Paciente crítico: quais são as alterações metabólicas?

Postado em 31 de maio de 2023

Desequilíbrios metabólicos podem modular a função imune no paciente crítico.

O paciente crítico representa um desafio na área da saúde, isso porque são afetados por condições médicas graves que englobam uma ampla gama de quadros clínicos, como traumas graves, doenças cardíacas, falência de órgãos, infecções severas e complicações pós-operatórias. Essas condições exigem cuidados intensivos e especializados, geralmente fornecidos em unidades de terapia intensiva (UTIs).

As UTIs constituem um enorme avanço no manuseio de pacientes críticos, com o objetivo de estabilizar o paciente, manter suas funções vitais e alcançar a recuperação completa.

O tratamento desses pacientes requer monitoramento constante, intervenções precisas, suporte especializado na manutenção e recuperação de funções vitais e o uso de tecnologias avançadas.

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Foto: shutterstock.com

Qual a resposta metabólica da doença no organismo do paciente crítico?

A doença crítica é caracterizada por um estado catabólico, com resposta inflamatória.

Em 1988, o professor Heymsfield propôs uma representação esquemática do consumo da massa proteico-calórica do organismo, destacando a possibilidade de catabolismo sem agressão, mas alertando para o aumento abrupto caso ocorram estímulos agressores durante o jejum.

Esses processos de consumo da massa corporal estimulam diferentes vias metabólicas e hormonais, que direcionam o tipo de comprometimento da massa corporal e caracterizam a composição corporal em estados como pós-operatório, sepse e desnutrição.

A resposta catabólica (do jejum sem agressão orgânica e do jejum com agressão orgânica) na doença crítica ocorre devido a reações neuroendócrinas e de citocinas, resultando em alteração no gasto energético e estimulação do catabolismo proteico.

Nesse estado, há bloqueio na mobilização de ácidos graxos, supressão da cetogênese e oxidação em corpos cetônicos, tornando a glicose e a proteína as principais fontes de energia, levando a uma rápida deterioração do estado nutricional, ou seja, o organismo recorre à degradação da musculatura esquelética, tecido conectivo e do trato gastrointestinal para obter fontes proteicas.

Além disso, a conversão de gorduras em energia é prejudicada devido à falta de oxigênio e disfunção mitocondrial na doença crítica. Embora ocorra estímulo à lipólise, há inabilidade em transportar essas cadeias do citoplasma à mitocôndria.

Em termos gerais, o organismo responde de algo monótono a um estímulo externo, independente da sua etiologia. Logo, essa resposta pode ser caracterizada como uma reação geral de alarme.

A resposta metabólica no paciente obeso crítico apresenta dificuldade na mobilização das suas maiores fontes de energia (gordura), ocasionando um bloqueio relativo na lipólise e na oxidação de gorduras, com maior mobilização de proteínas.

O estado de jejum, se caracteriza como um estado hipometabólico, em que os sistemas corporais utilizam a gordura como fonte primária de energia (decorrente da queda de insulina), numa tentativa de poupar massa magra e glicogênio hepático.

  • Relação molar insulina x glucagon: o balanço desses hormônios no sangue determina se o indivíduo entrará em estado de anabolismo ou catabolismo. A exacerbação dessa secreção hormonal provoca intensos efeitos no fígado e no músculo, incrementando o catabolismo que será denominada: fase do hipermetabolismo do jejum com agressão.
  • Metabolismo patológico do estresse: apesar das tentativas de redução das perdas da proteína corporal pela terapia nutricional, a depleção do estado nutricional foi inevitável. Através da infusão de hormônios catabólicos, mimetizam a resposta metabólica à agressão orgânica e comprovam as suas atuações no processo de perpetuação do hipermetabolismo, enquanto presentes em concentrações séricas elevadas.

Quais são as fases do metabolismo?

O organismo humano quando sofre uma agressão do tipo trauma seguido ou não de sepse, a agressão se subdivide em duas agressões orgânicas básicas: a resposta metabólica sistêmica e a ausência de ingestão de nutrientes por via oral, que por sua vez propiciará a perda de massa celular na mucosa gastrointestinal e no fígado.

Esse fenômeno fisiopatológico corresponde à “translocação bacteriana”, sendo essa última efetiva e especificamente um evento de baixo potencial pró-inflamatório sistêmico. Essa resposta do organismo passa por uma fase de hipofluxo inicial, seguindo-se imediatamente à agressão e evoluindo para uma fase de hiperfluxo.

AGRESSÃO – TRAUMA
FASE DE HIPOFLUXO (Imediata)FASE DE HIPERFLUXO (Catabólica)FASE DE FLUXO (Anabólica)
12 a 24 horas ou maisPico (3 a 5 dias)                    Regressão (7 a 10 dias)Semanas

 

 

AGRESSÃO – TRAUMA – SEPSE
FASE DE HIPERFLUXO (Estimulação Intensa da Atividade Metabólica)
Aumento de GER, consumo de oxigênio (VO2), débito cardíaco, produção de gás carbônico (VCO2)
Mobilização de: carboidratos e lipídios (para suprir a demanda de energia); proteína -> aminoácidos (através da gliconeogênese – GNG, com a finalidade parcial de suprir a síntese de proteína)
Consequências metabólicas: hiperglicemia, hipertrigliceridemia, hiperlactacemia, uremia pré-renal e a perda intensa de nitrogênio urinário

Qual o perfil hormonal, metabólico e imunológico?

