Nutrição em oncologia: o que o profissional precisa saber?

Postado em 10 de fevereiro de 2023

Nutrição em oncologia: precisa de especialização? Onde buscar fontes científicas para se atualizar? Qual o papel do nutricionista no tratamento? A resposta para essas e outras dúvidas você encontra aqui.

A oncologia é a especialidade médica que se propõe ao estudo dos cânceres. Por ser um ramo multidisciplinar, diversos profissionais podem se dedicar à oncologia, incluindo o nutricionista. Mas o que é necessário para adentrar à área da nutrição em oncologia?

Nutrição em oncologia

Foto: Shutterstock.com

Neste artigo em parceria com a nutricionista Jéssica Reis, especialista em oncologia pelo Hospital Israelita Albert Einstein, essas e outras dúvidas serão esclarecidas. Confira a seguir.

É necessário ter alguma especialização?

O atendimento ao paciente oncológico demanda uma abordagem biopsicossocial e multidisciplinar, levando em conta o tratamento orientado pelo médico oncologista e os demais profissionais envolvidos no processo, isto é, enfermagem, nutrição, psicologia, odontologia, fisioterapia etc.

Por se tratar de um paciente complexo, uma especialização é bem-vinda. Ao realizar uma pós-graduação e/ou residência na área, a atuação do nutricionista passa a ser centrada no paciente e coerente com a condição clínica apresentada por ele.

O nutricionista especialista é capaz de focar na individualidade do paciente de acordo com seu momento de vida e jornada de tratamento (quimio, rádio, hormonioterapia, cirurgia etc.), tornando o processo o mais suave possível do ponto de vista alimentar.

Vale lembrar que o paciente oncológico jamais deve ser reduzido à sua condição. É necessário lembrar que ele tem sua história de vida e uma relação anterior com a alimentação, e isto deve ser respeitado ao longo da sua jornada de tratamento, sem negligenciar seu estado nutricional.

Onde buscar fontes para se atualizar?

Atualmente o nutricionista oncológico pode contar com uma vasta rede de apoio técnico-científico.

Quando falamos sobre câncer no cenário Nacional, isto é, no Brasil, temos o INCA – Instituto Nacional de Câncer. O INCA é o órgão auxiliar do Ministério da Saúde no desenvolvimento e coordenação das ações integradas para a prevenção e o controle do câncer no Brasil.

Há também a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), uma entidade nacional que representa os médicos oncologistas clínicos. Fundada em 1981, atua em diversas frentes como incentivo à formação e à pesquisa, educação continuada, políticas de saúde, defesa profissional, relações nacionais e internacionais.

Temos ainda a Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEN/SBNPE), de caráter interdisciplinar (médicos, nutricionistas, enfermeiros, farmacêuticos e estudantes), que atua institucionalmente na área de nutrição clínica, enteral e parenteral. Desenvolve ações de defesa profissional, educação e atuação em terapia nutricional e nutrição clínica.

Para quem busca informações confiáveis na área de nutrição, temos a Sociedade Brasileira de Nutrição Oncológica (SBNO), uma entidade civil, de direito privado, de duração indeterminada, de cunho científico e social, de caráter filantrópico e sem fins lucrativos; com sede, secretaria executiva permanente e foro jurídico no Rio de Janeiro, aberta a participação de pessoas interessadas na área de Nutrição Oncológica.

Vale destacar que o INCA apresenta um Consenso Nacional de Nutrição Oncológica, cujo objetivo é de homogeneizar as condutas nutricionais na assistência ao indivíduo com câncer, com sua última atualização em 2016.

A SBNO também disponibiliza o Consenso Brasileiro de Nutrição Oncológica. A obra é um esforço conjunto da SBNO e de representações nacionais de instituições que promovem a assistência nutricional ao indivíduo com câncer, com o objetivo de homogeneizar as condutas nutricionais na assistência ao indivíduo com câncer, oferecendo, assim, a todos os usuários portadores de câncer, equidade e qualidade em sua assistência.

A SBOC em conjunto com a BRASPEN lançou em 2019 a diretriz de Terapia Nutricional no Paciente com Câncer, com o objetivo de uniformizar informações sobre terapia e assistência nutricional, contribuir na atualização dos profissionais que atuam na assistência ao indivíduo com câncer para prover a melhor atenção nutricional.

Todos esses documentos podem ser baixados gratuitamente nos respectivos sites das instituições.

