As células cancerígenas apresentam exigências metabólicas consideravelmente diferentes das células normais. As alterações no metabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas ocorrem para favorecer a proliferação, sobrevivência, invasão e metástase da célula tumoral.
São descritas duas classificações para as alterações mebabólicas no câncer: alterações metabólicas em nível da célula cancerígena e as secundárias à presença do tumor (manifestam-se de forma sistêmica, como a síndrome da caquexia em câncer).
As alterações metabólicas na célula cancerígena foram inicialmente observadas a partir da década de 20, por Shields Warren, que descreveu a hipótese de que a letalidade do câncer está relacionada com a depleção dos nutrientes da célula tumoral. Mais tarde, em 1931 o bioquímico alemão Otto Warburg ganhou o Prémio Nobel por ter demonstrado que as células cancerígenas usam de forma mais eficiente e preferencial a glicose, em especial açúcares simples para o fornecimento de energia, ficando conhecido como o efeito Warburg.
De modo geral, as alterações no metabolismo celular no câncer são decorrentes do metabolismo da glicose. As células cancerígenas metabolizam a glicose através da glicólise aeróbia e evitam a fosforilação oxidativa, mesmo quando há oxigênio disponível. Este processo gera apenas 2 moléculas de ATP (trifosfato de adenosina), levando as células a aumentar a quantidade de glicose metabolizada e a acelerar a conversão de glicose em lactato. O aumento de lactato no microambiente tumoral torna o meio mais ácido para favorecer a invasão tumoral e supressão de efetores anticancerígenos.
A alteração no metabolismo de lipídios também é relevante para promover o crescimento tumoral. As principais alterações são o aumento da síntese de lípidos, utilizados para a formação de fosfolípidios das membranas celulares, e a formação de intermediários de sinalização celular como as prostaglandinas e eicosanóides. Devido à rápida proliferação, a célula cancerígena tem necessidade aumentada de ácidos graxos para composição de membrana celular e suas organelas citoplasmáticas. Esses ácidos graxos são sintetizados a partir de acetil-CoA, por meio de enzimas lipogênicas como a ácido graxo sintase (FASN, do inglês, fatty acids synthase), ATP-citrato liase (ACL) e acetil-CoA carboxilase (ACC). A atividade dessas enzimas encontra-se bastante aumentada nas células cancerígenas e estudos experimentais demonstraram que a inibição dessas enzimas resulta em diminuição da proliferação e viabilidade da célula cancerígena.
As alterações no metabolismo proteico, por sua vez, estão relacionadas com a utilização de aminoácidos provenientes da degradação de proteínas musculares, como alanina e glutamina, para fornecer substrato à gliconeogênese e, consequentemente, glicólise para a célula cancerígena. Dessa maneira, o balanço de nitrogenado torna-se negativo, verificando-se um aumento da degradação proteica e uma diminuição da síntese proteica total, pois ocorre um fluxo de nitrogênio das células normais para as células cancerígenas, favorecendo a sua proliferação.
As bases moleculares dessas alterações metabólicas que ocorre no câncer ainda estão sendo elucidadas. Estudos vêm demonstrando que a alteração na expressão de alguns genes colabora para a desregulação do metabolismo no câncer. Pesquisadores acreditam que o conhecimento das principais alterações metabólicas observadas nas células cancerígenas é fundamental para entender as repercussões clínicas no paciente oncológico e promoverá melhor compreensão do impacto da terapia nutricional sobre a evolução e prognóstico dos pacientes com câncer.
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