Vitaminas e minerais são micronutrientes fundamentais para o organismo, pois participam de diversos processos bioquímicos e fisiológicos. Neste sentido, diversos estudos foram desenvolvidos para avaliar os benefícios desses micronutrientes na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, incluindo principalmente o câncer.
Desde 1981, os pesquisadores Doll e Peto estimaram que cerca de 35% de todas as mortes causadas pelo câncer poderiam ser atribuídas ou até mesmo prevenidas pela dieta. Esses pesquisadores consideraram a dieta como um contribuinte tão importante quanto o uso de tabaco para o desenvolvimento do câncer (1).
Após quase 30 anos e depois de uma complexa revisão de todas as evidências, o World Cancer Research Fundation e a American Institute for Cancer Research (WCR/AICR) publicaram em 2007 o documento “Alimentos, Nutrição, Atividade Física e Prevenção de Câncer: uma perspectiva global”, concluindo que o câncer é causado principalmente por fatores ambientais, dos quais os mais importantes são: o tabaco; a dieta e fatores relacionados à dieta, incluindo aumento da massa corpórea; sedentarismo; exposição à carcinógenos no ambiente de trabalho ou outros locais (2).
Estudos epidemiológicos sugerem que a ingestão de carne vermelha, gordura animal e alguns óleos vegetais, podem aumentar a incidência de câncer. Por outro lado, a ingestão de frutas, hortaliças, peixes e seus óleos foram associados com a redução do risco de doenças malignas (3). Assim, com base nesses estudos, órgãos governamentais e agências de prevenção contra o câncer recomendam a redução da ingestão de gorduras, particularmente gordura animal, aumento da ingestão de fibras, aumento do consumo de uma grande variedade de frutas e hortaliças, consumo moderado de sal e bebidas alcoólicas, além de incentivar a prática de atividade física regular (4).
O incentivo ao consumo de grande variedade de frutas e hortaliças se deve ao fato desses alimentos serem as principais fontes de vitaminas e minerais (4). Esses micronutrientes são fundamentais para o organismo, pois participam de diversos processos bioquímicos e fisiológicos. A hipótese de que as vitaminas e os minerais contribuem para a diminuição do risco de câncer é suportada pelas propriedades biológicas desses micronutrientes, por exemplo, alguns deles são antioxidantes, podem prevenir danos ao DNA, auxiliar nos processos de reparo de DNA, suprimir a expressão de oncogenes e até modular os níveis hormonais e o sistema imunológico (5).
Diretrizes atuais recomendam que a principal forma de consumo desses micronutrientes deva ser feita por meio de uma alimentação balanceada e variada, pois além de vitaminas e minerais, os alimentos contêm fibras alimentares e outros compostos bioativos que podem ter efeitos positivos para a saúde. Entretanto, o consumo de suplementos alimentares, contendo múltiplas vitaminas e minerais, como os multivitamínicos, pode ser vantajoso em situações específicas, especialmente para prevenir deficiência nutricional (3, 6).
A combinação de vitaminas e minerais essenciais contidos em multivitaminas tem sido inversamente associada com o risco de câncer em alguns estudos epidemiológicos (5, 7-10).
Recentemente, Gaziano e colaboradores publicaram um estudo em larga escala, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo valendo-se da população do Physicians’ Health Study II (PHS II), que incluiu 14.641 homens médicos com média de 64 anos de idade. Os participantes foram aleatoriamente distribuídos para receber uma cápsula de multivitamínico por dia ou placebo durante 11 anos. Os pesquisadores observaram que os homens que fizeram uso do suplemento multivitamínico diariamente, após 11 anos de acompanhamento, tiveram uma redução estatisticamente significativa em 8% na incidência total de câncer, quando comparado ao grupo placebo (11).
O estudo em pauta tem particular interesse por que a população estudada pode ser considerada sadia, uma vez que o IMC (índice de massa corporal) ficou entre 22,5 kg/m2 e 29,3 kg/m2, a frequência de doença cardíaca foi de 5,1%, ausência do habito de fumar em 56%, prática de exercícios físicos regulares em 62% e ingestão alcoólica moderada em 81%. O consumo diário, contínuo e prolongado de um suplemento vitamínico cuja formulação de vitaminas e minerais, em alguns nutrientes, é superior àquela permitida pela legislação brasileira, foi seguro e desacompanhado de efeitos adversos graves (11).
