A adesão é um dos principais fatores que definem o sucesso de um tratamento nutricional. Evidências com pacientes obesos mostram que, mais importante do que o tipo de dieta seguida, é a capacidade dos pacientes de aderirem ao plano alimentar. Já na doença celíaca, é um exemplo de que a adesão à uma dieta restrita, no caso, a alimentação sem glúten, é primordial, sendo este o único tratamento disponível até o momento.
Sendo assim, para as mais diversas condições de saúde, os nutricionistas devem moldar o planejamento nutricional de modo que os pacientes realmente se motivem a seguir suas propostas a longo prazo. Por isso, neste artigo em comemoração ao Dia do Nutricionista, o Nutritotal preparou um guia completo com 10 dicas imperdíveis para melhorar a adesão dos seus pacientes ao plano alimentar. Confira-as a seguir!
Identifique o grau de motivação do seu paciente
Em primeiro lugar, avalie o paciente em relação à sua prontidão para mudanças. Deste modo, você descobre em qual nível de motivação ele está inserido, e pode moldar o plano alimentar de acordo com essa informação.
Uma das formas para avaliar esse quesito é o “Modelo Transteórico”, no qual as etapas de mudança são compostas por 5 estágios:
- Pré-contemplação: nesta fase, o paciente não está apto a mudar nos próximos meses e nega a presença de problema.
- Contemplação: o paciente sabe da existência do problema e se prontifica a modificá-lo, mas não apresenta previsão de quando irá iniciar, pois enxerga obstáculos que o impedem de realizar a mudança.
- Preparação: inicia quando o paciente está pronto para realizar uma mudança de hábitos, pois percebe que os prós são maiores que os contras.
- Ação: fase em que o paciente altera seu comportamento, mas a possibilidade de ocorrer recaídas ainda é muito grande, o que requer atenção.
- Manutenção: estágio em que a mudança de comportamento já ocorreu, e está presente na rotina por mais de seis meses.
Geralmente, o paciente que procura ajuda nutricional por vontade própria está na fase de contemplação ou preparação. O papel do nutricionista será propor mudanças coerentes que façam o paciente avançar, até que alcance a fase de manutenção.
Já se o paciente se encontra no estágio de pré-contemplação, como idosos que se negam a realizar qualquer mudança alimentar mesmo na presença de doenças, os esforços do profissional devem ser voltados a motivar os pacientes acerca da necessidade de mudança, através da educação alimentar e nutricional. No plano alimentar, isso se reflete em ajustes pequenos, pois mudanças drásticas dificilmente serão acatadas.
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Coerência à alimentação habitual
Com base no inquérito alimentar aplicado em sua consulta, crie um plano alimentar que já seja coerente com a alimentação habitual do seu paciente. Claro, de acordo com o grau de motivação visto anteriormente, essas mudanças podem ser maiores ou menores, mas sempre orientada pela rotina que o paciente já possui.
Por exemplo, um café da manhã geralmente composto por pão, margarina e café com altas quantidades de açúcar pode ser transformado em:
- Pão, ovos mexidos com manteiga, café com leite sem açúcar, e mamão com aveia (em um paciente altamente motivado); ou
- Pão, manteiga, café com uma menor quantidade de açúcar e banana (em um paciente menos motivado).
Perceba como as mudanças se deram de acordo com o paciente, mas a base se manteve em ambos. Transformar este exemplo em uma refeição composto por tapioca, vitaminas, mingau ou outras preparações que o paciente ainda não está tão acostumado pode dificultar a adesão inicial.
Além disso, seja sempre orientado pelas preferências e aversões do indivíduo. Claro, a aversão por grupos alimentares inteiros (como frutas) deve ser trabalhada e superada, mas a aversão por um único alimento em específico deve ser respeitada, evitando que se inclua no plano alimentar.
Por fim, não se esqueça de considerar o contexto cultural que o paciente está inserido. Por exemplo, no atendimento online com indivíduos de outros estados/países, conheça a alimentação local de modo a construir um plano alimentar culturalmente coerente.