A principal tríade hormonal que está presente nos estados de sepse é formada pelas catecolaminas, o glucagon e corticosteroides. A secreção aumentada da tríade hormonal orienta o metabolismo no sentido catabólico, com consequente produção de calor, estimulando a glicogenólise, gliconeogênese, lipólise, o estímulo às células alfa do pâncreas e o catabolismo proteico com ureiagênese.

Esse ambiente metabólico desequilibra o balanço insulina/glucagon, bloqueando as ações da insulina e seus efeitos anabólicos: glicogênese, inibindo a gliconeogênese, lipogênese e o anabolismo proteico.

Durante a agressão séptica, quando de uma invasão bacteriana, os macrófagos desempenham funções protetoras, fagocitando microrganismos invasores e apresentando antígenos aos linfócitos T e quando estimulados e/ou ativados, respondem com a secreção imediata de três principais citocinas, que são:

  • Interleucina-1 (IL-1): hormônio polipeptídeo que estimula a resposta inflamatória e está envolvida em manifestações sistêmicas da sepse);
  • Fator de necrose tumoral alfa (TNF-α): tem importante efeito hemodinâmico e metabólico, induzindo a liberação de outras citocinas. Aumenta a glicemia, o metabolismo da glicose, o glicerol e os ácidos graxos livres, além de causar hipertrigliceridemia, aumento do GER e clinicamente pode causar anorexia, febre e calafrios. Desempenha um papel central na sepse, sendo o principal mediador imunológico;
  • Interleucina-6 (IL-6): desempenha um papel na diferenciação de linfócitos B em plasmócitos e estimula a síntese de proteínas de fase aguda.

E em paralelo a resposta das células endoteliais, com a produção final de:

  • Eicosanoides e óxido nítrico (NO+).

A IL-10 (também produzida nesse estado), atua como uma citocina reguladora, protegendo contra o processo inflamatório (previne a necrose, reduz a gravidade e os níveis de outras citocinas, e diminui o obituário na pancreatite aguda grave experimental).

Em resumo, a consequência final da sepse, que envolve alterações bioquímicas, metabólicas e nutricionais, é a falência múltipla de órgãos, com suas comorbidades associadas, resultando em um desfecho letal.

Quais as alterações na energética celular?

Durante a fase de hipofluxo na sepse, ocorre um aumento na atividade da glicólise anaeróbica devido à hipoperfusão tecidual e hipóxia celular. A hiperlactatemia é observada, mas estudos recentes não confirmaram a teoria de que a hipóxia estimula a glicólise e a hiperlactatemia na sepse.

Provavelmente, ocorre um aumento na glicólise aeróbica, especialmente em células fagocíticas ativadas, como neutrófilos, monócitos e macrófagos. Essas células produzem radicais livres de oxigênio, que desempenham um papel importante na lesão celular e são sustentados pela metabolização intensa da glicose.

O aumento do consumo de oxigênio depende dos órgãos específicos e pode ser modulado por abordagens terapêuticas e nutricionais adequadas. A intensidade do metabolismo (hipermetabolismo) depende do equilíbrio entre os mediadores pró e anti-inflamatórios.

Quais são as alterações metabólicas?

As principais vias enzimáticas, bioquímicas e metabólicas durante o estresse podem ser resumidas da seguinte forma:

  1. Durante o jejum, o catabolismo poupa a proteína somática e visceral, sendo modulado pela relação insulina/glucagon.
  2. Na sepse, ocorre a reciclagem metabólica da proteína com aumento da síntese e consumo, incluindo a produção intensa de células do sistema imunológico e citocinas.
  3. Há resistência periférica às ações da insulina.
  4. O consumo relativo de gordura corporal total é reduzido.
  5. Aumento da intensidade dos ciclos metabólicos dos ácidos graxos, gliconeogênese e glicólise-gliconeogênese, incluindo a formação de lactato e radicais livres de oxigênio.
  6. Produção exacerbada de ureia.
  7. Aumento do consumo de oxigênio (VO2), caracterizando um estado de hipermetabolismo.

Considerações

As pesquisas sobre a sepse são importantes devido à descoberta de que os desequilíbrios metabólicos são mediados por compostos secretados pelas células do sistema imunológico, e essas alterações podem modular a função imune.

Os genes TLR, que são receptores de seleção, desempenham um papel na defesa antimicrobiana reconhecendo estruturas moleculares de microrganismos. Esses receptores estão presentes no epitélio da mucosa intestinal e sua ativação leva à produção de citocinas pró-inflamatórias através do fator intranuclear NFκB.

Leia também:

Referência:

Bottoni, A.; Tepedino, J. M. O que é um doente gravemente enfermo. Ganep Educação, Disciplina de Identificação do doente crítico, avaliação e necessidades nutricionais, v. 1.0.

Rocha, E. E. M. A Fisiopatologia do Estresse. Ganep Educação, Disciplina de Identificação do doente crítico, avaliação e necessidades nutricionais, v 1.1.

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