Entenda como avaliar o estado nutricional de crianças com síndrome de Down e quais são os principais cuidados e parâmetros recomendados.
A síndrome de Down (SD) é a causa mais comum de deficiência intelectual leve a moderada em seres humanos. Embora sua prevalência varie entre os países, é estimado que afete uma criança a cada 600 a 800 nascimentos no Brasil, independente de etnia, gênero ou classe social.
Em crianças com síndrome de Down, a atenção à ingestão e ao estado nutricional é importante, pois diversas características e comorbidades têm implicações e consequências nutricionais.

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Neste Guia Nutritotal, aprenda como realizar a avaliação nutricional de crianças com Síndrome de Down, a fim de identificar precocemente riscos nutricionais e promover um crescimento e desenvolvimento adequados.
O que é síndrome de Down?
A síndrome de Down (SD) é uma condição genética na qual os indivíduos apresentam um cromossomo extra no par 21, totalizando 47 cromossomos por célula, ao invés de 46.
Sendo assim, também é conhecida como trissomia do cromossomo 21.
Consumo alimentar na síndrome de Down
Indivíduos com SD apresentaram hábitos alimentares desequilibrados, causados por um amplo espectro de fatores.
Dentre eles, pode-se citar língua protusa, deficiência intelectual, dificuldades de deglutição, dificuldade de distinguir sinais de saciedade, risco aumentado de comorbidades como hipotonia e disfunção orofacial, que podem afetar a capacidade de alimentação da criança.
Sendo assim, é comum que a alimentação de crianças com síndrome de Down se apresente como:
– Consumo de fibras, cálcio, vitamina D, folato, vitamina E e micronutrientes no geral abaixo do recomendado;
– Alto consumo de açúcares, lipídios, gorduras saturadas e alimentos ultraprocessados.
Em uma revisão bibliográfica, os alimentos mais consumidos por esse público foram as massas, pães com geleia/mortadela/manteiga, leite, suco industrializado, frutas mistas, biscoitos, sobremesas, refrigerantes, farinhas e tubérculos.
Por outro lado, houve um baixo consumo de carnes, frutas frescas, verduras e legumes.
Síndrome de down: alterações nutricionais
Pessoas com síndrome de Down apresentam particularidades nutricionais que devem ser levadas em consideração pelos profissionais de saúde.
Em primeiro lugar, anomalias no trato gastrointestinal (como atresia duodenal, doença de Hirschsprung e malformações anorretais) ocorrem em 4 a 6% dessas crianças.
Ademais, a prevalência da doença celíaca é aumentada em pessoas com síndrome de Down, com uma prevalência combinada de 5,8% em crianças e adultos com síndrome de Down, em comparação com 0,5 a 1% na população geral.
As disfunções da tireoide, como o hipotireoidismo, também são frequentes e podem contribuir para a redução da taxa metabólica basal, dificultando o controle do peso e influenciando o balanço energético.
Deficiências de micronutrientes, como ferro e vitamina D, também podem ser mais prevalentes na SD. Por isso, a realização de exames laboratoriais regulares é essencial para o diagnóstico precoce e o manejo adequado dessas alterações.
Finalmente, crianças com síndrome de Down também apresentam risco aumentado de diabetes tipo 1.
Composição corporal
No início da infância de crianças com SD, é comum que o peso e o comprimento sejam reduzidos. No geral, há maior prevalência de:
- Baixo peso ao nascer
- Baixo comprimento ao nascer
- Baixa estatura final
- Crescimento puberal total mais curto e precoce com velocidade de crescimento reduzida
Posteriormente, o quadro de sobrepeso ou obesidade também é comum, seja como consequência da má alimentação e da falta de atividade física, ou de fatores como a diminuição do metabolismo basal.
De fato, estudos indicam que, em crianças com síndrome de Down, o sobrepeso e a obesidade atingem cerca de um terço a metade da população.
Essa condição pode levar a outros problemas de saúde concomitantes, como doenças cardiovasculares, dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica (HAS), síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), entre outros. Além disso, crianças com sobrepeso e obesas apresentam risco aumentado de se tornarem adultos obesos.
Como avaliar o estado nutricional em crianças com Síndrome de Down?
A avaliação do estado nutricional de crianças com Síndrome de Down deve considerar múltiplos fatores.
É importante observar a ingestão alimentar, o comportamento alimentar, possíveis alterações metabólicas e endócrinas (como o hipotireoidismo), e condições clínicas associadas, como cardiopatias ou distúrbios gastrointestinais. Exames laboratoriais e avaliação funcional (como mastigação e deglutição) também podem complementar o diagnóstico nutricional.
No entanto, a antropometria continua sendo um dos pilares fundamentais dessa avaliação. Parâmetros como o índice de massa corporal (IMC) e a porcentagem de gordura corporal (%GC), obtida por dobras cutâneas ou bioimpedância elétrica, são amplamente utilizados.
