Existe relação causal entre alteração da microbiota intestinal e obesidade?

Postado em 12 de julho de 2023 | Autor: Natália Lopes

A obesidade pode causar alterações na função da microbiota intestinal e, por sua vez, a microbiota pode modular o estado nutricional.

A obesidade é um problema de saúde pública significativo, responsável por mais de 60% das mortes. Sua prevalência tem aumentado rapidamente em todo o mundo, com cerca de um terço da população mundial apresentando sobrepeso e 10% com obesidade.

Estima-se que até 2030, 1,12 bilhão de pessoas serão afetadas pela condição, representando uma grande ameaça à saúde e à economia.

Sabe-se que a obesidade está relacionada a diversos fatores e o papel da microbiota intestinal em seu desenvolvimento tem sido uma área de estudo promissora.

Achados sugerem que a manipulação da microbiota intestinal pode ter o potencial de promover a perda de peso ou prevenir a obesidade em seres humanos.

microbiota intestinal e obesidade

Foto: shutterstock.com

Mas o que é obesidade?

A obesidade é uma doença crônica, causada pelo desequilíbrio entre a ingestão e o gasto energético, resultando no acúmulo excessivo de gordura no corpo. Está associada a um maior risco de outras doenças, como problemas cardiovasculares, respiratórios, diabetes e câncer.

Sua etiologia é multifatorial e ainda não totalmente elucidada, entretanto, inclui estilo de vida sedentário, hábitos alimentares não saudáveis, predisposição genética e fatores ambientais.

E qual o conceito de microbiota intestinal?

A microbiota intestinal é um complexo ecossistema de microrganismos que coloniza o trato intestinal humano, incluindo bactérias, fungos, vírus e outros organismos.

A composição da microbiota intestinal pode ser influenciada por fatores, como dieta, alimentos fermentados ou ricos em prebióticos. Em um estado saudável, a microbiota intestinal interage de forma harmoniosa com o hospedeiro, desempenhando funções importantes na digestão, absorção de nutrientes, proteção contra microrganismos prejudiciais e regulação do sistema imunológico. No entanto, quando ocorre um desequilíbrio em sua composição (disbiose), podem surgir problemas de saúde, incluindo a obesidade.

Então qual a relação entre obesidade e microbiota intestinal?

A microbiota intestinal desempenha um papel significativo no desenvolvimento e na progressão da obesidade, bem como em outros distúrbios metabólicos, como doença hepática gordurosa não alcoólica e diabetes.

A alteração da microbiota intestinal, supostamente, contribui para a patogênese da obesidade por meio de desequilíbrio da homeostase energética, síntese e armazenamento de lipídios, regulação do apetite e do comportamento alimentar, além de inflamação crônica de baixo grau.

Sabe aquela história: quem vem primeiro, o ovo ou a galinha? Aqui, a história é parecida. A obesidade pode causar alterações na composição e na função da microbiota intestinal, e a microbiota, por sua vez, pode modular o estado nutricional.

No que diz respeito à microbiota, certas bactérias podem facilitar as vias metabólicas associadas à obesidade, além de influenciar tanto a absorção de energia da dieta quanto os genes do hospedeiro que afetam o armazenamento de energia, ou seja, ela desempenha um papel no equilíbrio energético do organismo.

Quais as principais bactérias intestinais que interferem na progressão ou prevenção da obesidade?

As bactérias intestinais desempenham um papel crítico na obesidade. Estudos em camundongos mostraram que a introdução da bactéria Enterobacter cloacae resultou em níveis reduzidos de adiponectina, concentração elevada de proteína de ligação de lipopolissacarídeo, interrupção da tolerância à glicose e ganho de peso.

Já em humanos, em grupos de indivíduos com obesidade, observa-se uma diminuição na diversidade bacteriana e um aumento na proporção Firmicutes/Bacteroidetes em comparação com indivíduos saudáveis. Certos gêneros bacterianos, como Lactobacillus, Fusobacteria e Anaerococcu, por exemplo, encontram-se em maior prevalência, enquanto outros gêneros, como Akkermansia, Bacteroides, Bifidobacterium e Clostridium, foram menos abundantes.

Algumas espécies bacterianas específicas estão associadas ao grau de obesidade e aos níveis de indicadores metabólicos, por exemplo, os gêneros Lactobacillus e Christensenellaceae foram relacionados ao índice de massa corporal (IMC) e a indicadores metabólicos, como colesterol total e triglicerídeos, respectivamente.

