Cuidado do paciente crítico com obesidade

Postado em 10 de março de 2025

Confira cuidados essenciais na UTI para otimizar o manejo nutricional e clínico do paciente crítico com obesidade.

A obesidade é prevalente na população de pacientes criticamente enfermos. Na UTI, cerca de 33% dos pacientes possuem obesidade, e 7% possuem obesidade grave. Mas afinal, quais devem ser os cuidados do paciente crítico com obesidade?

Além dos princípios básicos de cuidados intensivos, algumas recomendações específicas foram feitas para esse público, seja por pesquisas científicas, seja por diretrizes de saúde. A seguir, confira os principais diferenciais do cuidado do paciente crítico com obesidade. 

paciente crítico com obesidade

Fonte: Canva

Quais os impactos da obesidade nos desfechos do paciente crítico? 

O paciente crítico com obesidade apresenta maior número de comorbidades e complicações do que pacientes eutróficos. Estas incluem:

Maior morbidade: aumento do risco de infecções, falência de órgãos, maior tempo em ventilação mecânica e internações prolongadas.

Complicações respiratórias: redução da capacidade pulmonar, volume da reserva funcional, do pulmão e da complacência da parede torácica; maior risco aspirações pulmonar e pneumonia aspirativa, atelectasia e dificuldade no desmame ventilatório.

Alterações hepáticas e cardíacas: risco aumentado de insuficiência hepática (DHGNA, NASH, cirrose) e insuficiência cardíaca.

Inflamação crônica e distúrbios metabólicos: resistência à insulina,  intolerância à glicose, aumento da mobilização de ácidos graxos e propensão a hiperlipidemia.

Estado nutricional: degradação acelerada de proteínas com perda de massa magra, levando a obesidade sarcopênica.

Impacto na farmacocinética: alterações na absorção e distribuição de medicamentos.

Como identificar pacientes com alto risco de saúde?

Pacientes críticos com alto risco de saúde devido às condições relacionadas à obesidade podem ser identificados pela extensão de suas comorbidades e limitações funcionais.

Marcadores clínicos associados a alto risco incluem: 

  • IMC ≥ 40 kg/m²
  • Evidência de síndrome metabólica
  • Complicações específicas, como trombogênese 
  • Presença de gordura abdominal, adiposidade central ou lipotoxicidade de órgãos

A obesidade protege contra a mortalidade na UTI?

O efeito da obesidade sobre a mortalidade em UTI e no ambiente hospitalar são conflitantes.

O gráfico do efeito da obesidade sobre a mortalidade parece ser na forma de U, com benefícios na mortalidade observados na obesidade moderada (grau I e II), porém não está presente na obesidade grau III.

Um fator importante que pode explicar o provável benefício da obesidade sobre a mortalidade pode se dar ao fato que pacientes obesos são admitidos antes na UTI do que pacientes eutróficos, independentemente da gravidade da doença, podendo então serem assistidos de maneira mais intensa desde o início.

Avaliação nutricional do paciente crítico com obesidade

A avaliação inicial do paciente crítico obeso deve incluir:

1) Medidas antropométricas: peso atual, peso habitual, peso ideal, estatura, IMC e circunferência da cintura.

2) Biomarcadores da síndrome metabólica: níveis séricos de triglicérides, glicose, colesterol total e frações.

Ademais, pacientes obesos devem ser cuidadosamente avaliados em relação a presença e evolução de comorbidades pré-existentes, incluindo:

  • Apneia obstrutiva do sono
  • Doença pulmonar obstrutiva
  • Esteatohepatite não alcoólica (NASH)
  • Doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA)
  • Cirrose
  • Diabetes mellitus
  • Cardiomiopatia
  • Falência cardíaca congestiva
  • Hipertensão arterial
  • Hiperlipidemia 
  • Trombose venosa profunda

O grau da inflamação deve ser avaliado, por meio de proteína C reativa e sinais de resposta inflamatória sistêmica. Por fim, padrões de alteração de peso e ingestão de nutrientes antes da admissão também devem ser avaliados.