Os resultados altamente promissores deste estudo levantam o seguinte questionamento: por que alguns estudos epidemiológicos anteriores não conseguiram demonstrar efeitos da suplementação de vitaminas e minerais na prevenção do câncer? Para os autores do PHS II, pode ser por duas razões. Primeiro, porque a maioria desses estudos foi do tipo observacional, o que significa que os participantes não foram comparados com indivíduos recebendo placebo, além de não terem acompanhado os indivíduos em longo prazo, como foi o caso dos participantes do PHS II, que foram acompanhados durante 11 anos. Em segundo, porque alguns estudos avaliaram nutrientes individuais que, inclusive, têm mostrado evidências de possíveis danos. Por outro lado, o PHS II avaliou o uso de multivitamínico diariamente, que contém 30 diferentes vitaminas e minerais, em doses menores do que nos estudos com micronutrientes individuais (11).
Outro estudo de longa duração, o Nurses’ Health Study também verificou, agora em mulheres, que o consumo regular de multivitaminas associou-se fortemente com redução do risco de câncer de cólon em 88.756 enfermeiras acompanhadas durante 15 anos (12). O estudo Cancer Prevention Study II também observou associação inversa entre o uso de multivitaminas com a incidência de câncer de cólon, depois de mais de uma década de uso contínuo dos multivitamínicos (13).
Percebe-se, portanto, que os multivitamínicos têm atraído a atenção da comunidade científica nas últimas décadas, e tornou-se claro que eles podem desempenhar papel importante na prevenção de doenças, como o câncer, principalmente se aliado a alimentação, contribuindo para uma nutrição completa. De acordo com o posicionamento da Academy of Nutrition and Dietetics de 2009, os consumidores ainda não estão bem informados sobre o uso correto de multivitamínicos, sendo necessária a contribuição de profissionais especializados para ajudar a educar os consumidores sobre a utilização segura e adequada de multivitamínicos, a fim de promover a saúde (14).
Rita de Cássia Borges de Castro
Nutricionista. Especialista em Terapia Nutricional e Nutrição Clínica. Mestrado em Ciências pelo Programa de Oncologia do Laboratório de Nutrição e Cirurgia Metabólica do Aparelho Digestivo (LIM-35) pela FMUSP
Referências:
1. Doll, R. and R. Peto, The causes of cancer: quantitative estimates of avoidable risks of cancer in the United States today. J Natl Cancer Inst, 1981. 66(6): p. 1191-308.
2. Wiseman, M., The second World Cancer Research Fund/American Institute for Cancer Research expert report. Food, nutrition, physical activity, and the prevention of cancer: a global perspective. Proc Nutr Soc, 2008. 67(3): p. 253-6.
3. Kushi, L.H., et al., American Cancer Society Guidelines on nutrition and physical activity for cancer prevention: reducing the risk of cancer with healthy food ch
oices and physical activity. CA Cancer J Clin, 2012. 62(1): p. 30-67.
4. Slavin, J.L. and B. Lloyd, Health benefits of fruits and vegetables. Adv Nutr, 2012. 3(4): p. 506-16.
5. Greenwald, P., et al., Clinical trials of vitamin and mineral supplements for cancer prevention. Am J Clin Nutr, 2007. 85(1): p. 314S-317S.
6. McGuire, S., U.S. Department of Agriculture and U.S. Department of Health and Human Services, Dietary Guidelines for Americans, 2010. 7th Edition, Washington, DC: U.S. Government Printing Office, January 2011. Adv Nutr, 2011. 2(3): p. 293-4.
7. Boffetta, P., et al., Fruit and vegetable intake and overall cancer risk in the European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC). J Natl Cancer Inst, 2010. 102(8): p. 529-37.
8. Mamede, A.C., et al., The role of vitamins in cancer: a review. Nutr Cancer, 2011. 63(4): p. 479-94.
9. Li, K., et al., Vitamin/mineral supplementation and cancer, cardiovascular, and all-cause mortality in a German prospective cohort (EPIC-Heidelberg). Eur J Nutr, 2012. 51(4): p. 407-13.
10. Asgari, M.M., et al., Supplement use and risk of cutaneous squamous cell carcinoma. J Am Acad Dermatol, 2011. 65(6): p. 1145-51.
11. Gaziano, J.M., et al., Multivitamins in the prevention of cancer in men: the Physicians’ Health Study II randomized controlled trial. JAMA, 2012. 308(18): p. 1871-80.
12. Giovannucci, E., et al., Multivitamin use, folate, and colon cancer in women in the Nurses’ Health Study. Ann Intern Med, 1998. 129(7): p. 517-24.
13. Jacobs, E.J., et al., Multivitamin use and colorectal cancer incidence in a US cohort: does timing matter? Am J Epidemiol, 2003. 158(7): p. 621-8.
14. Marra, M.V. and A.P. Boyar, Position of the American Dietetic Association: nutrient supplementation. J Am Diet Assoc, 2009. 109(12): p. 2073-85.