Com diferentes estágios de avanço, a caquexia está presente em metade dos pacientes com câncer.
Em pacientes com câncer, a caquexia é uma condição altamente prevalente. Decorrente da perda de peso e da depleção de estoques de gordura e massa muscular, a caquexia está presente em cerca de 50% dos pacientes oncológicos.
Por ser uma condição complexa e com alguns sintomas “subjetivos”, a avaliação da caquexia pode ser dificultada. Por estes motivos, a caquexia é subdiagnosticada e subtratada, prejudicando a qualidade de vida dos pacientes com câncer.
Neste artigo, você irá aprender o que é a caquexia, quais são seus subtipos e como avaliá-la.
O que é caquexia e quais os sintomas?
A caquexia é uma síndrome multifatorial, definida pela desnutrição decorrente de alterações metabólicas relacionadas à presença de doenças.
Os principais sintomas da caquexia são:
- Perda de apetite (saciedade precoce)
- Perda de peso/anorexia
- Perda de massa muscular
- Náuseas
- Distensão abdominal
- Alterações no paladar
- Xerostomia (boca seca)
- Disfagia
- Constipação
- Fadiga
- Inatividade
- Perda de concentração
Em pacientes com câncer, a fisiopatologia da caquexia se dá por múltiplos componentes. Em primeiro lugar, os sintomas da doença e de seus tratamentos prejudicam a ingestão de alimentos. Além disso, as alterações metabólicas do câncer incluem desregulação neuro-hormonal, gasto energético elevado e aumento do catabolismo. Todos esses fatores favorecem a desnutrição.
Como consequência, pacientes caquéticos estão mais propensos à toxicidade relacionada ao tratamento, menor qualidade de vida, aumento de complicações cirúrgicas e maior mortalidade.
Quais os tipos de caquexia?
A caquexia não é uma condição estável, podendo evoluir com o tempo. De acordo com o consenso internacional, a caquexia em câncer pode ser categorizada em três fases: pré-caquexia, caquexia e caquexia refratária.
A pré-caquexia ocorre quando há uma perda de peso mínima (2 a 5%), com sinais clínicos e metabólicos preditivos de perda de peso futura, como anorexia, resistência à insulina, inflamação sistêmica e hipogonadismo. Ainda não há critérios diagnósticos consensuais para a pré-caquexia, mas a intervenção precoce é indicada para um prognóstico favorável.
A caquexia, por sua vez, é identificada quando a desnutrição já está presente, e é diagnosticada por uma ferramenta de triagem para desnutrição, associada à inflamação sistêmica e ao menos um critério fenotípico.
Segundo os critérios da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), a caquexia é descrita quando há:
- Perda de peso superior a 5% nos últimos 6 meses; ou
- IMC < 20 kg/m² com perda de peso contínua (> 2%); ou
- Depleção de massa muscular (sarcopenia) e perda de peso > 2%.
Por fim, a caquexia refratária é conceituada como um catabolismo clinicamente resistente à terapia anticancerígena, com baixo desempenho funcional, câncer progressivo e expectativa de vida menor que 3 meses. Neste estágio, a intervenção excessiva pode aumentar a sobrecarga do paciente, e cuidados paliativos podem ser indicados.
Como avaliar caquexia?
A fim de orientar o melhor tratamento para cada paciente, a Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO) apresenta um passo-a-passo de triagem e avaliação da caquexia, descrito a seguir.
Triagem do risco de desnutrição
Em primeiro lugar, a triagem de risco nutricional deve ser realizada de forma regular em todos os pacientes oncológicos submetidos ao tratamento neoplásico, e naqueles com sobrevida superior a 3 ou 6 meses.
Embora não haja um acordo geral sobre a melhor ferramenta, são sugeridas: MUST, NRS-2002, SNAQ, MST e PG-SGA.
Já para pacientes com sobrevida menor que 3 meses, a triagem deve se voltar para a investigação de distúrbios relacionados à alimentação.
Avaliação do estado nutricional
Após a realização da etapa anterior, os pacientes em risco nutricional devem ser submetidos a uma avaliação mais aprofundada. Os parâmetros a serem avaliados devem incluir estado nutricional, metabólico, funcional, sintomas psicossociais, entre outros.
Na tabela abaixo, descreve-se os fatores a avaliar no paciente com caquexia, bem como as ferramentas recomendadas pela Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO).