Atenção para o contexto socioeconômico
É comum a impressão de que a alimentação saudável é necessariamente muito cara do que o normal. Muitas vezes, essa concepção pode ser perpetuada por nutricionistas que não levam em conta o contexto socioeconômico que o paciente se insere na hora de estruturar o plano alimentar.
Nesta situação, o paciente pode ficar constrangido de informar que não terá condições de arcar com os custos da intervenção dietética, e sai da consulta frustrado. Assim, a adesão ao tratamento não será contemplada.
Sendo assim, é sempre recomendado que se procure entender de qual realidade o indivíduo é proveniente, para orientar a decisão de quais alimentos serão ou não incluídos. Algumas perguntas sutis podem ser feitas na sua consulta, de modo de realizar essa investigação:
- Você trabalha atualmente? Com o que?
- Quanto você despende mensalmente para a compra de alimentos?
- Pra você, comer saudável é caro?
Se tomarmos como exemplo as oleaginosas e as sementes, sabemos que algumas variedades podem ser caras, tais como pistache, noz pecã, avelã, chia, etc. Como alternativa, alimentos como amendoim e semente de gergelim também são nutricionalmente ricos, mas com menores preços. Na dúvida, não tenha medo de perguntar ao seu paciente: “esse alimento ou essa preparação faz sentido para você?”.
Além disso, lembre-se de incluir alimentos que estão na safra, pois além do menor preço, essas variedades costumam ser de mais fácil acesso, mais saborosas e nutritivas. A indicação de feiras-livres, sacolões e varejões também será de grande importância para o paciente de baixa renda conseguir aderir ao plano alimentar.
Por fim, na necessidade de corrigir deficiências nutricionais, sempre opte pela alimentação em primeiro lugar. Por exemplo, para aumentar o aporte proteico do paciente vegetariano, prefira a combinação de cereais e leguminosas, e não as proteínas isoladas (que costumam ser mais caras). A prescrição de suplementos deve vir somente na real necessidade, em que os ajustes alimentares não darão conta de suprir as inadequações.
Trabalhando com as substituições
Por mais coerente e aplicável que seja um cardápio, os pacientes podem perder a motivação ao aderi-los se não tiverem os ingredientes/alimentos necessários, ou até mesmo se enjoarem de determinada preparação.
Por isso, o recomendado é que os nutricionistas sempre dêem outras opções de refeições, com grupos alimentares similares. Dependendo do objetivo para cada paciente, as substituições podem ser feitas de modo a serem semelhantes em calorias, proteínas, determinados micronutrientes, etc.
Para o indivíduo com anemia ferropriva, é interessante que a similaridade das substituições se foque na quantidade de ferro, por exemplo. Se tratar-se de uma anemia megaloblástica, as substituições devem ser coerentes no teor de vitamina B12, e assim por diante.
Desse modo, com opções variáveis do que comer em cada refeição, o paciente estará mais propenso a seguir o planejamento elaborado, evitando a má adesão.
Em busca da praticidade
No mundo moderno, muitos indivíduos levam uma vida extremamente atarefada, deixando a alimentação em segundo plano. As crescentes demandas podem ser um obstáculo para que o paciente siga o planejamento alimentar de forma apropriada.
Nestes casos, o papel do nutricionista será entender a rotina do paciente e, juntamente a ele, encontrar tempo e soluções viáveis.
Algumas dicas para facilitar a adesão ao plano alimentar no contexto de falta de tempo e praticidade incluem:
- Inclua alimentos e preparações práticas. Frutas que não precisam ser descascadas ou snacks rápidos são boas opções;
- Ofereça uma lista de compras semanal/mensal para que o plano alimentar possa ser seguido;
- Se o indivíduo não possui habilidades na cozinha, ofereça um e-book ou livro de receitas saudáveis para iniciantes. Ao dominar técnicas culinárias, a preparação de alimentos pode ficar muito mais rápida;
- Oriente preparações que possam ser feitas em grandes quantidades e congeladas posteriormente;
- Entenda a possibilidade do indivíduo adquirir marmitas saudáveis, ou ainda prepará-las aos finais de semana. Para isso, a oferta de um material orientando a montagem de uma marmita saudável pode ser de grande valia para o seu paciente;
- Busque por restaurantes próximos à casa ou local de trabalho do seu paciente, com opções de refeições saudáveis, Assim, ele pode recorrer a estes estabelecimentos nos dias mais corridos.
