Pesquisas sugerem que a suplementação de probióticos pode ajudar no tratamento
Introdução
O leite ainda se constitui em um dos alimentos mais importantes em nossa dieta, especialmente no período neonatal, adolescência, gravidez e climatério.
Sua participação na manutenção de nossa saúde, sem dúvida, é muito grande. Especialmente em determinadas regiões da Europa, o consumo de leite e derivados tem-se mostrado essencial há milhares de anos.(1)
O leite é rico em proteínas, gorduras, vitaminas e minerais, além de conter lactose, um dissacarídeo, e outros importantes oligossacarídeos, que funcionam como prebióticos, previnem infecções, modulam a formação do sistema imune e do sistema nervoso central.
Soma-se a isso o fato de que várias bactérias com características probióticas também fazem parte de sua composição, destacando-se as bifidobactérias, os lactobacilos, entre outros. Mesmo em adultos, o leite representa importante fonte de vitaminas, cálcio e ferro.(1)
Nos humanos, a digestão do leite, especialmente da lactose, é extremamente importante nos primeiros anos de vida, quando o aleitamento materno representa a base da nutrição das crianças. Em quase dois terços da população do planeta existe deficiência da produção de lactase, enzima que quebra a lactose em glicose e galactose após os primeiros anos. Esse grupo de indivíduos é proveniente de regiões do planeta onde o hábito de se criar gado e consumir derivados do leite não existia, não havendo diferença, portanto, entre os indivíduos que produziam e os que não produziam lactose. Especialmente nas regiões do norte da Europa, o consumo de leite e derivados representava a base da alimentação, sendo então “selecionados” os indivíduos que produziam lactase mesmo após interrompido o aleitamento natural.(1-3)
A lactose representa um açúcar praticamente exclusivo do leite, embora existam algumas evidências não comprovadas de sua presença em raros vegetais como Achras zapota e Zizyphus jujuba.(1)
Digestão da lactose
A digestão da lactose requer a presença de uma enzima específica, a lactase, uma beta-galactosidase presente na borda em escova dos enterócitos, especialmente no jejuno médio. Tem a capacidade de hidrolisar esse açúcar em dois monossacarídeos, a glicose e a galactose. Na ausência dessa enzima, a lactose não digerida não será absorvida, virando substrato para microrganismos intestinais, que podem então fermentá-la.(1)
A produção da lactase começa a ser notada a partir da oitava semana de gestação, atingindo seu pico no momento do nascimento. Depois de alguns meses de vida, sua atividade já começa a diminuir em pacientes geneticamente predispostos, ressaltando-se que a presença de cerca de 50% de atividade dessa enzima seria suficiente para uma digestão adequada.(1,3)
Genética
A lactase é formada por 1.927 aminoácidos e tem sua produção ligada a um gene LCT, localizado no braço curto do cromossomo 2. A lactase não quebra somente a lactose, mas também a celobiose, celotriose, celotetrose e inclusive celulose. A persistência ou não persistência da atividade da lactase está ligada em caucasianos ao polimorfismo do nucleotídeo único (SNP, do inglês single nucleotide polymorphism) C/T, localizado na parte superior do gene LCT. Neste grupo, a variante CC está ligada à chamada hipolactasia primária do adulto (má digestão da lactose), enquanto as variantes CT e TT estão ligadas à persistência da atividade da lactase. Outros polimorfismos são encontrados em diferentes populações.(1,4)
Sintomas
A má digestão da lactose se caracteriza por uma não quebra da lactose, que por sua vez está associada a uma má absorção de lactose. Quando essa má absorção gera sintomas, falamos em intolerância à lactose. A má digestão da lactose pode ocorrer nas seguintes situações: a) deficiência congênita de lactase, fenômeno muito raro, em que os sintomas se desencadeiam assim que o recém-nascido começa a ser amamentado; b) falta de lactase, em razão da ausência dos dois alelos do gene LCT, hipolactasia primária do adulto, descrita anteriormente, em que ocorre a não persistência da atividade da lactase após alguns anos de vida; e, por fim, c) hipolactasia secundária, em que, por lesão da borda em escova enteral (doença celíaca, Crohn, supercrescimento bacteriano do intestino delgado etc.), a lactase é perdida.(1)
A má digestão pode ou não acarretar intolerância, dependendo da quantidade de lactose consumida (usualmente são toleradas pequenas quantidades de lactose, até 5 g por dose) e da adaptação da microbiota à lactose não digerida.(1)
O excesso de lactose na luz intestinal promove efeito osmótico, podendo gerar diarreia, e sua fermentação pela microbiota presente na luz intestinal pode acarretar fermentação excessiva, gerando gases. Esse processo fermentativo pode ser maior ou menor, dependendo do número de bactérias presentes e do tipo de gás produzido, provocando diarreia ou constipação (a microbiota produtora de metano está relacionada mais com constipação), além de cólicas, distensão e flatulência excessiva.
