Nutrição de precisão: a ciência que personaliza a saúde de cada paciente.
Com muita frequência, pacientes em busca de diversos objetivos recorrem às dietas da moda, incluindo aquelas propagadas na internet, nas mídias televisivas, por influencers, familiares ou colegas. Essa prática, já amplamente desencorajada, torna-se ainda mais questionável à luz da nutrição de precisão.

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Mas, afinal, o que é a nutrição de precisão e por que ela é tão importante? É exatamente isso que iremos descobrir hoje.
O que é a nutrição de precisão?
A nutrição de precisão é uma área emergente de pesquisa nutricional, que se concentra em entender a variabilidade metabólica dentro e entre indivíduos, e ajuda a desenvolver planos e intervenções dietéticas personalizadas para manter a saúde individual ideal.
Ela pressupõe que cada pessoa responderá de forma diferente, e que suas necessidades energéticas e alimentares são distintas umas das outras.
A nutrição de precisão é uma disciplina relativamente nova, e isso se reflete em sua nomenclatura. Não há uma definição universalmente aceita para os termos “nutrição de precisão” ou “nutrição personalizada”, e muitas vezes eles são utilizados de forma intercambiável.
De qualquer forma, o National Institutes of Health (NIH) dos Estados Unidos reconhece e identifica a nutrição de precisão como uma área-chave de pesquisa na busca pela saúde ideal.
Qual é o contexto do surgimento da nutrição de precisão?
As condições de saúde relacionadas à nutrição são crescentes, incluindo obesidade e doenças cardiovasculares. Nos últimos anos, surgiu a ideia de que as abordagens atuais para gerenciar tais condições não levam em consideração a variabilidade interindividual.
Por exemplo, as evidências para recomendações de diretrizes dietéticas são frequentemente obtidas de estudos epidemiológicos ou clínicos de grande porte, nos quais médias ou pontos de corte genéricos são feitos na tentativa de fornecer aconselhamento nutricional em nível populacional.
Essa generalização, embora prática, não consegue capturar a natureza individualizada dos efeitos biológicos da nutrição.
Nesse sentido, sabe-se que a variabilidade individual faz com que cada indivíduo responda de modo diferente à intervenções dietéticas, bem como apresentem diferentes resposta fisiológica ao sal, metabolismo da cafeína, metabolismo de vitaminas, glicemia pós-prandial, dentre muitas outras instâncias.
Tal variabilidade pode ser atribuída a fatores como sexo, origem étnica, genética, características metabólicas, ambiente, composição do microbioma e provavelmente outros fatores ainda a serem descobertos.
Assim, o conceito de nutrição de precisão foi apresentado como uma resposta a esse problema.
Há evidências científicas acerca da nutrição de precisão?
Alguns estudos já mostraram maior adesão ou mudança de comportamento mais eficaz em resposta a abordagens personalizadas. Por exemplo, o Food4Me foi um grande ensaio clínico randomizado controlado que investigou aconselhamento nutricional personalizado versus genérico para induzir mudança de comportamento alimentar.
Após 6 meses, ficou claro que os grupos de aconselhamento personalizado implementaram e sustentaram mais mudanças alimentares consideradas melhores para sua saúde do que o grupo genérico.
O ensaio PREDICT 1 focou em respostas individuais aos alimentos, encontrando variações substanciais nas respostas sanguíneas de glicose e triglicerídeos, mesmo se os indivíduos estiverem comendo refeições idênticas.
Resultados como esses sugerem a promessa de que a personalização nutricional pode melhorar a saúde dos indivíduos em um grau maior do que o aconselhamento genérico em nível populacional.
Entretanto, ainda há uma lacuna de ensaios clínicos bem projetados mostrando resultados consistentes.
Quais parâmetros compõem a nutrição de precisão?
Diversos são os componentes que influenciam a abordagem da nutrição de precisão, desde os parâmetros mais básicos (como exames bioquímicos e antropometria) até os mais complexos (como análise da microbiota intestinal).
A figura abaixo representa um resumo geral dos elementos atualmente relevantes para a nutrição de precisão.

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A seguir, conheça como alguns destes parâmetros influenciam a perda de peso, um dos principais objetivos procurados por pacientes em consultórios de nutrição.
Genômica nutricional
A genômica nutricional (NGx) estuda como os genes influenciam o metabolismo dos nutrientes (nutrigenética) e como os nutrientes afetam a expressão gênica (nutrigenômica).
Seu objetivo é identificar variantes genéticas associadas a doenças relacionadas à dieta e desenvolver estratégias nutricionais para prevenção e tratamento.