Motive com a Educação Alimentar e Nutricional
Um baixo nível de conhecimento sobre nutrição está associado à uma baixa adesão. Se o paciente não entende a importância de estabelecer mudanças, o papel do nutricionista será educá-lo, fornecendo apoio e orientação para manter escolhas alimentares adequadas que atendam às suas necessidades.
Mesmo com o plano alimentar alinhado à alimentação habitual, contexto socioeconômico, cultural e etc, é imprescindível explicar quais foram as mudanças estabelecidas, porquê, e quais são os resultados esperados a curto e longo prazo.
De preferência, tenha em mãos materiais visuais complementares que orientem sua fala e permitam o paciente compreender a mensagem a ser transmitida. São exemplos conteúdos a serem abordados:
- Classificação dos alimentos pelo Guia Alimentar para a População Brasileira;
- Alimentos a serem preferidos ou evitados na alimentação cardioprotetora;
- Como realizar a leitura de rótulos;
- Montagem de um prato colorido e saudável;
- Frutas e serem preferidas ou evitadas no Diabetes Mellitus;
- Entre outros.
Juntamente ao plano alimentar, esses materiais podem ser entregues aos indivíduos de acordo com suas condições de saúde, para que estes absorvam o conteúdo e se motivem a dar seguimento ao tratamento nutricional.
Além disso, não esqueça de tirar todas as dúvidas que o paciente apresentar em relação ao plano e/ou quaisquer outros materiais fornecidos.
Metas factíveis e gamificação
Estabelecer metas no tratamento dietético é um ótimo método para aumentar a motivação do paciente, e, consequentemente, sua adesão. No entanto, metas cujos objetivos são muito abertos dificultam a mensuração e a percepção de “dever cumprido”.
Por isso, estabeleça metas que, além de factíveis, sejam bastante específicas. Ao invés de dizer para o paciente “comer mais frutas” ou “praticar exercícios”, entre em um acordo para que, na próxima consulta, ele tenha comido pelo menos 2 porções de frutas por dia, ou praticado uma caminhada leve nos dias úteis.
Perceba como, apesar destas recomendações não serem o ideal, elas abrem o caminho para um tratamento nutricional duradouro e eficaz. Novamente, elas serão influenciadas pelo grau de motivação do paciente, e devem estar refletidas no planejamento alimentar.
Inicialmente, estes objetivos pequenos e facilmente alcançáveis devem focar na adição de comportamentos, ao invés da eliminação de outros. Alguns exemplos:
- Para o paciente retirar a carne vermelha: inclua mais refeições com frango, peixes, ovos, etc.
- Para a diminuição do sal: inclua a adição de mais temperos, tornando a adição de sal secundária;
- Para a diminuição do açúcar: indique preparações com frutas naturalmente mais doces, como a banana madura, uva passa, etc.
No processo de estabelecer metas, uma outra estratégia que pode ser útil é a gamificação. Basicamente, a gamificação visa obter conquistas, prêmios ou recompensas a partir da realização dos objetivos. A partir de cada meta conquistada, comemore com o seu paciente e ofereça uma recompensa, como brindes, pequenos descontos, materiais adicionais, etc. Com crianças e adolescentes, essa estratégia pode ser ainda mais divertida.
Oriente-o a manter um registro alimentar
O automonitoramento pode ser uma ótima forma de promover a adesão a recomendações nutricionais em longo prazo. Basicamente, você deve pedir ao paciente que registre os alimentos que comeu, tanto nas refeições programadas no planejamento alimentar, quanto fora delas.
Esse registro pode ser feito de diversas formas, como em um diário alimentar, fotos e vídeos, ou até por meio de aplicativos voltados a esse papel. O nutricionista e o paciente devem entrar em um acordo de qual forma será sustentável para que ele não abandone esse hábito.