A alteração da microbiota secundária à lactose em excesso promove disbiose, que pode se relacionar com aumento da permeabilidade intestinal, modificando o eixo cérebro-intestinal, gerando também sintomas extraintestinais, como alteração do sono, enxaqueca, artralgia, mialgia etc. Os sintomas podem aparecer horas após o consumo da lactose. Isto, somado ao fato de a lactose poder estar presente em vários produtos que não são derivados do leite, pode dificultar o diagnóstico dessa intolerância.(1,5)
O diagnóstico pode ser feito pela história clínica, etnia (existem relatos de que quase 100% dos japoneses não digerem lactose), teste respiratório com hidrogênio expirado, biópsias de duodeno com avaliação da atividade da lactase, pesquisa genética de SNP C/T (que ajuda na diferenciação também entre os casos primários e secundários) e, o mais utilizado, teste sanguíneo. Este, após a ingestão de dose padrão de lactose, avalia a elevação da glicemia obtida, que, quando inferior a 20 mg/100 mL, indica má digestão. Havendo sintomas, o diagnóstico de intolerância pode ser feito.(1)
Tratamento
O tratamento consiste na interrupção de ingestão de produtos com lactose, estratégia que pode acarretar deficiência nutricional, principalmente de vitaminas do complexo B, ferro, cálcio e vitamina D, especialmente em crianças em idade de crescimento, adolescentes, grávidas e mulheres no climatério. É importante lembrar que a lactose também pode ser encontrada em vários alimentos que não derivados do leite, propiciando que o paciente ingira o açúcar de forma inadvertida. Podem ser utilizados derivados lácteos sem lactose. Importante arma consiste na suplementação de lactase quando da ingestão de lactose. Pode-se ainda utilizar antibióticos se houver supercrescimento bacteriano, ou a suplementação com probióticos.
A deficiência de lactase e suas consequências levam a um estado de disbiose. A correção desse desequilíbrio pode ser obtida com a suplementação desses microrganismos, em especial os Lactobacilli, mais especificamente da espécie acidophilus. Estes são sabidamente produtores de grande quantidade de beta-galactosidase, uma lactase, além de serem importantes para o restabelecimento da eubiose perdida com a má digestão desse dissacarídeo, restabelecendo a permeabilidade intestinal perdida com o estado de desequilíbrio da microbiota.(1,6,7)
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A Redação Nutritotal é formada por nutricionistas, médicos e estudantes de nutrição que têm a preocupação de produzir conteúdos atuais, baseados em evidência científicas, sempre com o objetivo de facilitar a prática clínica de profissionais da área da saúde.
Referências
- Fassio F, Facioni MS, Guagnini F. Lactose Maldigestion, Malabsorption, and Intolerance: A Comprehensive Review with a Focus on Current Management and Future Perspectives. Nutrients. 2018;10(11):1599.
- Ugidos-Rodríguez S, Matallana-González MC, Sánchez-Mata MC. Lactose malabsorption and intolerance: a review. Food Funct. 2018;9(8):4056-68.
- Mattar R, de Campos Mazo DF, Carrilho FJ. Lactose intolerance: diagnosis, genetic, and clinical factors. Clin Exp Gastroenterol. 2012;5:113-21.
- Campbell AK, Waud JP, Matthews SB. The molecular basis of lactose intolerance. Sci Prog. 2005;88(Pt 3):157-202.
- Kim HS, Gilliland SE. Lactobacillus acidophilus as a dietary adjunct for milk to aid lactose digestion in humans. J Dairy Sci. 1983;66(5):959-66.
- Montes RG, Bayless TM, Saavedra JM, et al. Effect of milks inoculated with Lactobacillus acidophilus or a yogurt starter culture in lactose-maldigesting children. J Dairy Sci. 1995;78(8):1657-64.
- Oak SJ, Jha R. The effects of probiotics in lactose intolerance: A systematic review. Crit Rev Food Sci Nutr. 2019:1-9.
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