Quais os benefícios da terapia nutricional perioperatória e qual a melhor forma de nutrir o paciente?

Postado em 1 de março de 2012

A desnutrição pré-operatória é um dos principais fatores de risco na morbidade e mortalidade pós-operatórias. Em pacientes desnutridos, ou em risco nutricional, candidatos à cirurgia eletiva, a resposta orgânica ao trauma operatório tem maior repercussão e influi negativamente nos resultados pós-operatórios. Isso ocorre devido à diminuição dos compartimentos de composição corpórea, especialmente a massa magra, imunodepressão e retardo na cicatrização de feridas (1,2).

Apesar de décadas de pesquisa em terapia nutricional para pacientes cirúrgicos, a prevalência de desnutrição é alarmante, podendo chegar até 50% dos pacientes submetidos à cirurgia gastrintestinal (3). O estudo feito por Correia et al (2009), em hospital público no Brasil, verificou que a desnutrição ocorre em 40% dos pacientes submetidos à procedimento cirúrgico de grande porte, como cirurgia gástrica, intestino delgado e grosso (4).

Neste sentido, grupos de pesquisa de diversas partes do mundo têm se voltado para a criação de diretrizes e protocolos em terapia nutricional perioperatória com o objetivo de minimizar a reação metabólica causada pelo trauma cirúrgico e acelerar a recuperação pós-operatória.

Em 2005, o grupo ERAS (Enhanced Recovery After Surgery), formado por equipes médicas de países europeus, publicou um consenso sobre intervenções multimodais que visava à redução do estresse metabólico, internação hospitalar e das taxas de complicações após a cirurgia. Dentre essas intervenções está incluída a terapia nutricional perioperatória (5).

O papel da terapia nutricional pré-operatória é melhorar a desnutrição antes da cirurgia, enquanto que a nutrição pós-operatória objetiva a manutenção do estado nutricional no período catabólico após a cirurgia. No entanto, o tempo de duração da terapia nutricional ainda é amplamente debatido. Segundo o protocolo Acerto (Aceleração da Recuperação Total Pós-operatória), criado por pesquisadores brasileiros, os pacientes diagnosticados pela avaliação subjetiva global com grau de desnutrição B ou C devem receber terapia nutricional 7 a 14 dias antes da operação. A decisão sobre a via para nutrir o paciente dependerá da condição clínica do paciente (2).

As diretrizes da Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (Espen) também recomendam a terapia nutricional durante 10 a 14 dias antes da cirurgia em pacientes com desnutrição ou grave risco nutricional. Já em pacientes com câncer, a farmaconutrição deve ser administrada por 5 a 7 dias antes da cirurgia, a fim de melhorar a função imune (6).

No pós-operatório, tanto o protocolo do grupo ERAS quanto o Acerto preconizam a realimentação precoce, que deve ser feita dentro das primeiras 24 horas após a cirurgia. Essa recomendação é baseada nos estudos sobre fisiologia da motilidade do tubo digestivo, que mostram o retorno de sua função em 4 a 8 horas após a cirurgia. Assim, metanálises foram realizadas com o objetivo de comparar o início precoce da nutrição pós-operatória (até 24 h) versus a gestão tradicional em pacientes submetidos à cirurgia gastrintestinal. A conclusão foi de que a nutrição precoce reduz a morbidade e mortalidade, além de diminuir o tempo de hospitalização (7,8).

A redução significativa das complicações pós-operatórias, no entanto, vem sendo observada quando a terapia nutricional é instituída no perioperatório, enquanto que pacientes submetidos apenas à terapia nutricional pós-operatória não são observados tais resultados (9,10).

Segundo as diretrizes da Espen, está indicada a nutrição por via oral para o paciente cirúrgico quando não há sinais de hiporexia, com ingestão > 60% da dieta prescrita, trato gastrintestinal íntegro, devendo ser fornecidos suplementos nutricionais ricos em proteína para favorecer a melhor recuperação pós-operatória. A terapia nutricional por via enteral (NE), por sua vez, está indicada quando há presença de hiporexia, ingestão 60% das necessidades nutricionais do paciente (6).

