Guia Brasileiro de Nutrição em Cirurgia Bariátrica e Metabólica

Postado em 19 de maio de 2023

Novo guia aborda os critérios e indicações estabelecidos para cirurgia bariátrica, bem como as recomendações nutricionais e tratamentos.

A cirurgia bariátrica (CB) tem se mostrado uma opção de tratamento eficaz para promover a perda de peso a curto prazo, além de controlar e reverter diversas doenças, o que justifica a necessidade de ter um guia brasileiro para tal condição.

Nos últimos anos, observou-se no Brasil um aumento de quase 85% no número de procedimentos e, com isso, a necessidade de condutas nutricionais adequadas para garantir o sucesso da cirurgia também cresceu.

guia brasileiro cirurgia bariátrica

Fonte: shutterstock.com

Para suprir a lacuna de recomendações específicas para a nossa população, foram elaboradas diretrizes que abordam os critérios estabelecidos para a realização da cirurgia bariátrica, bem como as novas indicações sugeridas pela Associação Americana de Cirurgia Bariátrica e Metabólica e pela Federação Internacional de Cirurgia da Obesidade.

Foram incluídas recomendações para auxiliar na prática clínica individualizada dos nutricionistas brasileiros, no manejo nutricional de pacientes bariátricos, incluindo tratamento nutricional pré e pós-operatório, suplementação nutricional, hipoglicemia e hiperinsulinemia reativa, recorrência de obesidade, microbiota e doenças inflamatórias intestinais.

Recomendações nutricionais para pacientes submetidos a cirurgia bariátrica

A diretriz elenca uma série de recomendações que envolve tanto técnicas não-cirúrgicas e mais simples, como o balão intragástrico, como as técnicas cirúrgicas convencionais, incluindo fatores de indicação, métodos a serem considerados na avaliação nutricional e as principais recomendações no tratamento pré e pós cirúrgico.

Veja a baixo alguns destaques.

Avaliação e diagnóstico nutricional

A avaliação nutricional deve ser realizada em todas as fases do tratamento e é fundamental conhecer o histórico do paciente, seus hábitos, tratamentos anteriores, presença de comorbidades, presença de transtornos alimentares, alergias, padrões alimentares e investigar o histórico familiar (obesidade ou outras condições crônicas).

Alguns aspectos devem ser levados em consideração:

  • Classificação de peso corporal: eutrófico/IMC normal (IMC 25 kg/m²), obesidade grau I (IMC 30 kg/m²) e obesidade grave (IMC ≥ 50 kg/m²).
  • Peso adequado: definido por meio da dedução do peso adequado (IMC 25 kg/m² × Altura² ou IMC 30 kg/m² × Altura²) com relação ao peso atual.
  • Circunferência da cintura: parâmetro para avaliar o risco de doenças cardiovasculares, com limitações devido à adiposidade na região (recomenda-se medir a circunferência considerando a maior protuberância, preferencialmente na altura do umbigo).
  • Circunferência da panturrilha: método para estimar a massa muscular e diagnosticar a sarcopenia do envelhecimento e obesidade sarcopênica, podendo ser afetada pelo excesso de gordura subcutânea ou acúmulo de fluidos (deve ser usada na ausência de edema).

Avaliação nutricional antes e após cirurgia bariátrica e metabólica:

