Os probióticos vão muito além das cepas: conheça os mecanismos, aplicações e avanços científicos que estão moldando o futuro destes microrganismos benéficos.
Atualmente, os probióticos representam um dos campos de estudo mais dinâmicos da medicina e nutrição moderna. O interesse por esses microrganismos benéficos deve-se, em grande parte, aos avanços na ciência do microbioma, o complexo ecossistema de trilhões de microrganismos que habita nosso trato gastrointestinal e influencia processos vitais.
A expansão de pesquisas neste campo prenuncia uma era de mudanças significativas na saúde humana, com foco em intervenções que modulam a assinatura microbiana de saúde e doença.

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Mas afinal, o que são os probióticos, e como eles funcionam? A seguir, entenda a ciência por trás deste microrganismos.
O que são probióticos?
Embora o conceito de usar microrganismos para melhorar a saúde intestinal remonte a 1908, a definição mais aceita hoje foi formulada pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e pela OMS (Organização Mundial da Saúde), em 2002.
Desse modo, probióticos são microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem um benefício para a saúde do hospedeiro.
Eles são usados como aditivos alimentares ou suplementos dietéticos, sendo que os gêneros mais comuns incluem Lactobacillus, Bifidobacterium, Bacillus, Enterococcus e a levedura Saccharomyces.
No mercado comercial, probióticos estão disponíveis de diferentes formas, como comprimidos, cápsulas, pós, cosméticos, bebidas, etc. Já em fontes alimentares, eles são encontrados em produtos como kombucha, iogurtes, queijos, kefir, tempeh, e missô.
Para que um microrganismo seja classificado como probiótico, ele deve atender a critérios rigorosos de segurança e funcionalidade. Estes incluem:
- Não patogenicidade
- Tolerância a condições adversas, como o ácido gástrico e a bile
- Capacidade de aderir à mucosa intestinal
- Eficácia na modulação do sistema imunológico
Os três grupos de probióticos
De acordo com a literatura, os probióticos podem ser classificados em três grupos principais, de forma prática: Lactobacilos, Bifidobactérias e outros.
O gênero Lactobacillus contém espécies de bactérias em forma de bastonete que há muito tempo são componentes de alimentos fermentados, e também são encontradas em humanos. Muitos probióticos utilizam este gênero, com benefícios que vão desde o prolongamento da vida útil dos alimentos (por exemplo, na produção de iogurte ou queijo a partir do leite) até a melhoria da saúde.
Bifidobacterium spp. é um grupo de probióticos muito importante para humanos, com funções fisiológicas de restringir o crescimento de bactérias patogênicas, inibir citocinas pró-inflamatórias, proteger contra a disfunção da barreira intestinal, sintetizar vitaminas e aminoácidos no intestino e aumentar a biodisponibilidade do cálcio. Além disso, estudos sugerem que podem ser carreadoras especiais de proteínas anticancerígenas contra tumores malignos.
A essência das cepas probióticas
A ciência enfatiza que as propriedades e os potenciais benefícios de um probiótico são estritamente dependentes da cepa probiótica utilizada e de sua dosagem, não podendo ser extrapolados de uma para outra, mesmo que ambas pertençam à mesma espécie.
Por exemplo, cepas específicas de Lactobacillus acidophilus, como LA-1, LA-5, NCFM, DDS-1 e SBT-2026, têm sido amplamente estudadas por sua capacidade de aderir a células intestinais e tolerar a bile, características essenciais para a sobrevivência e colonização.
O mesmo ocorre com o Lactobacillus rhamnosus, cujas adaptações permitem sua sobrevivência em ambientes ácidos e básicos, permitindo potencialmente vantagens prolongadas devido à sua capacidade de colonizar as paredes intestinais.
É por isso que a investigação sobre a ação da cepa probiótica continua. Embora existam mecanismos de atividade compartilhados entre diferentes cepas, espécies e gêneros, muitas cepas possuem propriedades únicas que estão ligadas a seus benefícios clínicos específicos.
O mecanismo de ação específico de cada cepa probiótica ainda está sob investigação aprofundada, exigindo estudos rigorosos para determinar quais dosagens garantem a eficácia e segurança.
Mecanismos de ação: diálogos com o hospedeiro
A eficácia dos probióticos reside em seus vários mecanismos de ação, que se manifestam através de um diálogo complexo e contínuo com o organismo hospedeiro. Estes mecanismos incluem:
– Proteção contra patógenos: os probióticos competem com microrganismos prejudiciais por locais de ligação na mucosa e por nutrientes, além de produzirem compostos antimicrobianos, como as bacteriocinas, que podem inibir a colonização de patógenos.