As dobras cutâneas mais comuns são: tricipital (DCT), bicipital (DCB), subescapular (DCSE), suprailíaca (DCSI), abdominal (DCAB), coxa (CX) e perna (PE). A soma de sete dobras (∑ dobras) também pode ser usada.
Valores elevados de IMC e %GC indicam risco de obesidade, enquanto a medida da circunferência da cintura é útil para avaliar o risco de complicações metabólicas associadas, como resistência à insulina e dislipidemias.
Ademais, é essencial utilizar as curvas de crescimento específicas para pessoas com síndrome de Down, desenvolvidas a partir de coortes nacionais e internacionais. Essas curvas permitem monitorar o crescimento e identificar precocemente o risco de sobrepeso e obesidade.
Globalmente, recomenda-se o uso das curvas do Centers for Disease Control and Prevention (CDC, 2015) para SD, desenvolvidas pelo grupo de estudos Down Syndrome Growing Up Study (DSGS). Elas podem ser acessadas clicando aqui.
No Brasil, estão disponíveis as curvas de Bertapelli, cuja avaliação foi realizada com a população local. Elas permitem acompanhar:
- Peso para idade
- Altura para idade
- IMC
- Perímetro cefálico
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Nas curvas de crescimento, o percentil 50 (P50) é o valor mais comumente encontrado, em torno do qual todos os outros valores se agrupam. O P50 corresponde a mediana e significa que 50% dos indivíduos saudáveis estão acima e 50% estão abaixo desse valor. Ou seja, uma criança estar com altura no P75, significa dizer que 75% das crianças da mesma idade e sexo são mais baixas do que ela e que 25% são mais altas.
A interpretação dos dados nas curvas de crescimento para crianças com síndrome de Down segue os mesmos critérios usados para crianças sem a condição.
Por exemplo, a classificação do estado nutricional de crianças menores de cinco anos para cada índice antropométrico, segundo recomendações Organização Mundial da Saúde (OMS), segue o padrão:
Peso para idade | IMC para idade | Estatura para idade | |
< Percentil 0,1 | Muito baixo peso para a idade | Magreza acentuada | Muito baixa estatura para a idade |
≥ Percentil 0,1 e < Percentil 3 | Baixo peso para a idade | Magreza | Baixa estatura para a idade |
≥ Percentil 3 e < Percentil 15 | Peso adequado para a idade | Eutrofia | Estatura adequada para a idade |
≥ Percentil 15 e ≤ Percentil 85 | Peso adequado para a idade | Risco de sobrepeso | Estatura adequada para a idade |
> Percentil 85 e ≤ Percentil 97 | Peso adequado para a idade | Risco de sobrepeso | Estatura adequada para a idade |
> Percentil 97 e ≤ Percentil 99,9 | Peso elevado para a idade | Sobrepeso | Estatura adequada para a idade |
> Percentil 99,9 | Peso elevado para a idade | Obesidade | Estatura adequada para a idade |
Já para crianças de 5 a 10 anos:
Peso para idade | IMC para idade | Estatura para idade | |
< Percentil 0,1 | Muito baixo peso para a idade | Magreza acentuada | Muito baixa estatura para a idade |
≥ Percentil 0,1 e < Percentil 3 | Baixo peso para a idade | Magreza | Baixa estatura para a idade |
≥ Percentil 3 e < Percentil 15 | Peso adequado para a idade | Eutrofia | Estatura adequada para a idade |
> Percentil 15 e < Percentil 85 | Peso adequado para a idade | Eutrofia | Estatura adequada para a idade |
≥ Percentil 85 e ≤ Percentil 97 | Peso adequado para a idade | Sobrepeso | Estatura adequada para a idade |
> Percentil 97 e ≤ Percentil 99,9 | Peso elevado para a idade | Obesidade | Estatura adequada para a idade |
> Percentil 99,9 | Peso elevado para a idade | Obesidade grave | Estatura adequada para a idade |
O que podemos concluir?
O estado nutricional de crianças com síndrome de Down envolve uma trajetória particular: inicialmente marcada por baixo peso e estatura, e, mais tarde, por maior risco de sobrepeso e obesidade. Essa transição reflete fatores genéticos, metabólicos e comportamentais, e demanda atenção constante.
A educação nutricional desde cedo é essencial para prevenir complicações e promover hábitos saudáveis. Além disso, o acompanhamento deve ser multiprofissional, garantindo uma abordagem integral e contínua para favorecer o crescimento e o desenvolvimento adequados.
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- Consequências da deficiência de vitamina A em crianças com Síndrome de Down
- Entenda a importância e necessidade da nutrição infantil
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Referências:
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https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2015/02/manual-aval-nutr2009.pdf
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