Categoria | Parâmetro a ser avaliado | Ferramentas recomendadas |
Estado nutricional | Estado corporal | Peso corporal |
Perda de peso | % do peso saudável | |
Ingestão alimentar | % da quantidade necessária ingerida | |
Ingestão energética e proteica | kcal/kg/dia, g/kg/dia | |
Deficiências nutricionais | Diário alimentar, R24h, análise por software de nutrição | |
Composição corporal | Bioimpedância, tomografia, DEXA | |
Estado metabólico | Inflamação sistêmica | Pontuação Prognóstica de Glasgow Modificada |
Gasto energético | Calorimetria indireta | |
Estado funcional | Desempenho físico | Índice ECOG/OMS |
Atividade física | Atividades do dia-a-dia | |
Dependência | Pontuação de dependência de Northwick Park | |
Força de pressão | Dinamômetro | |
Velocidade da marcha | Teste de velocidade da marcha de 4 m | |
Barreiras nutricionais | Sintomas de impacto nutricional | PG-SGA, lista de verificação de impacto nutricional |
Disfunções do TGI | Mastigação, paladar, deglutição, motilidade intestinal, constipação, diarréia, estenose, má absorção | Entrevista diagnóstica, exames de imagem, testes funcionais, escalas visuais analógicas |
Sintomas psicossociais | Avaliação de sintomas e fatores de risco (cognição, emoção, depressão) | Sistema de Avaliação de Sintomas de Edmonton |
Avaliação psicossocial | Avaliação Funcional do Tratamento da Anorexia/Caquexia (FAACT), Questionário de qualidade de vida específico para caquexia (QLQ-CAX24) | |
Eventos adversos da medicação | Possíveis efeitos adversos no apetite, trato GI, sistema nervoso central, fadiga | Aconselhamento farmacológico |
Estado do tumor | Extensão e atividade da doença cancerígena, probabilidade de resposta ao tratamento anticancerígeno | Aconselhamento oncológico |
Recomenda-se a repetição de avaliações nutricionais em intervalos regulares, geralmente mensalmente.
Como tratar a caquexia?
Após a triagem e avaliação dos parâmetros relacionados à caquexia, deve-se iniciar uma intervenção individualizada de acordo com os resultados advindos da avaliação.
O manejo da caquexia pode ser composto por tratamento anticancerígeno, atividade física supervisionada, intervenções nutricionais, apoio psicológico e prescrição de fármacos.
Além disso, deve-se considerar o status de desenvolvimento da caquexia e a expectativa de vida do paciente, para não sobrecarregá-lo com intervenções exaustivas e desnecessárias.
No quadro abaixo, a Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO) apresenta o foco do cuidado de acordo com a expectativa de vida do paciente.
Expectativa de sobrevivência | Foco do cuidado |
Mais que alguns meses (3 a 6) | Avaliação/triagem regular e intervenções personalizadas |
Menos que alguns meses (3 a 6) | Diminuição da invasividade das intervenções, preferência por aconselhamento e suplementos nutricionais orais (SNO) |
Menos que algumas semanas | Cuidados direcionados ao conforto, alívio do sofrimento relacionado à alimentação e à sede |
Para saber mais sobre o manejo da caquexia, leia: Diretriz para Manejo da Caquexia.
Conclusão
A caquexia é uma condição complexa, com diversos fatores envolvidos. Justamente por isso, sua avaliação deve ser multicomponente, com o objetivo de guiar o melhor tratamento, e assim melhorar a qualidade de vida dos pacientes que apresentam a condição.
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Referências:
ROELAND, Eric J. et al. Management of cancer cachexia: ASCO guideline. Journal of Clinical Oncology, v. 38, n. 21, p. 2438-2453, 2020.
ARENDS, Jann et al. Cancer cachexia in adult patients: ESMO Clinical Practice Guidelines. ESMO open, v. 6, n. 3, 2021.
NISHIKAWA, Hiroki et al. Cancer cachexia: its mechanism and clinical significance. International journal of molecular sciences, v. 22, n. 16, p. 8491, 2021.
A Redação Nutritotal PRO é formada por nutricionistas, médicos e estudantes de nutrição que têm a preocupação de produzir conteúdos atuais, baseados em evidência científicas, sempre com o objetivo de facilitar a prática clínica de profissionais da área da saúde.
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