A obesidade é uma das condições mais estudadas nesse contexto, por conter forte base genética, com herdabilidade entre 40% e 70%. Estudos identificaram variantes genéticas associadas ao IMC, como o gene FTO, MC4R, APOA5 e LEP. Algumas pesquisas utilizam escores de risco poligênico (PRS) para prever predisposição à obesidade. Além disso, variantes genéticas interagem com fatores ambientais como dieta e atividade física, afetando o fenótipo da obesidade.
O consumo de açúcares e gorduras saturadas tem sido analisado, mostrando que algumas variantes genéticas podem influenciar a resposta metabólica a diferentes dietas.
Intervenções nutricionais personalizadas, baseadas no perfil genético, demonstraram melhores resultados em perda de peso. Estudos indicam que indivíduos com certas variantes genéticas respondem melhor a dietas específicas.
Por exemplo, portadores da variante rs10401670 do gene RETN perderam mais peso em dietas hipocalóricas ricas em gordura. No entanto, algumas pesquisas não encontraram diferenças significativas entre dietas personalizadas e dietas saudáveis genéricas.
Epigenética nutricional
A epigenética refere-se a efeitos genéticos que não envolvem alterações na sequência do DNA, abrangendo processos como metilação do DNA, modificações de histonas e ação de RNAs não codificadores.
A epigenética nutricional investiga como a alimentação influencia a expressão gênica, sendo que estudos em humanos e animais indicam que esses efeitos podem ser transmitidos entre gerações – com a nutrição materna exercendo papel importante no risco de doenças metabólicas, como obesidade, diabetes tipo 2 e síndrome metabólica.
Intervenções com mudanças no estilo de vida, como a adoção da dieta mediterrânea, atividade física ou dietas de baixíssima caloria, alteram os padrões de metilação do DNA – especialmente em genes ligados ao metabolismo lipídico e à inflamação – e podem aproximar esses padrões dos observados em indivíduos de peso normal.
Em alguns casos, intervenções dietéticas reverteram hipermetilações associadas à obesidade, embora resultados variem conforme o tipo de intervenção.
Além disso, os microRNAs (miRNAs) – uma classe de RNAs não codificadores que regulam a estabilidade e a degradação dos mRNAs – também estão associados à obesidade e ao risco de outras doenças metabólicas.
Estudos identificaram vários loci genômicos correspondentes a miRNAs, que se correlacionam com fatores dietéticos e de estilo de vida, contribuindo para a compreensão dos mecanismos que influenciam o peso corporal.
Microbioma
O microbioma, formado por milhões de microrganismos (bactérias, fungos e protozoários), exerce grande influência na saúde.
A composição da microbiota intestinal é fortemente modulada por alimentos indigestíveis, com preferência por carboidratos fermentáveis, enquanto proteínas e aminoácidos servem de substrato para suas enzimas.
Essas bactérias estão associadas ao risco de obesidade, pois indivíduos obesos apresentam alterações específicas na composição e função do microbioma, o qual afeta tanto a extração de energia dos alimentos quanto o gasto e armazenamento energético.
Estudos indicam que pessoas com obesidade costumam ter maior quantidade de Firmicutes e uma razão elevada entre Firmicutes e Bacteroides, sendo que essas bactérias se correlacionam de forma inversa ou positiva com o gasto energético e percentual de gordura corporal.
Pesquisas recentes demonstraram, por exemplo, que a administração de Akkermansia muciniphila pasteurizada aumentou o gasto energético e reduziu peso e gordura em modelos de animais, além de melhorar a integridade da barreira intestinal, a resistência à insulina e a dislipidemia – efeitos que também foram observados em humanos.
Outros estudos identificaram que certas espécies microbianas se correlacionam especificamente com a gordura visceral, e intervenções como a gastrectomia vertical (LSG) alteram a composição do microbioma, aumentando microrganismos benéficos, como algumas espécies do grupo Clostridiales, que são negativamente associados a doenças metabólicas.
Os metabólitos microbianos – como os ácidos graxos de cadeia curta, trimetilamina-N-óxido (TMAO), folato e vitaminas do complexo B – também modulam mecanismos epigenéticos, influenciando a metilação do DNA, modificações de histonas e a atividade de RNAs não codificadores, o que pode afetar a expressão gênica e contribuir para o desenvolvimento de obesidade.
Aplicando a nutrição de precisão ao gerenciamento de doenças
Existem tratamentos dietéticos específicos baseados em dados genéticos que têm sido usados há anos: uma dieta sem glúten para o gerenciamento da doença celíaca, uma dieta sem lactose para aqueles com intolerância à lactose e a evitação de fenilalanina dietética para a fenilcetonúria.
