Imunonutrição no Pré-Operatório de Cirurgia Digestiva: Precisamos de mais evidências?

Postado em 16 de março de 2012

Em cirurgia eletiva, a preocupação com o estado nutricional e a intervenção nutricional adequados é capaz de modificar favoravelmente o tratamento no pré-operatório para a obtenção de uma boa evolução no pós-operatório. Uma das estratégias utilizadas é o uso de dieta imunomoduladora, que pode contribuir para a melhora do tratamento de doentes cirúrgicos, que apresentam processos imunológicos, metabólicos e inflamatórios prejudicados pela resposta inflamatória pós-trauma (1,2).

Uma vez identificado o risco e o grau de comprometimento do estado nutricional no período pré-operatório deve ser instituído um planejamento de terapia nutricional. Em pacientes desnutridos candidatos a cirurgias eletivas de grande porte, que apresentam a via digestiva totalmente funcionante, é recomendada a suplementação oral dos nutrientes imunomoduladores, como arginina, ácidos graxos poli-insaturados ômega-3, nucleotídeos e antioxidantes. A quantidade calórica sugerida a ser usada é de 500 a 1000 kcal/dia no período pré-operatório com o intuito de atenuar a resposta inflamatória sistêmica, modular a resposta imune e reduzir as complicações no pós-operatório (2).

No estudo de Gunerhan publicado em 2009, pacientes com câncer gastrintestinal e baixos níveis séricos de pré-albumina, um marcador de desnutrição, foram randomizados e divididos para receberem dieta oral imunomoduladora por sete dias no pré-operatório, dieta enteral padrão ou dieta oral sem suplementação. Os resultados mostraram a melhora dos níveis séricos da pré-albumina somente no grupo que recebeu imunonutrição, no entanto, não houve alteração na incidência de complicações e tempo de internação (3).

A Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabólica (Espen) recomenda que pacientes cirúrgicos com câncer gastrintestinal alto, mesmo sem desnutrição associada, devem ter a cirurgia adiada para a realização de terapia nutricional padrão ou oferta de dieta imunomoduladora por cinco a sete dias no período pré-operatório com o intuito de melhorar a condição nutricional, atenuar a resposta inflamatória sistêmica e reduzir complicações no pós-operatório (4).

Okamoto e colaboradores em 2009, investigaram o efeito da suplementação oral imunomoduladora por sete dias no pré-operatório de pacientes com câncer gástrico. Nestes doentes houve a diminuição da duração da SIRS (Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica) e incidência de complicações infecciosas no pós-operatório. Estes benefícios foram associados à melhora da imunidade celular e manutenção dos níveis de linfócitos CD4+ encontradas no grupo suplementado (5).

Recentemente em 2011, Shirakawa e equipe mostraram que pacientes suplementados com imunonutrição por cinco dias que antecederam a cirurgia duodenopancreatectomia apresentaram diminuição de infecção de ferida operatória e da resposta ao estresse cirúrgico (5).

Metanálise publicada por Waitzberg em 2006, mostrou que pacientes com câncer candidatos a cirurgia eletiva gastrintestinal que receberam 500 a 1000 ml de dieta imunomoduladora por cinco a sete dias no pré e mantida no pós-operatório reduziu a ocorrência de abscesso abdominal, deiscência de anastomose e de complicações respiratórias, independente de desnutrição associada (1). Recentemente, estes resultados foram reforçados na metanálise publicada por Cerantola e seus colegas, que com mesmo desenho metodológico em 21 ensaios clínicos, mostrou a redução de complicações pós-operatórias, infecções e do tempo de internação (6).

Em contrapartida, é sabido que em situações específicas a imunonutrição não deve ser administrada, como por exemplo, no pós-operatório de pacientes nutridos sem risco de complicações (7,8). Em revisão sistemática pacientes cirúrgicos com sepse, que receberam fórmula com arginina, apresentaram resultado desfavorável com aumento na taxa de mortalidade quando comparado ao uso de fórmula padrão. Devido ao risco potencial associado ao uso de dietas suplementadas com arginina em pacientes com sepse, o uso de imunonutrição no pré-operatório não é recomendado nesses pacientes, segundo as diretrizes Canadenses, de 2009 (9).

Até o presente momento, podemos concluir que o uso de dieta imunomoduladora, principalmente no período pré-operatório, pode ser capaz de reduzir incidências de complicações infecciosas, feridas pós-operatórias e tempo de internação. No entanto, a imunonutrição é um universo que ainda deve ser explorado, pois permanece sem respostas importantes para populações específicas de doentes.

Priscila Garla
Nutricionista. Mestranda do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Especialista em Terapia Intensiva Multidisciplinar do Adulto pela Faculdade de Medicina de Marília (Famema).

Referências bibliográficas:

1. Waitzberg DL, Saito H, Plank LD, Jamieson GG, Jagannath P, Hwang TL, et al. Postsurgical infections are reduced with specialized nutrition support. World J Surg, 2006;30(8):1592-604.

2. Braga M, Gianotti L, Vignali A, Schmid A, Nespoli L, Di Carlo V. Hospital resources consumed for surgical morbidity: effects of preoperative arginine and omega-3 fatty acid supplementation on costs. Nutrition. 2005; 21(11-12):1078-86.

3. Gunerhan Y, Koksal N, Sahin UY, Uzun MA, Ekşioglu-Demiralp E. Effect of preoperative immunonutrition and other nutrition models on cellular immune parameters. World J Gastroenterol, 2009; 15(4):467-72.

4. Weimann A, Braga M, Harsanyi L, Laviano A, Ljungqvist O, et al. ESPEN Guidelines Enteral Nutrition: Surgery including organ trasnplantation. Clin Nutr, 2006; 25: 224-44.

5. Okamoto Y, Okano k, ET AL. Attenuation of the Systemic Inflammatory Response and Infectious Complications After Gastrectomy with Preoperative Oral Arginine and x-3 Fatty Acids Supplemented Immunonutrition. World J Surg, 2009; 33:1815–1821.

6. Cerantola Y, Grass F, Cristaudi A. Perioperative Nutrition in Abdominal Surgery: Recommendations and Reality. Gastroenterology Research and Practice, 2011.

7. Heyland DK, Drover J. Does immunonutrition make an impact? It depends on the analysis. Crit Care Med. 2000;28(3):906-7.

8. Braga M, Gianotti L, Gentilini O, Liotta S, Di Carlo V. Feeding the gut early after digestive surgery: results of a nine-year experience. Clin Nutr, 2002; 21(1):59-65.

9. Mudge L, Isenring E, Jamieson GG. Immunonutrition in patients undergoing esophageal cancer resection Diseases of the Esophagus, 2011; 24: 160-165.

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