Obesidade: causa ou consequência do desequilíbrio na microbiota intestinal?

Postado em 20 de abril de 2012

A crescente prevalência da obesidade tornou-se grave problema de saúde pública em todo o mundo. Segundo a Pesquisa de Orçamento Familiar, 2008-2009 (POF-IBGE), aproximadamente 50% da população brasileira apresenta sobrepeso e 12,5% obesidade (1).

A etiologia da obesidade é complexa e multifatorial, resultando da interação ambiental, estilo de vida, fatores emocionais e alterações da regulação entre ingestão, gasto energético e estoque corporal (2).

Alguns estudos têm associado a microbiota intestinal ao estado inflamatório que ocorre na obesidade. Isso poderia acontecer porque lipopolissacarídeos (LPS) de bactérias da microbiota intestinalliberados, na presença de dieta rica em gordura, seriam fator de deflagração de inflamação (3).

A microbiota intestinal tem funções metabólicas importantes, que influenciam no equilíbrio energético e no controle do peso corporal (4-5). Algumas bactérias, por mecanismos ainda não conhecido, facilitam a passagem de pequenos fragmentos de outras bactérias pela parede dos intestinos. Esses fragmentos, os LPS, atravessam a mucosa intestinal e se aderem aos receptores da superfície de diferentes tipos de células do corpo (3). Estima-se que o corpo humano seja formado por 75 trilhões de células e que abrigue um número 10 vezes maior de microorganismos, na sua maioria anaeróbia, compreendendo cerca de 36.000 espécies bacterianas diferentes (6-8).

A análise de sequências bacterianas RNAr 16S mostrou que aproximadamente 98% de todas as espécies bacterianas pertencem a quatro filos: Firmicutes, Bacteroidetes, Proteobactéria e Actinobactéria. Os 2% remanecentes incluem as Verrucomicrobia, Fusobacteria e o filo TM7. No entanto, a composição da microbiota é composta predominantemente por Bacteroidetes e o filo dos Firmicutes (9). Indivíduos obesos apresentam uma redução na contagem de Bacteroidetes e aumento proporcional de Firmicutes, e esta diferença na composição bacteriana fecal parece ser responsável pela adiposidade (10).

O aumento da proporção de Firmicutes na microbiota parece influenciar o surgimento da obesidade de distintas maneiras. A primeira, por melhorar a capacidade de extrair energia dos alimentos. Algumas espécies de Firmicutes quebram longas moléculas de açúcares (polissacarídeos indigeríveis dietéticos) encontrados em cereais, frutas e verduras, que de outro modo não seriam aproveitados pelo corpo. A segunda é por contribuírem para o desenvolvimento de uma inflamação sutil, típica da obesidade. Há ainda, um terceiro mecanismo que propõe que a microbiota intestinal possa induzir a regulação de genes do hospedeiro que modulam o gasto e armazenamento energético (3).

Os seres humanos têm um número limitado de hidrolases capazes de quebrar ligações glicosídicas, necessárias para digerir polissacarídeos complexos, mas a microbiota intestinal tem grande arsenal dessas enzimas que permite processar esses carboidratos complexos a monossacarídeos e ácidos graxos de cadeia curta. Os polissacarídeos são as principais fontes energéticas das bactérias comensais que colonizam o intestino grosso e conferem a elas uma vantagem competitiva frente às bactérias transitórias e patogênicas (11-13).

Hábitos alimentares são os principais fatores que contribuem para a diversidade da microbiota intestinal humana. A alimentação pobre em fibras e rica em gorduras e carboidratos simples pode alterar o perfil da microbiota intestinal. Hilderandt et al, compararam a microbiota de camundongos magros recebendo uma dieta padrão e posteriormente recebendo uma dieta hipergordurosa. Ao consumirem a dieta hipergordurosa, os camudongos tiveram aumento da presença de Firmicutes e Proteobacteria e diminuição de Bacteroidetes. Resultado semelhante foi observado em camundongos com genótipo presente ou ausente para obesidade, confirmando a hipótese de que a dieta, independente da obesidade, pode alterar o perfil da microbiota intestinal (14).

Com o desequilíbrio da microbiota intestinal, denominado de disbiose intestinal, a microbiota pode desencadear efeitos nocivos devido a suas mudanças qualitativas e quantitativas, incluindo alterações na sua atividade metabólica e em sua distribuição pelo trato gastrointestinal (15).

Sendo assim, se a ingestão alimentar entre dois indivíduos for idêntica e sua microbiota intestinal diferir entre si, a absorção dos nutrientes será facilitada naquele indivíduo cuja microbiota intestinal for mais eficaz na extração energética.

