Transtorno do espectro autista e microbiota intestinal: qual a relação?

Postado em 1 de abril de 2024 | Autor: Natália Lopes

A disbiose intestinal pode influenciar a patogênese do autismo, influenciando os sintomas gastrointestinais e o comportamento autista.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem sido objeto de estudo e debate em diversas áreas da ciência, com pesquisadores buscando compreender suas causas, sintomas e possíveis tratamentos. 

Nos últimos tempos, o papel da microbiota intestinal no TEA tornou-se um assunto de interesse. Mas afinal, qual é a relação entre estes dois tópicos, que à primeira vista parecem estar tão distantes? Vamos entender!

transtorno do espectro autista

Fonte: Canva.com

Transtorno do Espectro Autista (TEA), o que é?

O transtorno do espectro autista (TEA) agrupa uma série de distúrbios do neurodesenvolvimento, caracterizados pela deficiência na comunicação social e na linguagem, além de padrões restritivos de comportamento e interesses. 

Geralmente, o TEA inicia na infância, durante os primeiros 5 anos de vida, e persiste durante a adolescência e idade adulta. 

Os principais sintomas do transtorno do espectro autista incluem:

  • Atrasos na fala
  • Desinteresse com pessoas e objetos
  • Dificuldade em interagir, preferindo realizar atividades sozinho(a)
  • Dificuldades em interpretar gestos e expressões faciais
  • Falta de filtro social (sinceridade em excesso)
  • Incômodo diante situações sociais
  • Seletividade alimentar
  • Movimentos repetitivos e incomuns
  • Interesse obsessivo por assuntos incomuns ou “excêntricos”
  • Problemas gastrointestinais
  • Acessos de raiva
  • Déficit de atenção
  • Dentre outros

Até então, a etiologia do TEA permanece desconhecida. Supõe-se que a causa seja heterogênea, envolvendo tanto fatores genéticos quanto ambientais. Dentre os fatores ambientais, pesquisas apontam o papel da disbiose intestinal como um fator de risco para o desenvolvimento do autismo. 

Diferenças na microbiota do paciente com TEA 

Atualmente, muitos estudos destacaram uma conexão bidirecional entre o intestino e o cérebro, conhecida como “eixo intestino-cérebro”. Sendo assim, o desequilíbrio da microbiota (ou disbiose intestinal) poderia alterar a função, o humor e a cognição, levando ao desenvolvimento de condições neurológicas, como o autismo. 

De fato, diversas pesquisas concordam com essa hipótese, uma vez que a microbiota intestinal do paciente com autismo parece ser bastante diferente daquela em pacientes sem a condição. 

Por exemplo, algumas bactérias aparentam estar elevadas ou diminuídas no transtorno do espectro autista, gerando efeitos consideráveis para os pacientes. Veja na tabela a seguir:

MicróbiosAumento/diminuiçãoEfeito em pacientes com TEA
ProteobacteriaAumentoInflamação, redução nos níveis de GSH e maior produção de LPS (principal causa da desregulação imunológica no autismo) 
BacteroidesAumentoProduz endotoxinas e propionato (associados à gravidade dos sintomas)
Candida albicansAumentoExcesso de produção de GABA (relacionado ao aparecimento de sintomas comportamentais)
ClostridiumAumentoProdução de endotoxinas e propionato (associados à gravidade dos sintomas) 
Sutterella AumentoImpactos na barreira mucosa do intestino
Bifidobacterium DiminuiçãoSíntese de GABA diminuída
BlautiaDiminuiçãoComo a bactéria é responsável por sintetizar triptofano (precursor da serotonina), níveis diminuídos podem induzir à sintomas comportamentais do TEA
PrevotellaDiminuiçãoComo a bactéria se envolve no metabolismo de sacarídeos, níveis diminuídos prejudicam o metabolismo de carboidratos
AkkermansiaDiminuiçãoNíveis baixos aumentam a permeabilidade intestinal

Além das diferenças na composição, pacientes com TEA podem apresentar diminuição nos níveis de alguns ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs), como o butirato. 

Embora se associe principalmente à saúde intestinal, há um interesse crescente nos efeitos neuromoduladores do butirato. Portanto, sua falta pode se relacionar aos sintomas gastrointestinais e comportamentais do TEA. 

Como a disbiose contribui para o transtorno do espectro autista?

A microbiota desequilibrada pode contribuir para a patogênese da TEA através de três formas principais:

Via neuroimune: a disbiose em crianças cm autismo leva a uma ativação excessiva do sistema imunológico, liberando citocinas e quimiocinas inflamatórias que regulam o SNC. Estudos apontam que a inflamação cerebral tem um papel significativo na fisiopatologia do autismo. 

Via neuroendócrina: os microorganismos intestinais controlam a síntese de moléculas neuroativas, como 5-HT, dopamina, GABA e histamina. O nível de neurotransmissores está alteradas em pacientes com autismo.

Metabólitos: no TEA, pesquisas mostraram níveis aumentados de metabólitos como aminoácidos livres, p-cresol e amônia, que podem levar a sintomas comportamentais no autismo.

Tratamento dietético do paciente com autismo

Como visto, o desequilíbrio dos microorganismos intestinais pode causar efeitos prejudiciais para o paciente com TEA, agravando seus sintomas gastrointestinais e comportamentais. 

Portanto, uma abordagem dietética que vise a restauração da microbiota adequada pode ser um bom caminho de atuação por parte dos nutricionistas.

Nesse sentido, a administração de pre- e probióticos já demonstrou resultados animadores na ciência, como melhorias na sociabilidade e na composição da microbiota, embora mais pesquisas sejam necessárias.

Em um estudo envolvendo 30 crianças com transtorno do espectro autista, a suplementação de probióticos (Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus rhamnosus e Bifidobacteria longum), por 3 meses, resultou em aumentos destes gêneros, bem como melhorias nas pontuações comportamentais e nos sintomas gastrointestinais. 

Por fim, outras opções de manejo dietético incluem a dieta sem glúten e sem caseína (DSGSC), a dieta cetogênica, a suplementação de ácidos graxos poli-insaturados e micronutrientes. 

Para saber mais, acesse: Como deve ser a alimentação para quem tem autismo?

Conclusão

A relação entre a microbiota intestinal e o transtorno do espectro autista é estreita. Por conta do eixo intestino-cérebro, evidências sugerem que uma microbiota em desequilíbrio contribui para a patogênese do TEA, através das vias neuroimunes, neuroendócrinas e da produção de metabólitos.

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Referências:

Korteniemi, J., Karlsson, L., & Aatsinki, A. (2023). Systematic review: autism spectrum disorder and the gut microbiota. Acta Psychiatrica Scandinavica, 148(3), 242-254.

Mehra A, Arora G, Sahni G, Kaur M, Singh H, Singh B, Kaur S. Gut microbiota and Autism Spectrum Disorder: From pathogenesis to potential therapeutic perspectives. J Tradit Complement Med. 2022 Mar 8;13(2):135-149. doi: 10.1016/j.jtcme.2022.03.001. PMID: 36970459; PMCID: PMC10037072.

Transtorno do espectro autista. Organização Pan-Americana de Saúde.

Transtorno do Espectro Autista – TEA (autismo). Biblioteca Virtual em Saúde (Ministério da Saúde).

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