No entanto, a nutrição de precisão está em seus estágios iniciais e é muito cedo para ser introduzida como um tratamento para doenças crônicas na população em geral. Pesquisas estão sendo conduzidas sobre a aplicação da nutrição de precisão para obesidade, síndrome metabólica, certos tipos de câncer e diabetes tipo 2 (DM2).
Por exemplo, o gerenciamento tradicional do DM2 tem como alvo fatores de estilo de vida saudável (exercício, dieta, obtenção de um peso saudável), geralmente com o uso de medicamentos. A nutrição de precisão pode personalizar ainda mais o gerenciamento do diabetes, observando atentamente as seguintes áreas:
- Como o DNA de uma pessoa pode estar relacionado à ingestão e ao metabolismo de certos nutrientes, o que pode prever como uma pessoa responde a uma dieta específica.
- A medição de metabólitos que revelam os padrões alimentares de longo prazo de uma pessoa. A nutrição de precisão verificaria se há uma associação entre a “assinatura” metabólica e seu risco de desenvolver DM2. O teste metabólico usado com nutrição de precisão pode ajudar a determinar como o corpo de uma pessoa responderia a uma dieta específica.
- Descobrir tipos de bactérias intestinais que ajudam a melhorar o controle da glicemia e implementar padrões alimentares que alteram o microbioma de uma pessoa para dar suporte ao crescimento e à manutenção dessas bactérias intestinais específicas.
Limitações da nutrição de precisão
Ainda há algumas questões que precisam ser resolvidas antes que a nutrição de precisão possa ser amplamente colocada em prática.
Primeiro, as abordagens de autorrelato continuam sendo os principais métodos para coletar dados alimentares. A menos que haja uma abordagem objetiva para medir a ingestão alimentar, estimativas precisas da ingestão alimentar (especialmente a longo prazo) são difíceis.
Em segundo lugar, há uma necessidade de integrar melhor várias fontes de dados. O uso de abordagens de aprendizado de máquina está ajudando a abordar a integração de várias fontes de dados.
Em terceiro lugar, o fluxo adequado de dados entre pesquisadores, profissionais e educadores é necessário para a disseminação ou tradução desses resultados. Por exemplo, médicos e nutricionistas precisam de treinamento adequado para poderem prescrever planos de dieta guiados por genótipo para pacientes.
Aspectos éticos e legais da implementação da nutrição de precisão também devem ser considerados, incluindo a proteção da privacidade do consumidor no uso de tecnologias e testes de nutrição de precisão.
Também é importante reconhecer que abordagens personalizadas podem ser acessíveis a apenas um pequeno segmento da população, o que pode ampliar as disparidades de saúde.
Por fim, o aconselhamento adequado dos pacientes é necessário para que eles possam cumprir a dieta personalizada.
Apesar de todas essas ressalvas, a incorporação de abordagens de nutrição de precisão mostra resultados notáveis.
Conclusão
A nutrição de precisão representa uma abordagem inovadora e promissora, que respeita as singularidades de cada indivíduo. Ao personalizar os planos alimentares com base em fatores genéticos, metabólicos e ambientais, ela abre caminho para intervenções mais eficazes e duradouras na promoção da saúde.
Vale lembrar que, apesar das diferenças individuais na resposta metabólica aos alimentos, o aconselhamento dietético personalizado ainda deve estar alinhado com os princípios gerais de nutrição (comer mais frutas e vegetais, consumir menos açúcar adicionado de bebidas açucaradas, limitar o sódio, etc.).
Mesmo diante dos desafios atuais, os avanços científicos e tecnológicos apontam para um futuro onde cuidar da alimentação será cada vez mais ajustado às necessidades pessoais, trazendo mais bem-estar e qualidade de vida para todos.
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Referências:
Kirk D, Catal C, Tekinerdogan B. Precision nutrition: A systematic literature review. Comput Biol Med. 2021 Jun;133:104365. doi: 10.1016/j.compbiomed.2021.104365. Epub 2021 Apr 7. PMID: 33866251.
Voruganti VS. Precision Nutrition: Recent Advances in Obesity. Physiology (Bethesda). 2023 Jan 1;38(1):0. doi: 10.1152/physiol.00014.2022. Epub 2022 Sep 20. PMID: 36125787; PMCID: PMC9705019.
Precision Nutrition. The Nutrition Source. Harvard T.H. Chan. School of Public Health.

A Redação Nutritotal PRO é formada por nutricionistas, médicos e estudantes de nutrição que têm a preocupação de produzir conteúdos atuais, baseados em evidência científicas, sempre com o objetivo de facilitar a prática clínica de profissionais da área da saúde.

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