Dessa forma, o paciente toma mais consciência do que está comendo, e pode se auto ajustar de forma autônoma. Além disso, nas consultas seguintes, ele não irá depender da memória para saber o que deu certo e o que não saiu como esperado, e as mudanças necessárias podem ser feitas com base nesta experiência.
O registro alimentar pode ou não conter as medidas caseiras, dependendo do contexto do paciente. Se o objetivo é a perda de peso, esse complemento é interessante. Contudo, para alguns grupos que tendem a pensar obsessivamente na alimentação, como pacientes de transtornos alimentares, essa prática tende a se tornar maléfica, sendo assim não recomendada.
Lidando com imprevistos: mantenha-se disponível
Por mais coerente que seja o planejamento alimentar e todas as orientações nutricionais acerca dele, imprevistos sempre acontecem, ocasionando em refeições que não foram previamente planejadas.
Principalmente em acompanhamentos nutricionais a longo prazo, é comum que os pacientes relatem algumas situações fora da rotina que o fizeram “desviar” do plano alimentar, como festas infantis, almoços em família, jantares românticos, entre outros, popularmente conhecidos como “fugir da dieta”. Afinal, devemos nos lembrar que a alimentação vai muito além da ingestão total de nutrientes, pois também diz respeito à comensalidade e ao prazer.
Para lidar com esses imprevistos, não devemos perpetuar o estereótipo de profissionais autoritários e “carrascos”, que brigam com os pacientes quando não nos “obedecem”. Pelo contrário: essa relação deve ser pautada em escuta, acolhimento e resolução de problemas.
Por isso, encontre um jeito de estar disponível para que o seu paciente possa entender como lidar com esses eventos, de modo que ele não se restrinja, mas também não coma em excesso. Essa comunicação pode ser feita por telefone, e-mail, aplicativos de mensagens, etc.
Aqui vão algumas dicas de orientações a serem passada nestes momentos:
- Ao se deparar com comidas diferentes, comer com atenção e apreciar cada mordida;
- Prestar atenção e respeitar os sinais de saciedade;
- Se necessário, consumir uma refeição leve anteriormente, para evitar o descontrole frente a preparações diferentes.
Além disso, lembre-se de tranquilizar o paciente que se sentir culpado por esses “desvios”. O mais importante é retomar aos hábitos normais no dia seguinte.
Trabalhe com outros profissionais
Para uma maior eficácia do cuidado nutricional, a interprofissionalidade é muito bem-vinda. Diversas outras profissões da saúde, além do nutricionista, podem auxiliar na manutenção da adesão. Muitas vezes, causas externas à alimentação e nutrição impedem que o paciente tenha o foco suficiente para seguir com o plano alimentar.
Indivíduos com a saúde mental abalada, por exemplo, necessitam da ajuda de psicólogos e/ou psiquiatras para dar andamento ao tratamento nutricional. Isso é, inclusive, mostrado pela literatura: em um estudo com 66 pacientes celíacos com ansiedade e depressão, relatou-se uma maior adesão à dieta sem glúten na parcela de participantes que receberam aconselhamento psicológico.
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Já no emagrecimento, apenas a dieta será insuficiente se esta não for atrelada à atividade física, fazendo com o que o paciente fique frustrado pela falta de resultados. Por isso, talvez seja necessário o trabalho conjunto com um profissional de educação física.
No trabalho em equipe com outros profissionais, será possível que diversas visões sobre um mesmo indivíduo se complementem. Sendo assim, na consulta nutricional, procure identificar os fatores a serem trabalhados que fogem do âmbito da nutrição, e oriente o indivíduo a procurar ajuda externa. Essa aliança estreita com outros profissionais pode, inclusive, aumentar o número de pacientes no consultório.
Com essas dicas, a equipe Nutritotal PRO garante que a adesão dos seus pacientes ao plano alimentar será muito maior, tornando toda a experiência do cuidado nutricional muito mais valiosa. Feliz Dia do Nutricionista!
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Referências:
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