Estudos sugerem que além das bactérias, outros microrganismos intestinais, como archaeas intestinais, fungos e vírus, também contribuem para a patogênese da obesidade.

E por quais mecanismos a microbiota intestinal influencia na obesidade?

São vários os mecanismos envolvidos nessa relação:

  • Perda da homeostase energética: A microbiota alterada em indivíduos com obesidade apresenta alteração na absorção de energia dos alimentos ingeridos. Isso ocorre devido ao aumento da expressão de transportadores de nutrientes e enzimas de fermentação, resultando em maior absorção de monossacarídeos e ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs).
  • Gasto de energia: A microbiota intestinal alterada em indivíduos com obesidade modifica o metabolismo de ácidos biliares e AGCCs, o que afeta o gasto energético. A redução dos ácidos biliares prejudica o gasto de energia, enquanto os AGCCs podem ter efeitos contraditórios e requerem mais pesquisas.
  • Síntese e armazenamento de lipídios: A microbiota intestinal alterada contribui para a síntese de lipídios por meio de múltiplos mecanismos. A redução de ácidos biliares promove a lipogênese hepática, e os AGCCs podem ser convertidos em ácidos graxos ou colesterol. Além disso, a microbiota intestinal aumenta a concentração de lipopolissacarídeos (LPS), desencadeando inflamação e resistência à insulina, o que favorece o armazenamento de lipídios.
  • Apetite e comportamento alimentar: A microbiota intestinal influencia o apetite e o comportamento alimentar por meio da produção de metabólitos bacterianos, hormônios intestinais e neurotransmissores. Alguns metabólitos bacterianos podem prolongar a saciedade, enquanto outros afetam a regulação do apetite no hipotálamo. Hormônios intestinais anorexígenos e neurotransmissores também desempenham um papel na regulação do apetite. Além disso, a microbiota intestinal pode afetar o humor e as vias de recompensa, influenciando assim o comportamento alimentar.

Em pacientes que realizaram cirurgia bariátrica, existe alguma modificação na microbiota intestinal?

Sim, a cirurgia bariátrica está associada a mudanças significativas na composição e função da microbiota. Essas mudanças podem desempenhar um papel importante nos efeitos da cirurgia bariátrica, como a regulação do peso corporal e a melhoria da sensibilidade à insulina.

O Guia Brasileiro de Nutrição em Cirurgia Bariátrica e Metabólica destaca que após a cirurgia, a diversidade microbiana intestinal aumenta, e diferentes tipos de cirurgia têm efeitos específicos na microbiota, por exemplo, após a cirurgia de bypass gástrico, constatou-se que houve uma diminuição de Firmicutes, Bifdobacterium spp e Bacteroidetes, e um aumento em Proteobacteria, melhorando os níveis lipídicos e de glicose no sangue.

A interação entre a microbiota intestinal e os ácidos biliares desempenha um papel na melhoria metabólica pós-cirúrgica. O uso de probióticos e prebióticos para modular a microbiota intestinal pode ser considerado, e a manutenção de hábitos alimentares saudáveis é recomendada para maximizar os benefícios da microbiota após a cirurgia bariátrica.

Considerações

Evidências mostram que a composição da microbiota intestinal está relacionada à obesidade, e alterar essa composição pode ser uma estratégia eficaz para alcançar uma perda de peso sustentável. Além disso, consumir alimentos como probióticos, prebióticos, alimentos fermentados, frutas e vegetais, enquanto evita alimentos ricos em gordura saturada e açúcar, pode ser uma abordagem para prevenir e tratar a obesidade.

No entanto, mais pesquisas são necessárias para entender melhor os mecanismos envolvidos nessa associação e determinar o papel exato da microbiota intestinal.

Leia também:

Referência:

Bessa, C. A.; Rossetti, B. S.; Chaves, G. F.; Melo, R. R. C.. Análise da relação entre obesidade e microbiota intestinal: Revisão de literatura. Brazilian Medical Students, São Paulo, Brasil, v. 8, n. 11, 2023.

Cheng Z., Zhang L., Yang L. et al.. The critical role of gut microbiota in obesity. Front. Endocrinol., Sec. Obesity, vol. 13, 2022.

Pereira, S. E.; Rossoni, C.; Cambi, M. P. C.; et al. Brazilian guide to nutrition in bariatric and metabolic surgery. Langenbecks Arch Surg 408, 143, 2023.

Zsálig, D.; Berta, A.; Tóth, V.; et al. A Review of the Relationship between Gut Microbiome and Obesity. Appl. Sci. 2023, 13, 610.

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