triglicerídeos em pacientes recebendo infusão parenteral desta EL por 7-14 dias, comparado àqueles que receberam a infusão de EL padrão de óleo de soja (5,6). Além disso, esta EL parece favorecer a função hepática e preservar a capacidade antioxidante de pacientes internados na UTI (7). Em pacientes cirúrgicos, sua infusão parenteral resultou na rápida incorporação de AG n-3, como ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido docosahexanóico (DHA) em fosfolipídios de membranas de leucócitos e plaquetas, aumentando a razão de EPA/AA (ácido araquidônico, um AG ômega-6) e mediadores lipídicos anti-inflamatórios, como os leucotrienos B5, além de mediadores pró-inflamatórios B4 (LTB5/LTB4). Esta EL também reduziu a concentração de citocinas pró-inflamatórias IL-6, TNF-alfa e sE-selectina e o tempo de internação hospitalar (8, 9).
A infusão parenteral de EL de OP misturado com TCM e OS foi bem tolerada por pacientes cirúrgicos. Sua infusão durante cinco dias no pós-operatório, em comparação com a infusão de EL padrão de OS, foi associada a aumento de níveis de EPA e DHA em fosfolipídios plasmáticos e a incorporação de EPA na membrana de hemácias. Além disso, esta EL modulou favoravelmente a produção de leucotrienos, com aumento de LTB5 e diminuição de LTB4, e dos níveis antioxidantes plasmáticos (10-12). No estudo prospectivo, duplo-cego e controlado realizado por Wichmann e colaboradores, a infusão parenteral desta EL em 256 pacientes submetidos a cirurgia abdominal eletiva, modulou a síntese de LTB5 e promoveu diminuição significativa do tempo de internação hospitalar (10).
Parece que a presença de TCM em EL com OP ajuda a acelerar a depuração e captação extra-hepática de AG n-3 (4). Estudo clínico duplo-cego randomizado conduzido pelo grupo de Carpentier avaliou as diferenças entre a infusão intravenosa de EL com mistura de TCM com OP (80%/20%) comparado a uma emulsão controle com mistura de TCM e OS (80%/20%) durante oito semanas em voluntários saudáveis. A infusão de TCM e OP mostrou aumento significativo na concentração de ácidos graxos não esterificados no plasma e foi associado com maior incorporação de EPA nos fosfolipídios dos leucócitos e das plaquetas, comparado a infusão da emulsão TCM e OS (13).
Postula-se que AG n-3 devem atingir níveis teciduais e plasmáticos adequados para melhor exercerem seus efeitos na modulação imune e inflamatória. Neste sentido, a mistura de OP com TCM surge como alternativa favorável para acelerar a disponibilidade destes AG no plasma e na membrana celular (13).
Atualmente vem sendo questionado o conceito de razão “ideal” de n-6: n-3 versus quantidade total infundida de AG n-3 (8). Neste contexto, ao testar diferentes razões de n-6: n-3, o grupo japonês coordenado por Hagi, identificou que a síntese de LTB5 foi diretamente proporcional à quantidade total de AG n-3 infundida (14). Além disso, Uchiyama e equipe mostraram que pacientes com doença inflamatória intestinal com maior incorporação de AG n-3 na membrana de eritrócitos apresentaram maior remissão da doença (15). Com base nestes resultados, a quantidade total de AG n-3 ofertada parece ser relevante na atenuação da resposta inflamatória e de forma independente da razão ideal de n-3:n-6.
Em resumo, ELs parenterais de OP misturada com outros óleos são infundidas no valor de 10-20% da gordura total e visam fornecer AG essenciais para atingir a razão ideal de n-6: n-3 e favorecer as respostas imunológica e inflamatória. Porém, devemos considerar que a maioria dos estudos clínicos envolvendo infusão destas referidas EL, principalmente em pacientes cirúrgicos, comparou seus efeitos com EL padrão de OS, que é rica em AG n-6 e, portanto, potencialmente inflamatória. Esse fato pode limitar a atribuição dos benefícios encontrados à maior infusão de AG n-3 e não à menor oferta de AG n-6. Estes achados refletem a necessidade de ampliar as investigações científicas com estudos clínicos bem desenhados para apontar as diferenças clínicas com as distintas ELs disponíveis na pratica clínica.
Priscila Garla
Nutricionista especialista em Terapia Intensiva Multidisciplinar pela FAMEMA e Mestranda em Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP.
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