Compreender o caminho metabólico percorrido pelos triglicerídeos de cadeia média (TCM) é fundamental para caracterizar os seus efeitos biológicos e seus benefícios clínicos. Isso porque o tamanho do ácido graxo interfere na digestão, absorção e oxidação dos lipídios. As lipases, lingual e gástrica, apresentam ação preferencial pelos ácidos graxos de cadeia média (AGCM) e estes são absorvidos no duodeno mais rapidamente do que os ácidos graxos de cadeia longa (AGCL) (1).
Por ter melhor digestibilidade, o TCM foi introduzido na prática clínica inicialmente para o tratamento nutricional de doenças gastrintestinais associadas à má digestão e/ou absorção, como na cirrose biliar primária, doença de Crohn, fibrose cística, síndrome do intestino curto e linfangiectasia intestinal. Além disso, TCM é classicamente indicado na dieta cetogênica para o tratamento de epilepsia em crianças não responsivas aos tratamentos convencionais (2).
Existem diversos benefícios clínicos associados à adição de TCM em dietas enterais. Shea e colaboradores examinaram se uma formulação enteral contendo TCM e peptídeos hidrolisados iriam minimizar o estímulo ao pâncreas e, consequentemente, diminuir as dores em pacientes com pancreatite crônica. Os pesquisadores concluíram que essa formulação enteral minimizou os níveis plasmáticos da colecistoquinina (CCK) e foi eficaz na redução da dor pós-prandial associada à pancreatite crônica (3). No estudo de Nomura et al foi mostrado que a nutrição enteral adicionada de TCM durante a convalescença de colecistite aguda promoveu a recuperação funcional e menor tempo de hospitalização (4). Além disso, em estudo experimental, a dieta enteral contendo TCM melhorou significativamente a colite induzida quimicamente. Nesse estudo, os pesquisadores mostraram que TCM poder ser útil para o tratamento de doença inflamatória intestinal como um nutriente anti-inflamatório imunomodulador (5).
Nos últimos anos, pesquisadores vêm buscando investigar novas aplicabilidades clínicas do TCM e seus efeitos no perfil de lipídios e variáveis bioquímicas.
Iemitsu M. e colaboradores testaram a utilização de TCM, em ratos, nas cardiomiopatias associadas aos defeitos oxidativos de AGCL. Os pesquisadores mostraram que os AGCM são prontamente oxidados por cardiomiócitos, tornando-se fonte energética eficiente e, com isso, beneficiando o status energético do coração e sua função contrátil (6).
Swift LL. et al avaliaram o perfil de lipídios plasmáticos em homens saudáveis alimentados com fórmula líquida oral contendo 40% do valor calórico total de TCL ou de TCM ou de cadeia mista (TCL+TCM), durante seis dias. Não houve alteração nas concentrações de colesterol plasmático, no entanto, a trigliceridemia pós-prandial foi significativamente maior após o consumo de TCL do que de TCM e cadeia mista (7).
Em estudo clínico, Asakura e colaboradores, comparam diferentes concentrações de óleo de milho e TCM em indivíduos hipertrigliceridêmicos. Os autores mostraram que não houve alteração significativa de colesterol total e triglicerídeos após ingestão oral de misturas de óleo de milho/TCM na proporção de 75%/25% e 50%/50% (8).
Em estudo prospectivo, Hauenschild et al, avaliaram 32 indivíduos com hipertrigliceridemia grave e mostrou que dieta oral enriquecida com TCM e ácidos graxos ômega-3, durante sete dias, reduziu os níveis plasmáticos de triacilglicerídeos antes de instituir a terapia medicamentosa (9).
Outro benefício clínico foi demonstrado por Han et al, que estudou o consumo oral de 18g/dia de TCM, durante noventa dias, em indivíduos com diabetes tipo 2 e sobrepeso. O TCM conferiu redução do peso corporal, circunferência da cintura e melhora da resistência à insulina (10).