Além disso, há organizações sem fins lucrativos que oferecem informações confiáveis sobre a doença, tais como:

  • Instituto ONCOGUIA, portal informativo e interativo voltado para a qualidade de vida do paciente com câncer, seus familiares e público em geral;
  • Movimento Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC), que congrega mais de 300 representantes de diferentes setores voltados ao cuidado do paciente com câncer, como gestores de saúde, entidades médicas, hospitais, profissionais de saúde, pesquisadores, profissionais de imprensa, associações de pacientes e outros, comprometidos com a garantia do direito do paciente ao acesso universal e igualitário à saúde;
  • Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia), uma organização sem fins lucrativos, de abrangência nacional, criada em 2002 por pacientes e familiares com a missão de oferecer ajuda e mobilizar parceiros para que todas as pessoas com câncer e doenças do sangue tenham acesso ao melhor tratamento.

O câncer é uma doença cuja pesquisa está em constante desenvolvimento e evolução, por essa razão, é de suma importância que o nutricionista esteja atento às entidades internacionais acerca do tema, bem como das diretrizes (Guidelines) publicadas, como a ASCO – American Society of Clinical Oncology; a ESPEN – American Society of Parenteral and Enteral Nutrition; e a ESMO – European Society for Medical Oncology.

Além disso, há muitas entidades renomadas com informações seguras e confiáveis, conforme listado abaixo:

National Cancer Institute (NCI) / American Cancer Society (ACS)https://www.cancer.gov/
Center for Cancer Researchhttps://ccr.cancer.gov/
The International Agency for Research on Cancer (IARC)https://www.iarc.who.int/
World Cancer Research Fund (WCRF)https://www.wcrf.org/
Centers for Disease Control and Prevention (CDC)https://www.cdc.gov/cancer/dcpc/prevention/index.htm
Oncology Nutrition Dietetic Practice Grouphttps://www.oncologynutrition.org/about-us
Cancer Research UKhttps://www.cancerresearchuk.org/
Aliciahttp://en.oncoalicia.com/

 

Por fim, se você está buscando uma pós-graduação, existem algumas disponíveis no Brasil. O importante na hora de escolher uma instituição é observar se ela apresenta reconhecimento pelo Ministério da Educação (MEC) e se há profissionais envolvidos na área para que você vivencie e aprenda com profissionais experientes.

 

Qual é o papel do nutricionista em cada fase do tratamento?

O processo de acompanhamento nutricional ao paciente oncológico é baseado de modo simplista há três momentos importantes: triagem e avaliação; terapia nutricional; reavaliação e monitoramento.

Triagem e Avaliação Nutricional

Nesse momento, o nutricionista analisa as alterações no estado nutricional do paciente através do histórico clínico, alimentar e psicossocial que o indivíduo apresenta. Além disso, é importante levar em consideração neste momento, o local da doença e seu estadiamento.

Um dos passos mais importantes desta etapa é triar o paciente de acordo com seu estado nutricional. Existem métodos desenvolvidos especificamente para pacientes oncológicos e validados pela comunidade científica, como por exemplo, a avaliação subjetiva global preenchida pelo próprio paciente (ASG-PPP). Em associação, o nutricionista deve realizar a avaliação antropométrica do paciente, uma vez que o risco nutricional decorrente da doença e do tratamento, pode provocar alterações eminentes na composição corporal do paciente.

É importante ressaltar nesse momento, as ferramentas que o profissional tem a sua disposição para avaliar seu público (infantojuvenil, adulto ou idoso), além de considerar o tipo de serviço em que se está inserido para determinar quais as melhores ferramentas a serem utilizadas.

Terapia Nutricional

Após identificar o estado nutricional do paciente, o profissional deve traçar metas e objetivos através de um plano de cuidados específico para o paciente.

O paciente oncológico pode sofrer variações no gasto energético, alterações metabólicas e hormonais (quadro clínico e nutricional), além de sofrer consequências diversas pelo tipo de terapia e localização tumoral. Esses pontos devem ser utilizados como guia na determinação das necessidades nutricionais.

O plano deve conter orientações específicas e/ou uma prescrição de dietética alinhada ao tipo de tratamento e à situação clínica do paciente. Além disso, é neste momento também que ocorre a avaliação e prescrição de suplementos nutricionais orais associados ao quadro apresentado.

Reavaliação e Monitoramento Nutricional

O paciente oncológico pode demandar um acompanhamento semanal, quinzenal ou mensal, conforme seu estado nutricional e necessidades, bem como metas estabelecidas previamente.