MétodosPeríodo de avaliaçãoDados coletados para avaliação
AdolescenteAdultoIdosoGestante
AntropométricoMensal até o 6º mês, trimestral até o final do 1º ano, semestral até o final do 2º ano e anual a partir do 3º anoPeso, altura, IMC, % redução de peso e circunferências (cintura, pescoço e panturrilha)Peso (avaliação simultânea do crescimento fetal), altura e IMC (gestante)
BioquímicoTrimestral até o final do 1º ano e anual a partir do 2º anoHemograma completo, ferritina, índice de saturação de transferrina, transferrina, capacidade total de ligação da transferrina, ácido fólico B9, vitamina B12, ácido acetil malônico (AAM), vitamina B1, vitamina C, vitamina A (beta-caroteno), vitamina D, vitamina E, vitamina K, cálcio, fósforo, magnésio, paratormônio, cobre celuroplasmina, zinco, selênio, proteínas totais e frações, peptídeo C e funções hepáticas e renais
Consumo alimentarMensal até o 6º mês, trimestral até o final do 1º ano, semestral até o final do 2º ano e anual a partir do 3º anoRegistro Alimentar 3 dias (RA3), alimentos semi-quantitativos e questionário de frequência de consumo alimentar (QFCA)
Composição corporalSemestral até o final do 2º ano e anual a partir do 3º anoBioimpedância elétrica, tetrapolar, segmentado e DEXA (quando possível)DEXA (1 ano após gravidez)
Exame físicoCabelo (brilho, textura, queda), pele (seca), olhos (conjuntiva), boca (feridas nos cantos), glossite, unhas frágeis e quebradiças, edema em membros inferiores, sinais de deficiências nutricionais (cólicas, formigamento, dor no pé), alterações sensoriais (paladar e olfato) e memória

 

Tratamento nutricional em cirurgia bariátrica e metabólica

Tratamento nutricional após a colocação do balão intragástrico:

FaseConsistência da dietaAlimentos permitidosObservações
1) 3 primeiros dias após a implantação do balãoDieta líquida claraÁgua sem gás, chá sem adição de açúcar, água de coco, suco sem açúcar (com baixo teor de ácido), proteína líquida, gelatina sem açúcar, caldo/sopa transparente, picolé de frutas sem açúcar (não cremoso)Evitar café e chás (com cafeína)
2) 3 a 14 dias após o implante do balãoDieta líquida completaManter os alimentos permitidos na primeira fase e incluir leite desnatado e iogurte sem adição de açúcar, aveia diluída, sopa de legumes (misturada e peneirada)A recomendação calórica para a 2ª fase é entre 1000 e 1200kcal/dia (durante este período, ocorre uma rápida perda de peso)
3) 15 a 21 dias após o implante do balãoDieta pastosaA comida deve ter uma textura bem macia, podendo incluir creme liquefeito de legumes e leguminosas, frutas raladas ou amassadas (o paciente deve avaliar a introdução da alimentação, bem como a aceitação da textura da preparação)A recomendação nutricional nesta fase é de 1200 a 1500kcal/ dia, com 60 a 80g de proteína/dia
4) Após 22 dias de implantação do balãoDieta normal/sólidaFase que compreende a textura sólida dos alimentosManter uma dieta balanceada com perda de peso continua, porém mais lenta

 

Orientações nutricionais após a introdução de uma dieta sólida:

  • Introduzir gradativamente os alimentos sólidos;
  • Priorizar a mastigação;
  • Ingerir alimentos sempre cozidos (evitando alimentos crus);
  • Limitar a ingestão de pães e massas (aderem ao balão e podem causar halitose);
  • Ingerir ½ copo de água 30 minutos antes e após as refeições;
  • Evitar deitar-se após as refeições (aguardar pelo menos 2 horas);
  • Exercitar-se por 15 a 30 minutos diariamente (caminhadas e exercícios leves).

 

10 passos para uma manutenção de peso bem-sucedida:

  1. Continuar o acompanhamento nutricional mensalmente ou a cada dois meses para manter a perda de peso (por seis meses);
  2. Seguir as recomendações nutricionais (perda de peso insuficiente está associado à não adesão às recomendações e não cumprimento das orientações dietéticas);
  3. Comer 3 refeições e 2 pequenos “lanches inteligentes” ao longo do dia;
  4. Comer devagar e mastigar bem a comida;
  5. Evitar alimentos ricos em açúcar e carboidratos simples e limitar o consumo de álcool 1-2 bebidas/semana;
  6. A ingestão de líquidos deve ser de 8 a 10 copos de água/dia;
  7. Ingerir proteínas de alto valor biológico em todas as refeições;
  8. Monitorar o peso uma vez por semana;
  9. Praticar exercícios físicos regularmente (pelo menos 3 vezes por semana), atingindo o objetivo de 10.000 passos/dia;
  10. Evitar: lanches entre as refeições, se alimentar pouco antes de dormir, alimentos processados (batata frita, barra de cereais e biscoitos, pois a maioria desses alimentos contém ingredientes que estimulam o apetite e são ricos em sódio, gordura e carboidratos).