A associação de nutrição enteral e parenteral no pós-operatório tem sido discutida em diversos artigos científicos. Lidder P et al, demonstrou que o fornecimento de NE via jejunostomia (70% das necessidades calóricas) associada com NP (30% das necessidades calóricas), a partir do primeiro dia de pós-operatório, diminuiu a resistência à insulina, melhorou a sensibilidade à insulina, resultando em melhor controle na homeostase da glicose (11).

Segundo as recomendações do protocolo ACERTO, o seguinte fluxograma contribui para a decisão sobre a melhor via para alimentar o paciente cirúrgico candidato a operações de médio ou grande porte:

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Legenda:

TNE – Terapia Nutricional Enteral; TNP – Terapia Nutricional Parenteral; TNO – Terapia Nutricional Oral; TGI – Trato gastrintestinal.

Em conclusão, os resultados dos estudos clínicos e metanálises sobre terapia nutricional perioperatória, demonstram que quando ela está bem indicada, seja por via oral, enteral ou parenteral, as melhorias clínicas são relevantes, incluindo vantagens metabólicas, melhora do balanço nitrogenado e da resposta imunológica, com consequente redução da morbidade e mortalidade.

Rita de Cássia Borges de Castro

Nutricionista. Pesquisadora do Laboratório de Nutrição e Cirurgia Metabólica do Aparelho Digestivo (Metanutri – LIM 35) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Especialista em Terapia Nutricional e Nutrição Clínica pelo GANEP. Graduada em Nutrição pela Universidade Potiguar (Natal-RN).

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Rompendo Paradigmas em Nutrição Pré e pós-Operatória

Referências:

1. Cerantola Y, Grass S, Cristaudi A, Demartines N, Schafer M, Hubner M. Perioperative nutrition in abdominal surgery: recommendations and reality. Gastroenterol Res Pract. 2011;2011:739347.

2. Aguilar-Nascimento JE, Caporossi C, Bicudo A. Acerto: accelerando a recuperação total pós-operatória. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Rubio, 2011.

3. Schiesser M, Kirchhoff P, Muller MK, et al. The correlation of nutrition risk index, nutrition risk score, and bioimpedance analysis with postoperative complications in patients undergoing gastrointestinal surgery. Surgery. 2009;145:519–526.

4. Toulson DCMI, Costa FP, Machado CGA. Perioperative nutritional management of patients undergoing laparotomy. Nutr Hosp. 2009;24(4):479-84.

5. Varadhan KK, Neal KR, Dejong CH, Fearon KC, Ljungqvist O, Lobo DN. The enhanced recovery after surgery (ERAS) pathway for patients undergoing major elective open colorectal surgery: a meta-analysis of randomized controlled trials. Clin Nutr. 2010;29(4):434-40.

6. Weimann A, Braga M, Harsanyi L, Laviano A, Ljungqvist O, Soeters P, et al. ESPEN Guidelines on Enteral Nutrition: Surgery including organ transplantation. Clin Nutr. 2006;25(2):224-44.

7. Lewis SJ, Andersen HK, Thomas S. Early enteral nutrition within 24 h of intestinal surgery versus later commencement of feeding: a systematic review and meta-analysis. Journal of Gastrointestinal Surgery, 2009. 13(3):569–575.

8. Andersen HK, Lewis SJ, Thomas S. Early enteral nutrition within 24 h of colorectal surgery versus later commencement of feeding for postoperative complications. Cochrane Database of Systematic Reviews. 2006;4 Article ID CD004080.

9. Beattie AH, Prach AT, Baxter JP, Pennington CR. A randomised controlled trial evaluating the use of enteral nutritional supplements postoperatively in malnourished surgical patients. Gut. 2000;46(6):813–818.

10. Awad S, Lobo DN. What’s new in perioperative nutritional support? Curr Opin Anaesthesiol. 2011;24(3):339-48.

11. Lidder P, Flanagan D, Fleming S, Russell M, Morgan N, Wheatley T, et al. Combining enteral with parenteral nutrition to improve postoperative glucose control. Br J Nutr. 2010;103(11):1635-41.

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