Neste momento o nutricionista deve em conjunto a equipe multidisciplinar e com o paciente e seus familiares, avaliar os parâmetros clínicos e nutricionais, mantendo ou alterando a terapêutica proposta anteriormente, garantindo bem-estar e resultados.

Outro aspecto importante nesta etapa é o cuidado nutricional aos pacientes em cuidados paliativos e sobreviventes do câncer. Esses são dois momentos muito importantes na jornada do paciente oncológico e que eventualmente não negligenciadas pela nutrição.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) objetiva como ‘’Cuidados Paliativos’’ a promoção do tratamento da dor e de outros sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais, sem o intuito de cura, mas sim buscando promover melhor qualidade de vida.  Nesta fase, conforme o estado clínico do paciente, pode ocorrer inapetência e desinteresse pelo alimento, resultando em baixa ingestão alimentar, perda de peso significativa, alta depleção de tecidos e caquexia, e de fatores que influenciam a sobrevida.

Nesse cenário, o nutricionista pode:

  • Atuar na redução dos efeitos adversos provocados pelos tratamentos;
  • Retardar a progressão da síndrome da anorexia-caquexia, preservar o peso e a composição corporal;
  • Auxiliar no controle de sintomas;
  • E não menos importante, manter a relação do paciente com a alimentação, adaptando meios e vias, respeitando crenças e preferências do paciente, reforçando, assim, a importância da nutrição neste momento.

Por outro lado, nas últimas décadas, o progresso na detecção precoce e avanço no tratamento do câncer levou a um significativo aumento do número de sobreviventes de câncer; em 2012, o número de sobreviventes era de 32,6 milhões de pessoas em todo o mundo; em 2018, esse número aumento para 43,8 milhões de sobreviventes. Nesse cenário, a adesão a uma dieta rica em frutas e vegetais pode diminuir o risco de vários tipos de câncer e aumentar a expectativa de vida e melhorar o prognóstico. Embora os sobreviventes de câncer sejam responsivos à promoção da saúde, um estudo recente indicou que os sobreviventes tinham dietas mais pobres do que os indivíduos sem câncer, abrindo uma janela de oportunidade para os nutricionistas atuarem na jornada do paciente.

Como identificar “fake news” no tratamento oncológico

Para muitas pessoas, a internet se tornou o primeiro lugar para procurar informações, incluindo informações sobre o câncer.

Pacientes com câncer e seus familiares, usualmente buscam informações para esclarecer questões acerca da doença e até mesmo tomar decisões sobre o tratamento, no entanto, informação errada pode prejudicar o paciente e até mesmo levar ao óbito. Quando direcionamos esforços e orientamos a população, conseguimos filtrar e até mesmo barrar informações falsas e sem embasamento técnico-científico.

As informações sobre o câncer vêm de muitas fontes diferentes – organizações especializadas em saúde, agências governamentais, universidades, comerciantes, grupos de interesse, público em geral e golpistas. Para isso, escolha suas fontes com cuidado.

Mesmo em sites confiáveis e altamente conceituados, é importante observar que as informações de saúde são apenas informações gerais que podem não se aplicar a você. Lembre-se sempre de que as informações encontradas online não devem substituir o aconselhamento de um profissional da saúde habilitado.

O National Cancer Institute (NCI), sugere o seguinte para evitar cair em notícias falsas sobre o câncer:

Qualquer site honesto e relacionado à saúde deve facilitar para você descobrir quem é o responsável pelas informações nele contidas. Muitas vezes, isso pode ser encontrado clicando em “Sobre nós”, que geralmente pode ser encontrado na parte superior ou inferior da página principal (home) do site.

Você também pode ter uma ideia sobre quem administra um site observando as letras no final do endereço de URL, chamadas de nomes de domínio de nível superior:

  • .edu” significa que a fonte da informação faz parte de um sistema educacional (como uma faculdade ou universidade);
  • .org” geralmente significa que a fonte é uma organização sem fins lucrativos;
  • .gov” significa que a fonte faz parte de um governo nacional ou estadual;
  • .com” geralmente significa que o site é administrado por uma fonte comercial (com fins lucrativos) ou privada.