Considerações sobre o acesso enteral no paciente crítico com obesidade

Os pacientes obesos são mais propensos a ter aumento da pressão abdominal, o que promove refluxo gastroesofágico e aspiração. A predisposição clínica ao diabetes, associada a neuropatia entérica pode levar ao atraso do esvaziamento e baixa tolerância alimentar gástrica. 

Sendo assim, a nutrição enteral no intestino delgado, pode ser necessária para reduzir o risco de refluxo gastroesofágico e de aspiração pulmonar.

Os clínicos devem avaliar as opções de acesso à nutrição enteral. A presença de grande quantidade de tecido adiposo e abdome em avental em pacientes obesos grau III pode ser uma contraindicação relativa à colação da gastrostomia endoscópica percutânea (PEG). Cuidados com a PEG e risco de deslocamento devem ser considerados.

Recomendações energéticas e proteicas

Recomenda-se uma dieta hipo ou isocalórica para os pacientes críticos com obesidade. Em relação às proteínas, a dieta deve ser hiperproteica. Os objetivos são preservar a massa magra, maximizar a síntese de proteínas, mobilizar estoques de gordura e minimizar os efeitos metabólicos do overfeeding.

Energia

Apesar do paciente crítico com obesidade ter aumento das reservas nutricionais, o jejum prolongado não se justifica. Embora apresentem grande quantidade de massa de gordura corporal, isto nem sempre representa um reservatório de energia. 

Problemas relacionados ao metabolismo, como ciclos fúteis, resistência a ação da insulina e baixa utilização da gordura corporal como fonte energética podem predispor este paciente a grandes perdas nutricionais durante situações de hipercatabolismo. 

Nesse sentido, a ingestão energética deve ser guiada por calorimetria indireta, preferencialmente. As necessidades energéticas devem ser fornecidas em torno de 50 a 70% da necessidade total para evitar hiperalimentação, promover redução de gordura corporal e melhorar a sensibilidade à ação da insulina.

Alternativamente, quando a calorimetria indireta não estiver disponível, pode-se utilizar as fórmulas baseadas em peso. Indica-se:

  • 11 a 14 kcal/kg/dia do peso real para pacientes com IMC entre 30 a 50 kg/m²
  • 22 a 25 kcal/kg/dia do peso ideal para IMC eutrófico, se IMC > 50 kg/m²

Proteínas

As necessidades proteicas podem ser determinadas por equações baseadas no peso, auxiliadas por coleta de urina de 24 horas para a determinação do nitrogênio ureico urinário (NUU). Deve-se avaliar o grau da inflamação sistêmica (com base em biomarcadores inflamatórios e proteínas de fase aguda), por aumentar as necessidades proteicas em pacientes graves.

As necessidades proteicas podem ser estimadas em:

  • > 2,0 g/kg de peso ideal para obesidade grau I e II (IMC 30-40 kg/m²)
  • > 2,5 g/kg peso ideal para obesidade grau III (IMC >40 kg/m²)

Além disso, pode-se realizar a coleta da urina de 24 horas para obtenção do NUU. A avaliação da adequação da ingestão proteica pode ser avaliada pela determinação do balanço nitrogenado utilizando-se a fórmula:

Balanço nitrogenado (g/d)=[ingestão de nitrogênio (g/d)- NUU/0,85 (g/d)-2]

As necessidades proteicas (NP) podem ser determinadas pela seguinte equação:

NP (g)=[NUU/0,85 (g/d)+2] x 6,25

Qual a fórmula enteral ideal para o paciente crítico com obesidade?

Uma formulação única deve ser desenhada para o paciente obeso crítico. A fórmula deve ter: 

  • Baixa relação calorias não proteicas por grama de nitrogênio (50 a 40:1) 
  • Densidade calórica < 1 kcal/ml

Para assegurar que as necessidades de glicose serão atingidas, no mínimo 125 g de glicose devem ser fornecidas. Para pacientes com necessidades de cicatrização de feridas ou inflamação significativa, grandes quantidades de carboidratos podem ser necessárias, até 250 g/dia. Por estas razões, a fórmula proposta deve ter 120 a 150g de glicose por litro. 