– Melhoria da função de barreira: bactérias probióticas fortalecem a função de barreira intestinal através da regulação positiva de proteínas de junção apertada (como a claudina-1 e a ocludina), que são cruciais para a integridade do epitélio e evitam a “permeabilidade intestinal”.
– Modulação imunológica: os probióticos atuam como moduladores do sistema imune, influenciando as respostas inflamatórias e a produção de citocinas (como a IL-10, que é anti-inflamatória), e induzindo a secreção de mucinas para proteger o intestino.
– Produção de metabólitos: a produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs) e outros compostos úteis, como vitaminas e oligossacarídeos, é um mecanismo chave, que apoia a resistência epitelial do cólon e influencia o metabolismo.
Segurança e controle de qualidade
O consumo de probióticos é considerado seguro para a maioria das pessoas, mas é fundamental que as cepas probióticas utilizadas sejam bem caracterizadas e testadas quanto à ausência de genes de virulência e resistência antimicrobiana.
Em grupos vulneráveis, como imunocomprometidos e idosos, a administração deve ser cautelosa, sempre sob orientação profissional.
Órgãos reguladores, como a EFSA (Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar) e a FDA (Food and Drug Administration) exigem comprovação da identidade genética, pureza e estabilidade do produto.
No Brasil, a ANVISA adota exigências similares: a Resolução RDC nº 241/2018 exige que, para probióticos em alimentos, seja comprovada a segurança, eficácia/benefício à saúde, além da caracterização inequívoca da linhagem utilizada. Também é necessária a demonstração de viabilidade ou estabilidade da cepa no produto até o prazo de validade.
Aplicações e o futuro dos probióticos
Os probióticos têm demonstrado potencial terapêutico em uma ampla gama de condições. Por exemplo, na saúde digestiva, estes microorganismos são ferramentas valiosas para a prevenção e tratamento da diarreia associada a antibióticos e infecções por Clostridium difficile. Além disso, podem aliviar sintomas da Síndrome do Intestino Irritável (SII) e ajudar na erradicação do Helicobacter pylori.
Além do intestino, as aplicações se estendem:
- Saúde metabólica: o consumo de probióticos pode melhorar marcadores inflamatórios, o controle glicêmico e o metabolismo da insulina em pacientes com diabetes tipo 2 ou síndrome metabólica.
- Eixo intestino-cérebro: pesquisas emergentes indicam que o “eixo intestino-cérebro” conecta a saúde mental e gastrointestinal. Os probióticos podem ter potencial para aliviar a ansiedade e a depressão, influenciando a síntese de neurotransmissores e a inflamação.
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Outras condições que podem se beneficiar do uso de probióticos incluem câncer colorretal, eczema atópico, alergias, infecções do trato respiratório, obesidade, doenças cardiovasculares, doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), encefalopatia hepática, transtorno do espectro autista (TEA), queimaduras e doenças ginecológicas.
Nesse sentido, a tecnologia também avança para otimizar a entrega desses microrganismos. Por exemplo, o desenvolvimento de simbióticos (combinação de probióticos e prebióticos) aumenta a eficácia e estabilidade das células probióticas.
Já técnicas de encapsulamento, como a secagem por spray drying (embora possa ter risco de dano por calor), protegem os probióticos contra riscos durante a produção, armazenamento e o trânsito gastrointestinal, prolongando sua viabilidade e facilitando a aplicação em alimentos funcionais.
Por fim, conceitos emergentes como pós-bióticos (substâncias bioativas produzidas pelos probióticos) e paraprobióticos (micro-organismos inativados com efeito funcional) ampliam as possibilidades terapêuticas e comerciais desse campo.
Conclusão
O crescente mercado e a incessante pesquisa científica em torno dos probióticos confirmam seu papel como uma estratégia eficaz na prevenção e melhoria de diversas condições de saúde.
A mensagem central da ciência permanece clara: a especificidade da cepa probiótica é a chave para o benefício, mas sua verdadeira força reside nos efeitos sistêmicos e complexos que a ciência tem desvendado.
Entender os probióticos hoje significa ir muito além da simples classificação taxonômica, abraçando toda a biologia molecular e a interação com o hospedeiro para revolucionar a medicina preventiva e terapêutica.
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- Ação dos probióticos nas complicações gastrointestinais em câncer colorretal
Referências:
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Sarita B, Samadhan D, Hassan MZ, Kovaleva EG. A comprehensive review of probiotics and human health-current prospective and applications. Front Microbiol. 2025 Jan 6;15:1487641. doi: 10.3389/fmicb.2024.1487641.

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Farmacêutica, Gerente de Suporte Técnico e Novos Negócios na IFF Health Sciences para a América Latina; especializações em Biotecnologia e Gestão da Qualidade, MBA em Gestão Estratégica e vasta experiência na indústria farmacêutica e de ingredientes


