Glutamina na prática clínica: benefícios para a saúde intestinal e novas evidências

Postado em 4 de março de 2024

A glutamina (Gln) é o aminoácido mais abundante no corpo humano, com um papel fundamental na sua fisiologia. Diariamente, nosso organismo produz entre 40 a 80 g de glutamina, principalmente nos músculos esqueléticos. Em menor escala, a glutamina também é produzida pelo fígado, cérebro, tecido adiposo e pulmões (5).

glutamina

Fonte: Canva.com

Além da síntese endógena, a glutamina também é obtida através da alimentação, em fontes de proteína animal ou vegetal. Entretanto, a suplementação é considerada mais eficaz, já que para se obter 5g de glutamina, seria necessário consumir cerca de 425g de carne bovina, uma de suas melhores fontes dietéticas (3).

Crescentes evidências destacam os benefícios da glutamina na prática clínica. Já sendo muito utilizada no meio esportivo, com vantagens na força, recuperação da fadiga e perda de peso (4, 8, 9, 10), novos estudos estão apontando a importância da glutamina em outras áreas da saúde intestinal, imunológica e cognitiva, como você verá a seguir.

Glutamina e saúde intestinal: quais são as evidências? 

Embora a glutamina possua funções em diferentes órgãos e sistemas do corpo (12), é na saúde intestinal que suas funções são particularmente indispensáveis.

Para as células intestinais, a glutamina é uma fonte primária de energia. Em termos de quantidade, ela é ainda mais importante do que a glicose como um substrato energético (5, 14).

Este papel, inclusive, é essencial para a constante renovação do revestimento intestinal. Neste quesito, a glutamina também aumenta a expressão de proteínas das junções estreitas intercelulares, responsáveis por proteger o epitélio intestinal de partículas estranhas e da passagem de patógenos para a corrente sanguínea (3).

Já para a microbiota intestinal, a glutamina também é crucial: ela influencia a expressão gênica das cepas bacterianas, reduz o supercrescimento e a translocação bacteriana, e aumenta a produção de imunoglobulinas (3,11,12).  Como consequência, estas funções ajudam na manutenção de uma microbiota saudável, prevenindo e combatendo infecções.

Ainda no intestino, a glutamina também participa da regulação da resposta inflamatória, aumentando proteínas de choque térmico e contribuindo para a normalização dos níveis de óxido nítrico.

Por fim, outros papéis reconhecidos da glutamina no intestino incluem a absorção de nutrientes, ao melhorar a função do revestimento intestinal; o estímulo da síntese proteínas, ao fornecer os substratos necessários; o estímulo da síntese de enzimas, ao aumentar sua expressão gênica; e a proliferação e reparo celular, ao potencializar os efeitos dos fatores de crescimento (5).

Tais efeitos contribuem para em um intestino mais saudável e funcional, garantindo o funcionamento adequado e a integridade estrutural do órgão.

O que dizem os estudos?

Sabendo da importância da glutamina para o intestino, fica fácil entender os motivos para os benefícios de sua suplementação na saúde intestinal, relatados por inúmeras pesquisas científicas.

Em um estudo randomizado, duplo cego e controlado por placebo, a suplementação de glutamina na dose 5 g, três vezes ao dia, foi capaz de reduzir a gravidade da Síndrome do Intestino Irritável, além de normalizar a permeabilidade intestinal (14).

Em outra pesquisa com 80 pacientes críticos, a suplementação enteral precoce de glutamina reduziu a concentração de zonulina, um modulador fisiológico das junções estreitas, em até 40% (7). Em síntese, a glutamina reduziu a permeabilidade intestinal, impedindo a passagem de partículas indesejadas, como toxinas e bactérias.

Na microbiota, as vantagens também são notáveis: em um estudo com 33 indivíduos obesos, a suplementação oral de glutamina por 14 dias diminuiu a proporção de Firmicutes para Bacteroidetes, um biomarcador da obesidade e problemas metabólicos (3, 6).

Segundo a ciência, outras condições que se beneficiaram com a glutamina incluíram as doenças inflamatórias intestinais, como doença de Crohn e colite ulcerativa, e a constipação (3, 12).

Glutamina, saúde e imunidade 

Não é segredo que o intestino desempenha um papel fundamental na imunidade. Este órgão, por exemplo, compreende uma importante barreira física à entrada de invasores, além de abrigar células de defesa e bactérias benéficas que competem com patógenos.