Deve ser selecionada a fórmula de nutrição enteral com: 

  • Melhor tolerância
  • Proteínas na forma de pequenos peptídeos
  • Lipídios: óleo de peixe e triglicérides de cadeia média (TCM)

Ademais, vários fármaconutrientes ou agentes imunomoduladores devem ser considerados no fornecimento do pacientes obeso crítico, tanto na forma de suplementos ou contendo dentro da fórmula.

Em seguida, também é interessante considerar a utilização de pré e probióticos. A microbiota intestinal na obesidade é caracterizada por uma alta razão de firmicutes para bifidobactérias. Essa condição piora a permeabilidade da barreira intestinal, e contribui para a liberação de citocinas inflamatórias para a circulação linfática. 

Sendo assim, a utilização de prebióticos (inulina ou frutooligossacárides) ou probióticos (lactobacillus ou bifidobactérias) devem ser consideradas.

Finalmente, as fórmulas desenvolvidas para o paciente obeso crítico devem conter uma quantidade limitada de frutose e gordura saturada

Como o paciente crítico com obesidade deve ser monitorado?

Devem ser considerados o uso de monitores específicos para avaliar a tolerância e garantir a adequação da terapia nutricional no paciente obeso na UTI.

A utilização em série da calorimetria indireta pode ser necessária para reavaliar as mudanças nas necessidades energéticas como melhora ou piora da condição clínica do paciente. O balanço energético cumulativo deve ser seguido para confirmar se os pacientes são mantidos em 50 a 70% das necessidades energéticas.

Coletas em série da urina de 24 horas para monitorizar o balanço nitrogenado podem ser necessárias, confirmando se a oferta de proteína está adequada. 

Especialmente nas fórmulas hiperproteicas, o nitrogênio ureico e a creatinina devem ser seguidos para avaliar a tolerância da oferta proteica. 

Os pacientes devem ser monitorados para manter um controle moderado da glicose, mantendo níveis de glicose abaixo de 180 mg/dl. 

Níveis séricos de triglicérides, colesterol e enzimas hepáticas devem ser acompanhados. 

O volume da dieta também deve ser monitorado para assegurar a infusão prescrita. 

Segundo a Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN), deve-se monitorar hiperglicemia, hiperlipemia, hipercapnia, balanço hídrico e esteatose hepática.

Conclusão

Em suma, a obesidade no paciente crítico exige um cuidado nutricional diferenciado para minimizar complicações e otimizar desfechos clínicos.

O manejo envolve avaliação criteriosa do estado nutricional, oferta ajustada de energia e proteínas, escolha adequada da fórmula enteral e monitoramento contínuo de parâmetros metabólicos. 

Além disso, estratégias como o uso de farmaconutrientes, prebióticos e probióticos podem contribuir para melhores resultados.

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Referências:

McClave SA, Kushner R, Van Way CW 3rd, Cave M, DeLegge M, Dibaise J, Dickerson R, Drover J, Frazier TH, Fujioka K, Gallagher D, Hurt RT, Kaplan L, Kiraly L, Martindale R, McClain C, Ochoa J. Nutrition therapy of the severely obese, critically ill patient: summation of conclusions and recommendations. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2011 Sep;35(5 Suppl):88S-96S.

Pierre Singer, Annika Reintam Blaser, Mette M. Berger, et al. ESPEN guideline on clinical nutrition in the intensive care unit. Clinical Nutrition, 2019.

Diretriz BRASPEN de Terapia Nutricional no Paciente Grave. 2023 

Singer P, Blaser AR, Berger MM, Calder PC, Casaer M, Hiesmayr M, Mayer K, Montejo-Gonzalez JC, Pichard C, Preiser JC, Szczeklik W, van Zanten ARH, Bischoff SC. ESPEN practical and partially revised guideline: Clinical nutrition in the intensive care unit. Clin Nutr. 2023; 42(9):1671-1689.

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