 

Evolução e características das dietas pós-operatórias de adolescentes, adultos (não vegetarianos e vegetarianos) e idosos:

FaseConsistência DietaEnergia (kcal)Proteínas (g)Lipídios (%)Carboidratos (g)Açúcar (%)Água (L)Restrições
1Líquido claro em intervalos curtos

Período: 24h PO

Volume: iniciando com 50mL/h, progredindo para 100mL-200mL/h, de acordo com a tolerância do paciente

Obs: Associado a suplementação proteica (protocolo ERAS/BS)

 

Álcool, cafeína e carnes duras
2Período: início 2º ou 3º dia, até o 14º dia PO

Volume: 50, ml/h, evoluindo para 100 ml/h, conforme tolerância do paciente

 

> 300 a 500kcal/dia25 a 30g por porção1,5LBebidas gaseificadas e líquidos com as refeições principais
3Período Pastoso: 15º ao 30º dia PO500kcal/dia 25 a 30g por porçãoPriorizar alimentos fonte de proteína (3-5 vezes ao dia)Priorizar os ácidos graxos insaturadosDoces e frituras
4Alimentos sólidos

Período mole/ normal: a partir do 30º dia PO

 

500 a 750kcal/dia60 a 120g/dia ou 1,5g/kg/dia25 a 30% de ingestão calórica total130g

Priorizar alimentos prebióticos e grãos integrais

 

< 10% da ingestão calórica totalPipoca, sucos e alimentos processados

 

Para uma adequação alimentar completa, deve-se seguir os modelos My Plate e DASH, que recomendam refeições menores e ricas em proteínas, grãos integrais, vegetais, frutas e alimentos fontes de ômega 3, excluindo doces.

  • Proteína: entre 60 e 120g/dia, ou 1,5g/kg/dia de peso ideal para adultos, podendo ser maior em alguns casos (manutenção da massa magra).
  • Água: ingestão mínima de 1,5L de água por dia.
  • Carboidratos: no pós-operatório deve iniciar com 50g e aumentar gradativamente.
  • Fibras: pelo menos cinco porções/dia de frutas e vegetais frescos (400g), incluindo prebióticos.
  • Lipídios: 20 a 35%.
  • Comportamentos alimentares: mastigação adequada, alimentação consciente, saciedade, evitar líquidos durante as refeições e limitar o consumo de açúcares simples, bebidas gaseificadas e álcool.

Por que ter Guia Brasileiro de Nutrição em Cirurgia Bariátrica e Metabólica?

O Nutritotal conversou com a nutricionista Carina Rossoni, Doutora em Ciências da Saúde e uma das autoras desse guia para entender a sua importância para os profissionais brasileiros. Veja o que o ela nos disse sobre as cirurgias bariátricas e metabólicas no Brasil.

Carina, qual o perfil dos pacientes que buscam a cirurgia bariátrica no Brasil?

Perfil dos pacientes submetidos ou que têm acesso ao tratamento cirúrgico da obesidade no Brasil, são mulheres, jovens e homens com superobesidade, ambos que apresentam comorbidades associadas de forma elevada, tais como hipertensão arterial, diabetes, esteatose hepática, dislipidemia, síndrome metabólica, síndrome de apneia obstrutiva do sono, osteoartropatias, síndrome de ovários policísticos e demais.  Que realizaram inúmeros tratamentos para a redução do peso, com acompanhamento, por meio de dietas hipocalóricas e medicamentos, sem resposta considerando o quadro clínico de indicação para a cirurgia bariátrica e metabólica: IMC ≥ 35kg/m2 com comorbidades, ou IMC ≥ 40kg/m2.