Sendo assim, as funções intestinais exercidas pela glutamina estão diretamente relacionadas ao seu papel na saúde imunológica, tais como (5):

  • Atuação como substrato energético;
  • Controle da proliferação celular;
  • Expressão de genes das células imunológicas;
  • Reparo tecidual;
  • Reconhecimento de patógenos;
  • Polarização de macrófagos;
  • Regulação da síntese e secreção de citocinas inflamatórias;
  • Diferenciação de linfócitos B e T

Dado a todas estas funções, a glutamina têm se tornado um alvo promissor para intervenções que visam reforçar a imunidade, como nas condições hipercatabólicas (câncer, sepse, infecções, cirurgias, traumas, queimaduras, desnutrição, lesões) (5, 7, 12).

Muitas pesquisas indicam o poderoso papel deste aminoácido na redução das taxas de infecção, do tempo de internação hospitalar, e da mortalidade de pacientes graves ou pós-cirúrgicos (5, 12).

Portanto, a glutamina é pode ser utilizada em fórmulas nutricionais imunomoduladoras, promovendo a adequada recuperação de pacientes hospitalares.

O papel da glutamina na cognição

Finalmente, recentes avanços científicos estão sugerindo uma conexão interessante entre a glutamina e a saúde cognitiva.

Em primeiro lugar, a glutamina é o aminoácido mais abundante do sistema nervoso (1), e serve como um precursor fundamental de neurotransmissores, especialmente o glutamato (3). A neurotransmissão glutamatérgica alterada, por sua vez, é uma das principais causas de distúrbios emocionais e cognitivos, como o transtorno de ansiedade e a depressão (1).

Outro mecanismo subjacente à função neuroprotetora da Gln é a regulação do estresse oxidativo e das respostas inflamatórias, prevenindo danos neuronais e distúrbios como comprometimento cognitivo e Alzheimer (2).

Ademais, esta associação também é fundamentada pelo eixo intestino-cérebro, que diz respeito à relação intrínseca entre o sistema nervoso e o trato digestivo. Sendo um aminoácido indispensável para a saúde intestinal, a glutamina também pode influenciar o ambiente neuroquímico cerebral (3).

Anteriormente, descrevemos os papéis da glutamina para uma microbiota intestinal saudável. Nesse sentido, neurotransmissores como serotonina, acetilcolina e histamina são diretamente influenciados pelas bactérias que compõem esse ambiente (3).

Suplementação de glutamina: perspectivas futuras

Sendo um aminoácido condicionalmente essencial, as pesquisas sobre os efeitos da suplementação da glutamina são crescentes, com descobertas cada vez mais animadoras.

Como visto, para a saúde intestinal e imunológica, as vantagens deste nutriente são bem estabelecidas. Já na saúde cognitiva, algumas investigações iniciais se mostram favoráveis à essa estratégia.

Apesar da escassez de estudos em humanos, uma pesquisa realizada em camundongos com Alzheimer relatou um atraso no comprometimento cognitivo leve, proveniente da suplementação de glutamina. Segundo os autores, este resultado aponta a Gln como um promissor agente protetor da função cognitiva (2).

Já em outra investigação, ratos com sepse suplementados com glutamina tiveram os danos patológicos cerebrais atenuados (13).

O que podemos concluir?

Cada vez mais, a glutamina se mostra um aminoácido crucial para a saúde humana. Apesar de estar presente na dieta, seu potencial nutracêutico é indiscutível, principalmente para a saúde intestinal e imunológica.

Atualmente, a ciência da nutrição continua a desvendar os benefícios da suplementação de glutamina, que não se extinguem apenas nos parâmetros abordados aqui. Pesquisas futuras devem demonstrar seu potencial em uma variedade de aplicações clínicas, promovendo uma compreensão mais completa sobre esse notável aminoácido.