Estudos adicionais são necessários para estabelecer o papel da microbiota intestinal no desenvolvimento da obesidade e de outras comorbidades metabólicas, como o diabetes tipo 2. Ainda não está claro se pequenas alterações na extração energética podem realmente levar a diferenças significativas no peso corporal. Além disso, é essencial maior evidencia para comprovar se as diferenças observadas na microbiota do intestino de pessoas obesas são a causa ou consequência da obesidade. O papel dos prebióticos, probióticos e antibióticos na modulação da microbiota intestinal na obesidade ainda precisam ser explorados.

Lilian Mika Horie
Nutricionista. Especialista em Nutrição Hospitalar pelo HC-FMUSP, Mestre e Doutoranda em Ciências pelo Departamento de Gastroenterologia da FMUSP. Pesquisadora científica do LIM-35 da FMUSP.

Priscila Campos Sala
Nutricionista especialista em Nutrição nas Doenças Crônico-Degenerativas pelo Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein e especialista em Terapia Nutricional Parenteral e Enteral e Nutrição Clínica pelo GANEP. Doutoranda e pesquisadora científica do LIM-35 da FMUSP.

Referências:

1. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008 2009 – Antropometria e Estado Nutricional de Crianças, Adolescentes e Adultos no Brasil. Disponível em: http://www.ibge.gov.br. Acessado em 20/12/2011.

2. Wang Y, Beydoun MA, Liang L, Caballero B, Kumanyika SK. Will all Americans become overweight or obese? Estimating the progression and cost of the US obesity epidemic. Obesity (Silver Spring). 2008;16(10):2323-30.

3. Caricilli AM, Picardi PK, de Abreu LL, Ueno M, Prada PO, Ropelle ER, Hirabara SM, Castoldi A, Vieira P, Camara NO, Curi R, Carvalheira JB, Saad MJ. Gut microbiota is a key modulator of insulin resistance in TLR2 knockout mice. PLos Biology. PLoS Biol. 2011 Dec;9(12):e1001212.

4. DiBaise JK, Zhang H, Crowell MD, Krajmalnik-Brown R, Decker GA, Rittmann BE. Gut Microbiota and Its Possible Relationship With Obesity. Mayo Clin Proc. 2008;83(4):460-9.

5. Frazier TH, DiBaise JK, McClain CJ. Gut microbiota, intestinal permeability, obesity-induced inflammation, and liver injury. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2011;35(5 Suppl):14S-20S.

6. Karagiannides I; Pothoulakis C. Obesity, innate immunity and gut inflamation. Curr opin Gastroenterol. 2007;23: 661-666.

7. O’keefe SJ. Nutrition and colonic health: the critical role of microbiota. Curr Opin Gastroenterol. 2008;24(1):51-8.

8. Cani PD, Delzenne NM, Amar J, Burcelin R. Role of gut microflora in the development of obesity and insulin resistance following high-fat diet feeding. Pathol Biol (Paris). 2008;56(5):305-9.

9. Angelakis E, Armougom F, Million M, Raoult D. The relationship between gut microbiota and weight gain in humans. Future Microbiol. 2012;7:91-109.

10. Turnbaugh PJ, Ley RE, Mahowald MA, Magrini V, Mardis ER, Gordon JI. An obesity-associated gut microbiome with increased capacity for energy harvest. Nature. 2006;444(7122):1027-31.

11. Gill SR, Pop M, Deboy RT, Eckburg PB, Turnbaugh PJ, Samuel BS, Gordon JI, Relman DA, Fraser-Liggett CM, Nelson KE. Metagenomic analysis of the human distal gut microbiome. Science. 2006;312(5778):1355-9.

12. Zhang H, DiBaise JK, Zuccolo A, Kudrna D, Braidotti M, Yu Y, Parameswaran P, Crowell MD, Wing R, Rittmann BE, Krajmalnik-Brown R. Human gut microbiota in obesity and after gastric bypass. Proc Natl Acad Sci U S A. 2009;106(7):2365-70.

13. Collado MC, Isolauri E, Laitinen K, Salminen S. Distinct composition of gut microbiota during pregnancy in overweight and normal-weight women. Am J Clin Nutr. 2008;88(4):894-9.

14. Hildebrandt MA, Hoffmann C, Sherrill-Mix SA, Keilbaugh SA, Hamady M, Chen YY, Knight R, Ahima RS, Bushman F, Wu GD. High-fat diet determines the composition of the murine gut microbiome independently of obesity. Gastroenterology. 2009;137(5):1716-24.

15. Hawrelak JA, Myers SP. The causes of intestinal dysbiosis: a review Altern Med Rev. 2004;9(2):180-97.

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