Além disso, é importante se ater a falas como:

  • Indicação de uma “descoberta científica”, “cura milagrosa”, “ingrediente secreto” ou “remédio antigo”.
  • Afirmações de que um produto único ou alimento pode curar uma ampla gama de doenças.
  • Histórias de pessoas que tiveram resultados incríveis, mas sem dados científicos claros.
  • Indicações de que um produto está disponível apenas em determinado local, especialmente se você precisar pagar antecipadamente.
  • Indicação de garantia de “dinheiro de volta”. Embora isso possa fazer com que o produto pareça livre de riscos, muitas vezes é impossível recuperar seu dinheiro.
  • Sites que não listam o nome da empresa, endereço, número de telefone e outras informações de contato.

Problemas em qualquer uma dessas áreas deve servir de alerta para o usuário, alertando que o site pode conter informações que não são baseadas em ciência cuidadosa e não são confiáveis.

Mensagem final

Alimentar-se é um direito humano, no entanto, nutrir um corpo em condições complexas, como o câncer, pode ser um desafio. A nutrição exerce papel fundamental durante a jornada do paciente oncológico, onde há um leque de possibilidades para o profissional, desde o campo da prevenção até os cuidados paliativos.

Quando se trata do campo da oncologia devemos sempre lembrar:

“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.” – Carl Jung.

Leia também:

Referências

Rock CL, Thomson CA, Sullivan KR, et al. American Cancer Society nutrition and physical activity guideline for cancer survivors. CA Cancer J Clin. 2022;72(3):230-262. doi:10.3322/caac.21719

de van der Schueren MAE, Laviano A, Blanchard H, Jourdan M, Arends J, Baracos VE. Systematic review and meta-analysis of the evidence for oral nutritional intervention on nutritional and clinical outcomes during chemo(radio)therapy: current evidence and guidance for design of future trials. Ann Oncol. 2018;29(5):1141-1153. doi:10.1093/annonc/mdy114

Ligibel J. Lifestyle factors in cancer survivorship. J Clin Oncol. 2012 Oct 20;30(30):3697-704. doi: 10.1200/JCO.2012.42.0638. Epub 2012 Sep 24. PMID: 23008316.

ACS – American Cancer Society, Cancer Treatment & Survivorship Statistics and Graphs. Disponível em: <https://cancercontrol.cancer.gov/ocs/statistics> Acesso em 23/01/2023

INCA – Instituto Nacional do Câncer. Disponível em: <https://www.gov.br/inca/pt-br/acesso-a-informacao/institucional> Acesso em 23/01/2023

INCA – Cuidados Paliativos. Disponível em: <https://www.inca.gov.br/tratamento/cuidados-paliativos> Acesso em 23/01/2023

SBOC – Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. Disponível em: <https://sboc.org.br/sboc/secao> Acesso em 23/01/2023

ESPEN – American Society of Parenteral and Enteral Nutrition. Disponível em: <https://www.espen.org/espen/history> Acesso em 23/01/2023

BRASPEN/SBNPE – Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral. Disponível em: <https://www.braspen.org/quem-somos> Acesso em 23/01/2023

SBNO – Sociedade Brasileira de Nutrição Oncológica. Disponível em: <https://www.sbno.com.br/sobre/a-sociedade/> Acesso em 23/01/2023

ASCO – American Society of Clinical Oncology. Disponível em: <https://ascopubs.org/jco/about> Acesso em 23/01/2023

ESMO – European Society for Medical Oncology. Disponível em: < https://www.esmo.org/about-esmo> Acesso em 23/01/2023

Abrale – Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia. Disponível em: <https://www.abrale.org.br/abrale/quem-somos/> Acesso em 23/01/2023

Instituto ONCOGUIA.  Disponível em: <http://www.oncoguia.org.br/conteudo/o-oncoguia/10/13/> Acesso em 23/01/2023

TJCC – Todos Juntos Contra o Câncer. Disponível em: < https://tjcc.com.br/movimento/sobre/> Acesso em 23/01/2023

NCI – National Cancer Institute. Disponível em:  https://www.cancer.gov/about-cancer/managing-care/using-trusted-resources> Acesso em 23/01/2023

Dan Waitzberg – Nutrição Oral, Enteral e Parenteral na Prática na Prática Clínica – 5 ed. Editora: Atheneu, 2017

Ana Paula Noronha Barrére; Andrea Pereira; Nelson Hamerschlak; Sílvia Maria Fraga Piovacari -Guia nutricional em oncologia – 1 ed.  Editora Atheneu, 2017

Erika Yuri Hirose; Simone Tamae Kikuchi; Ana Carolina Leão. NUTRIONCO – Manual prático de assistência nutricional ao paciente oncológico adulto e pediátrico– 1 ed.  Editora Atheneu, 2020

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