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Referências:

  1. Baek JH, Jung S, Son H, Kang JS, Kim HJ. Glutamine Supplementation Prevents Chronic Stress-Induced Mild Cognitive Impairment. Nutrients. 2020 Mar 26;12(4):910. doi: 10.3390/nu12040910. PMID: 32224923; PMCID: PMC7230523.
  2. Baek JH, Kang JS, Song M, Lee DK, Kim HJ. Glutamine Supplementation Preserves Glutamatergic Neuronal Activity in the Infralimbic Cortex, Which Delays the Onset of Mild Cognitive Impairment in 3×Tg-AD Female Mice. Nutrients. 2023; 15(12):2794. https://doi.org/10.3390/nu15122794.
  3. Brett J. Deters, Mir Saleem. The role of glutamine in supporting gut health and neuropsychiatric factors. Food Science and Human Wellness, Volume 10, Issue 2, 2021, Pages 149-154, ISSN 2213-4530, https://doi.org/10.1016/j.fshw.2021.02.003.
  4. Coqueiro AY, Rogero MM, Tirapegui J. Glutamine as an Anti-Fatigue Amino Acid in Sports Nutrition. Nutrients. 2019 Apr 17;11(4):863. doi: 10.3390/nu11040863. PMID: 30999561; PMCID: PMC6520936.
  5. Cruzat V, Macedo Rogero M, Noel Keane K, Curi R, Newsholme P. Glutamine: Metabolism and Immune Function, Supplementation and Clinical Translation. Nutrients. 2018 Oct 23;10(11):1564. doi: 10.3390/nu10111564. PMID: 30360490; PMCID: PMC6266414
  6. de Souza, A. Z. Z., Zambom, A. Z., Abboud, K. Y., Reis, S. K., Tannihão, F., Guadagnini, D., … & Prada, P. O. (2015). Oral supplementation with L-glutamine alters gut microbiota of obese and overweight adults: A pilot study. Nutrition, 31(6), 884-889.
  7. Shariatpanahi ZV, Eslamian G, Ardehali SH, Baghestani AR. Effects of Early Enteral Glutamine Supplementation on Intestinal Permeability in Critically Ill Patients. Indian J Crit Care Med. 2019 Aug;23(8):356-362. doi: 10.5005/jp-journals-10071-23218. PMID: 31485104; PMCID: PMC6709840.
  8. Street B, Byrne C, Eston R. Glutamine supplementation in recovery from eccentric exercise attenuates strength loss and muscle soreness. J Exerc Sci Fit. 2011;9(2):116–122. doi: 10.1016/S1728-869X(12)60007-0.
  9. Laviano, A., Molfino, A., Lacaria, M. et al. Glutamine supplementation favors weight loss in nondieting obese female patients. A pilot study. Eur J Clin Nutr 68, 1264–1266 (2014). https://doi.org/10.1038/ejcn.2014.184
  10. Legault Z, Bagnall N, Kimmerly DS. The influence of oral l-glutamine supplementation on muscle strength recovery and soreness following unilateral knee extension eccentric exercise. Int J Sport Nutr Exerc Metab. 2015;25(5):417–426.
  11. Li S, Wen X, Yang X, Wang L, Gao K, Liang X, Xiao H. Glutamine protects intestinal immunity through microbial metabolites rather than microbiota. Int Immunopharmacol. 2023 Nov;124(Pt A):110832. doi: 10.1016/j.intimp.2023.110832. Epub 2023 Aug 25. PMID: 37634449.
  12. Perna S, Alalwan TA, Alaali Z, Alnashaba T, Gasparri C, Infantino V, Hammad L, Riva A, Petrangolini G, Allegrini P, Rondanelli M. The Role of Glutamine in the Complex Interaction between Gut Microbiota and Health: A Narrative Review. Int J Mol Sci. 2019 Oct 22;20(20):5232. doi: 10.3390/ijms20205232. PMID: 31652531; PMCID: PMC6834172.
  13. Wang J, Lu X, Zheng K, Jing L. Glutamine’s protection against brain damage in septic rats via increased protein oxygen-N-acetylglucosamine modification. Neuroreport. 2021 Feb 3;32(3):214-222. doi: 10.1097/WNR.0000000000001582. PMID: 33470760.
  14. Zhou Q, Verne ML, Fields JZ, Lefante JJ, Basra S, Salameh H, Verne GN. A randomized placebo-controlled trial of dietary glutamine supplements for postinfectious irritable bowel syndrome. Gut. 2019 Jun;68(6):996-1002. doi: 10.1136/gutjnl-2017-315136. Epub 2018 Aug 14. PMID: 30108163; PMCID: PMC9549483.

 

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