Diversas estratégias de prevenção e tratamento para o Alzheimer são propostas ao longo dos anos. Nos últimos tempos, o papel da alimentação na diminuição do risco desta enfermidade ganhou destaque. Nesse sentido, muitos se perguntam: seria o vegetarianismo uma opção viável para prevenir e tratar o Alzheimer?
Com ajuda do médico Dr. Paulo Victor Benício, membro da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), confira a intrínseca relação entre Alzheimer e vegetarianismo.
Alzheimer, o que é?
A Doença de Alzheimer (DA) é um transtorno neurodegenerativo progressivo e fatal, que se manifesta pela deterioração cognitiva e da memória, comprometimento progressivo das atividades de vida diária e uma variedade de sintomas neuropsiquiátricos e comportamentais.
Os principais sintomas do Alzheimer incluem:
- Problemas para completar tarefas que antes eram fáceis;
- Dificuldades para a resolução de problemas;
- Mudanças no humor ou personalidade;
- Afastamento de amigos e familiares;
- Problemas com a comunicação, tanto escrita como falada;
- Confusão sobre locais, pessoas e eventos;
- Alterações visuais, como problemas para entender imagens.
A Doença de Alzheimer (DA) é a principal causa de demência, com sua prevalência crescendo rapidamente. No Brasil, 1,2 milhão de pessoas vivem com demência, com 100 mil novos casos anuais. Globalmente, são 50 milhões afetados.
Segundo estimativas da Alzheimer’s Disease International, os números poderão chegar a 74,7 milhões em 2030 e a 131,5 milhões em 2050, devido ao envelhecimento da população. Esta crise global de saúde requer ação imediata.
Como prevenir o Alzheimer?
Apesar da alta prevalência, é possível prevenir o Alzheimer. Dos 10 fatores de risco para a doença, temos:
- 3 fatores não modificáveis: idade avançada, gênero e predisposição genética;
- 7 fatores modificáveis: depressão, hipertensão, diabetes tipo 2, obesidade, inatividade física, baixa escolaridade e alimentação pouco saudável.
Já foi demonstrado que o Alzheimer, diabetes, obesidade, resistência à insulina e doenças cardiovasculares são patologias fortemente interligadas.
Assim, estratégias preventivas e intervenções nutricionais parecem ser abordagens promissoras para retardar o declínio neurocognitivo e reduzir o risco de DA e outras comorbidades não psiquiátricas.
Prevenir o Alzheimer através da alimentação
Padrões alimentares saudáveis demonstraram diminuir o risco de deficiências neurocognitivas e, eventualmente, o aparecimento de Alzheimer.
Tais padrões são caracterizados por uma alta ingestão de alimentos vegetais, probióticos, antioxidantes, soja, nozes e ácidos graxos poliinsaturados ômega-3; e uma baixa ingestão de gorduras saturadas, proteínas de origem animal e açúcares refinados.
Na literatura científica, todas as abordagens dietéticas que demonstraram diminuir o declínio cognitivo e o risco de DA têm em comum:
- Limitar a ingestão de açúcar e gordura saturada;
- Ingerir uma alta porcentagem de frutas, vegetais, grãos integrais e nozes;
- Limitar o consumo de carne vermelha ou processada a quantidades mínimas.
Por isso, várias organizações médicas recomendam uma dieta baseada em vegetais para otimizar a saúde cognitiva e potencialmente prevenir a demência. Mas afinal, como a dieta vegetariana atua no cérebro e no risco de DA?
Como o vegetarianismo atua no Alzheimer?
A seguir, confira a influência que uma dieta vegetariana, saudável e equilibrada pode exercer na prevenção e tratamento do Alzheimer.
Alta quantidade de frutas e vegetais
Várias meta-análises descobriram que o aumento do consumo de frutas e vegetais pode reduzir o risco de demência e retardar o declínio cognitivo em adultos mais velhos. Ao mesmo tempo, outros estudos mostram que uma baixa ingestão de vegetais está associada a uma pior cognição na demência da DA.
Os fitoquímicos, vitaminas, minerais e fibras encontrados em frutas e vegetais têm propriedades anti inflamatórias e antioxidantes bem estabelecidas, que podem proteger o cérebro, reduzindo os processos patológicos associados ao envelhecimento e à demência.