Traul e colaboradores buscaram investigar os efeitos tóxicos de TCM. Os pesquisadores concluíram que nenhum efeito tóxico foi observado em diversos estudos em seres humanos ou animais, mesmo quando administrado em grandes concentrações, em até 15% do valor energético total (11).
O TCM é contraindicado em casos específicos de diabetes descompensada, acidose e cirrose hepática. Em indivíduos com diabetes descompensada, ocorre superprodução de corpos cetônicos, assim, a produção de corpos cetônicos provenientes do consumo de AGCM podem diminuir o pH sanguíneo, resultando em acidose (2).
Contudo, pode-se concluir que os estudos científicos mostram que o uso de TCM é seguro e seus efeitos são promissores em diversas situações clínicas. No entanto, existe a necessidade de mais estudos com pacientes em terapia nutricional enteral.
Rita de Cássia Borges de Castro
Nutricionista. Pesquisadora do Laboratório de Nutrição e Cirurgia Metabólica do Aparelho Digestivo (Metanutri – LIM 35) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Especialista em Terapia Nutricional e Nutrição Clínica pelo GANEP. Graduada em Nutrição pela Universidade Potiguar (Natal-RN).
Referências:
1. Holum RJ. In: Fundamentals of general, organic, and biological chemistry. John Wiley & Sons Inc, p566-82, 1994.
2. Torrinhas RSMM, Campos LN, Waitzberg DL. Gorduras In: Waitzberg DL. Nutrição Oral, Enteral e Parenteral na Prática Clínica. São Paulo: Atheneu. 2009. p121-47.
3. Shea JC, Bishop MD, Parker EM, Gelrud A, Freedman SD. An enteral therapy containing medium-chain triglycerides and hydrolyzed peptides reduces postprandial pain associated with chronic pancreatitis. Pancreatology. 2003;3(1):36-40.
4. Nomura Y, Inui K, Yoshino J, Wakabayashi T, Okushima K, Kobayashi T, et al. Importance of nutritional status in recovery from acute cholecystitis: benefit from enteral nutrition supplementation including medium chain triglycerides. Nippon Shokakibyo Gakkai Zasshi. 2007;104(9):1352-8.
5. Kono H, Fujii H, Ishii K, Hosomura N, Ogiku M. Dietary medium-chain triglycerides prevent chemically induced experimental colitis in rats. Transl Res. 2010;155(3):131-41.
6. Iemitsu M, Shimojo N, Maeda S, Irukayama-Tomobe Y, Sakai S, Ohkubo T, et al. The benefit of medium-chain triglyceride therapy on the cardiac function of SHRs is associated with a reversal of metabolic and signaling alterations. Am J Physiol Heart Circ Physiol.2008;295(1):H136-44.
7. Swift LL, Hill JO, Peters JC, Greene HL. Plasma lipids and lipoproteins during 6 d of maintenance feeding with long-chain, medium-chain, and mixed-chain triglycerides. Am J Clin Nutr. 1992;56(5):881-6.
8. Asakura L, Lottenberg AM, Neves MQ, Nunes VS, Rocha JC, Passarelli M, et al. Dietary medium-chain triacylglycerol prevents the postprandial rise of plasma triacylglycerols but induces hypercholesterolemia in primary hypertriglyceridemic subjects. Am J Clin Nutr. 2000;71(3):701-5.
9. Hauenschild A, Bretzel RG, Schnell-Kretschmer H, Kloer HU, Hardt PD, Ewald N. Successful treatment of severe hypertriglyceridemia with a formula diet rich in omega-3 fatty acids and medium-chain triglycerides. Ann Nutr Metab. 2010;56(3):170-5.
10. Han JR, Deng B, Sun J, Chen CG, Corkey BE, Kirkland JL, et al. Effects of dietary medium-chain triglyceride on weight loss and insulin sensitivity in a group of moderately overweight free-living type 2 diabetic Chinese subjects. Metabolism 2007;56:985–91.
11. Traul KA, Driedger A, Ingle DL, Nakhasi D. Review of the toxicologic properties of medium-chain triglycerides. Food Chem
Toxicol. 2000;38(1):79-98.