Cabe destacar que, há 7 anos, o Conselho Federal de Medicina (CFM), aprovou o tratamento cirúrgico do diabetes tipo 2, com critérios para a falha de tratamento e obesidade leve com IMC entre 30kg/m2 e 34,9kg/m2. Logo no ano passado, 7% de todas as cirurgias bariátricas e metabólicas realizadas no Brasil, 21.875 mil pessoas portadoras de DM2 foram beneficiadas (SBCBM, 2023).

Logo este perfil, amplia-se a medida que pessoas mais doentes, metabolicamente falando, possuem indicação de tratamento cirúrgico, com uma obesidade grau I.

Quanto o nutricionista é procurado para fazer uma carta de indicação para cirurgia, o que ele deve considerar?

Ele deve conhecer: história/curso das doenças (obesidade e/ou diabetes), tratamentos previamente realizados, história familiar, doenças associadas, aspectos sociais, econômicos e emocionais, rede de apoio, atividade laboral, prática de atividade física. E claro, avaliação nutricional formal e sistematizada: antropométrica, bioquímica, dietética, (padrão/comportamento alimentar) composição corporal, exame físico.  Conhecer o contexto, assim como estudar e muito sobre a obesidade/doenças metabólicas, os critérios de indicação de tratamentos.

Já a emissão do laudo nutricional para a cirurgia: além de constar as informações descritas acima, a descrição da evolução do tratamento nutricional no pré-operatório.

Qual é a importância de ter um guia nacional sobre o tema?

Nortear a prática clínica dos nutricionistas que atuam na área do tratamento da obesidade, em todas as esferas de atendimento em nutrição no Brasil, baseada em evidências científicas nacionais e internacionais, a fim de promover qualidade e segurança no tratamento das pessoas que vivem com esta doença tão grave e estigmatizada. Cabe destacar que neste guia além de estar adequado aos novos critérios, atualizados, de indicação  para a cirurgia bariátrica e metabólica, contempla: sistematização do tratamento nutricional a qual abrange desde a pré-admissão, pré-operatório e o pós operatório (adolescente, adulto, idoso, gestante e vegetarianismo), suplementação nutricional,  hipoglicemia e hiperinsulinemia reativa; recorrência da obesidade e o manejo nutricional nas doenças inflamatórias intestinais e microbiota.

Pensando na prática clínica, o que você considera essencial para que nutricionistas atendam esse público da melhor forma possível, pensando em proporcionar saúde e qualidade de vida a longo prazo?

Ter conhecimento sobre a doença obesidade, doença metabólica, sobre o que é! Compreender os aspectos fisiológicos do trauma, pois precisamos lembrar sempre que o nosso paciente é um paciente cirúrgico. Estar em constante atualização e aperfeiçoamento sobre a obesidade e o diabetes. Avaliação, diagnóstico e a intervenção nutricional nas doenças metabólicas.

Somente a partir do conhecimento (baseado em evidências) permite-se:

Acolher este público, uma vez que são pessoas que vivem com doenças complexas (obesidade e diabetes) estigmatizadas, de difícil controle e redicivantes.

Iniciar o processo de educação alimentar, e não reeducação, de acordo com a realidade de cada um e do que a CBM exige:  desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis e sustentáveis, associados aos bons hábitos de vida (atividade físicas) para a manutenção da remissão das doenças metabólicas a longo prazo.

Nutricionista Carina Rossoni Carina Rossoni

CRN10 0636 / ON4830
Doutora em Ciências da Saúde/Clínica Cirúrgica – Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Membro da IFSO, do Núcleo de Saúde Alimentar da SBCBM (2017-2022) e do Departamento de Cirurgia Bariátrica da ABESO (2020-2022)
Vice coordenadora da Comissão de Nutrição do GEDIIB (2023-2024)
Coordenadora do Bariatric Channel Health Specialities (2023-2024)

 

Leia também:

Referência:

Pereira, S. E.; Rossoni, C.; Cambi, M. P. C.; et al. Brazilian guide to nutrition in bariatric and metabolic surgery. Langenbecks Arch Surg 408, 143 (2023).

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