Redução da inflamação
A inflamação desempenha um papel importante no desenvolvimento da DA. Cascatas inflamatórias podem contribuir para a patogênese da DA quando os níveis de beta amilóide (Aβ) estão continuamente altos, mobilizando o sistema imunológico inato através da ativação da microglia.
Pacientes com DA geralmente apresentam altos níveis de marcadores inflamatórios, como PCR e relação TNF-α/IL-10, e esses marcadores estão associados ao declínio cognitivo. Dietas vegetarianas estão associadas à redução de marcadores inflamatórios, principalmente a longo prazo.
Ação nos fatores de risco modificáveis
Como um todo, uma dieta vegana pode melhorar indiretamente a cognição, mantendo um peso corporal saudável e reduzindo os fatores de risco cardiovascular, como o colesterol, glicemia, lipídios sanguíneos e pressão arterial.
Assim, o vegetarianismo é uma ferramenta valiosa para prevenir o diabetes e obesidade, fatores que aumentam o risco de Doença de Alzheimer.
Saúde mental
A saúde mental pode ser um fator importante para prevenir a insurgência da DA. No caso de problemas associados à saúde mental, é possível que o risco de contrair DA aumente. Fatores como estresse crônico e depressão podem de fato aumentar o risco de desenvolver DA. Por outro lado, uma meta-análise encontrou uma associação entre uma dieta vegana e pontuações mais baixas de ansiedade.
Microbiota intestinal
O microbioma intestinal de pacientes com DA possuem uma diversidade diminuída, além de uma composição alterada. Por exemplo, pacientes com DA positivo para Aβ têm mais bactérias pró-inflamatórias no intestino do que controles saudáveis e pacientes negativos para Aβ.
Sabemos que a dieta está entre os principais fatores que afetam o ecossistema da microbiota intestinal. Nesse sentido, a dieta vegana pode trazer diversos benefícios, tais como:
- Aumento de Bacteroidetes e Prevotella;
- Aumento da abundância de metabólitos benéficos;
- Redução dos patobiontes associados à inflamação de baixo grau;
- Redução da abundância de metabólitos potencialmente prejudiciais.
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Em contrapartida, o consumo de carne vermelha pode não ser interessante para a microbiota. Após o consumo de L-carnitina, presente neste alimento, a microbiota intestinal de onívoros produz mais N-óxido de trimetilamina (TMAO) em comparação com vegetarianos e veganos. Esse TMAO tem sido associado a doenças neurológicas, exacerbando processos neurodegenerativos e neuroinflamatórios.
Há risco de Alzheimer no vegetarianismo?
O aumento do risco de deficiência de vitamina B12 é um ponto importante a ser considerado ao adotar o vegetarianismo.
A falta dessa vitamina pode resultar em diversos sintomas neurológicos, incluindo a desmielinização axonal progressiva e um aumento da atrofia cerebral em idosos. Além disso, níveis elevados de homocisteína estão fortemente associados a um maior risco de doença de Alzheimer.
Entretanto, estratégias como suplementação ou consumo de alimentos fortificados com vitamina B12 protegem contra a deficiência, minimizando quaisquer riscos de Alzheimer associado à falta deste nutriente.
Conclusão
Em resumo, o vegetarianismo pode desempenhar um papel crucial na redução do risco da Doença de Alzheimer (DA). Isso se deve à rica oferta de fitonutrientes, como vitaminas, antioxidantes e fibras alimentares, presentes em dietas baseadas em vegetais não processados. Através de diversos mecanismos, tais nutrientes previnem o declínio cognitivo e protegem a saúde mental.
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Autor
Dr. Paulo Victor Benício, médico formado pela Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, com residência em Clínica Médica pelo Hospital Adventista Silvestre, pós-graduado em Nutrologia no Hospital Albert Einstein, pós-graduado em Avaliação Metabólica e Nutricional do Onívoro e do Vegetariano pelo Instituto Eric Slywitch, pós-graduado em Fitoterapia pela ABFIT, pós-graduando em Nutrição Vegetariana pelo Instituto Luciana Harfenist/Sociedade Vegetariana Brasileira(SVB), pós-graduando em Nutrição Esportiva e Estética, coordenador do Departamento de Medicina da Sociedade Vegetariana Brasileira(SVB), membro do Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida e membro titular da Associação dos Médicos Vegetarianos.
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